ANALFABETISMO FUNCIONAL, METONÍMIA E LITERATURA
 

            Esta é uma obra de pesquisa científico-bibliográfica, com consulta de obras de autores renomados, cujo objetivo é esclarecer e tornar mais acessível ao público leigo em geral a importância da literatura na construção da capacidade cognitiva das pessoas, de forma clara, concisa e objetiva, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas com o escopo de elucidar as principais dúvidas inerentes a esse importante e complexo assunto. Nesse contexto, importante frisar que o analfabetismo funcional é um mal que assola o nosso país, pois os jovens sabem ler e escrever, todavia não entendem o verdadeiro teor de um texto. Essa debilidade da capacidade cognitiva compromete a eficácia dos alunos na resolução de problemas, impedindo o nosso país de alcançar a liderança no cenário político-econômico internacional.
 
Palavras-chave: Pesquisa Científico-Bibliográfica. Literatura. Analfabetismo Funcional. Capacidade Cognitiva.
 
 
1 INTRODUÇÃO
 
             Este trabalho visa a discutir a importância do hábito da leitura crítica e reflexiva na vida das pessoas e a importância de uma educação com padrões de excelência, demonstrando que, em qualquer sociedade com viés democrático, a liberdade de expressão e a liberdade de escolha sempre estão de “mãos dadas” com a ética e a lucidez de raciocínio,  tornando-se denominadores comuns na vida e na rotina de qualquer cidadão consciente de seus direitos e deveres.
           Nesse diapasão, é importante observar que o futuro nada mais é que o produto das nossas escolhas, no presente, evitando e corrigindo os erros do passado. Para quem não sabe de onde veio, não sabe onde está e também não sabe aonde vai, qualquer caminho serve! Ao elaborar essa reflexão, inspirei-me no romance matemático “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, escrito por Lewis Carrol, escritor e matemático inglês, que viveu no século XIX. Por isso, somente aqueles que têm o hábito da leitura crítica e reflexiva não são conduzidos e manipulados por pessoas mal intencionadas. Um povo que lê será sempre o protagonista do seu próprio destino.

 
 
 
 
2 DESENVOLVIMENTO
 
        Non ducor duco, essa expressão latina que significa: “Não sou conduzido, conduzo”, contida no brasão da cidade de São Paulo, deveria ser o lema de todos nós brasileiros, todavia isso só será possível com mentes abertas e habituadas à reflexão. Importante observar que esse objetivo só será alcançado por meio da educação. Diante disso, se pesquisarmos sobre a origem da palavra “educação”, veremos que esse substantivo deriva do verbo “educar”, o qual, por sua vez, vem do latim educare (ex + ducere, onde o prefixo ex indica movimento para fora, e ducere significa conduzir, guiar); conclui-se, portanto, que educar é “conduzir para fora”.
          Nesse sentido, de uma forma alegórica, pode-se dizer que educar é “conduzir para fora do ninho”, assim como a águia, do alto do penhasco, conduz gentilmente o seu filhote para fora de seu seguro e aconchegante refúgio e, no momento oportuno, empurra-o para o precipício, a fim de que ele aprenda a voar, enfrentando a incerteza e o medo do abismo, adquirindo assim a autonomia e o controle de sua própria vida!

Isso posto, se educar é conduzir os jovens para fora de sua zona de conforto, a fim de que enfrentem o medo da vida e de seus desafios, torna-se mister salientar que saber ler e escrever é apenas o primeiro estágio na obtenção na maturidade e independência intelectual, ou seja, não basta conhecer e reproduzir o conhecimento ancestral, é necessário que haja muita reflexão e questionamentos, pois nenhum conhecimento é definitivo, tampouco é, necessariamente, a verdade.
 
          Segundo Vera Masagão Ribeiro:
O termo alfabetismo funcional foi cunhado nos Estados Unidos, na década de 1930, e utilizado pelo exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial, indicando a capacidade de entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares (Castell, Luke & MacLennan 1986). A partir de então, o termo passou a ser utilizado para designar a capacidade de utilizar a leitura e a escrita para fins pragmáticos, em contextos cotidianos, domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em contraposição a uma concepção mais tradicional e acadêmica, fortemente referida a práticas de leitura com fins estéticos e à erudição. Em alguns casos, o termo analfabetismo funcional foi utilizado também para designar um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno e versátil da leitura e da escrita, ou um nível de habilidades restrito às tarefas mais rudimentares referentes à “sobrevivência” nas sociedades industriais. Há ainda um conjunto de fenômenos relacionados que podem ser associados ao termo analfabetismo funcional, por exemplo, o analfabetismo por regressão, que caracterizaria grupos que, tendo alguma vez aprendido a ler e escrever, devido ao não uso dessas habilidades, retornam à condição de analfabetos. Especialmente na França, o termo “iletrisme” foi utilizado para caracterizar populações que, apesar de terem realizado as aprendizagens correspondentes, não integram tais habilidades aos seus hábitos, ou seja, em sua vida diária não leem nem escrevem, independentemente do fato de serem capazes de fazê-lo ou não.
 
          Ante o exposto, fica claro que, em nosso país, a alfabetização convencional e o sistema de ensino produzem um número inaceitável de analfabetos funcionais. A falta de ênfase na educação clássica (greco-romana) e o desinteresse pela leitura são fatores que impossibilitam nossos alunos de atingirem o máximo de sua capacidade cognitiva, possibilitando-lhes distinguir discursos mentirosos de discursos em consonância com a realidade.
           Para Aristóteles (filósofo grego que viveu no século IV a.C): "Negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade". Isso pode parecer uma afirmação óbvia, mas o óbvio tem passado despercebido pela maioria das pessoas atualmente. Aristóteles, há mais de dois mil anos, já descreveu de forma magistral a diferença entre um discurso falacioso e um discurso bem intencionado, ou seja, em consonância com a realidade.
             No mito da Caverna, texto contido no livro A República, de autoria de Platão, filósofo grego que viveu no século V a.C, também é possível vislumbrar as diferenças o verdadeiro e o falso, possibilitando aos leitores concluir que, eventualmente, o conhecimento de uma sociedade pode estar fundamentado em equívocos e discursos totalmente divorciados da realidade. Nessa fantástica alegoria, ele descreve uma caverna onde prisioneiros vivem desde a infância. Com as mãos presas à uma parede, de onde eles veem apenas sombras, as quais são projetadas na parede situada logo à frente. Por sua vez, as sombras são causadas por uma fogueira, localizada na parte traseira da parede em que os homens estão presos. Pessoas se movimentam diante da fogueira, formando sombras distorcidas, as quais são todo o conhecimento que os prisioneiros tinham do mundo. A parede da caverna, as sombras e os ecos dos sons que as pessoas produziam era o mundo restrito dos prisioneiros.
                Um belo dia, um dos prisioneiros escapa. Andando pela caverna, ele percebe que havia pessoas e uma fogueira projetando as sombras que ele julgava ser o mundo real. Ao sair da caverna, ele se assusta ao se deparar com o mundo exterior. A luz do sol ofusca a sua visão e ele se sente desorientado. Gradativamente, sua visão se adapta à luz e ele percebe a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna. Ele nota que as sombras, que pareciam ser a realidade, na verdade eram cópias imperfeitas da realidade.
                 Dito isso, o que poderia fazer o prisioneiro liberto: retornar para a caverna e libertar os seus companheiros ou viver livremente a sua vida. Na primeira hipótese, ele poderia sofrer ataques de seus companheiros, que o julgariam um louco, mas poderia ser a melhor coisa a fazer.
               Após detida análise dessa alegoria, pode-se depreender que, para Platão, a verdade é o que é, enquanto o conhecimento é o que nós pensamos que é, ou seja, o conhecimento é uma certa relação de conformidade, de semelhança, de adequação entre o sujeito (o ser humano) e o objeto (o mundo a nossa volta). Por isso, nós podemos afirmar que nenhum conhecimento é, necessariamente, a verdade! A verdade está além de nossas sensações!
 
 
2.1 Analfabetismo funcional e metonímia
    
              Se aquilo que nós julgamos como conhecimento pode não se coadunar com a verdade, com a realidade dos fatos, então existe a possibilidade de lermos um texto e nos depararmos com uma mentira! O analfabetismo funcional torna os jovens incapazes de refletirem sobre qualquer texto, pois é como se fosse um aval de pessoas ingênuas e despreparadas diante de retóricas mentirosas e falaciosas.
               Seguindo essa linha de raciocínio, é necessário esclarecer que existe um recurso retórico conhecido como metonímia, muito utilizado nos textos literários, mas que também pode ser utilizado contra as pessoas nos discursos mentirosos e mal intencionados daqueles que querem se perpetuar no poder! Nesses discursos, verifica-se a substituição de um termo por outro, com uma relação de semelhança e proximidade entre os termos, trocando-se o concreto pelo abstrato (“o homem nasce bom e a sociedade o corrompe” - é o ser humano que corrompe outro ser humano, e não a sociedade); trocar a causa pelo seu efeito (“a corrupção está destruindo o Brasil” - a corrupção é apenas o efeito, e não a causa, pois a verdadeira causa da corrupção é a falta de ética e de educação) ou então trocar o agente pelo seu instrumento (“as armas matam” - são as pessoas que apertam o gatilho e matam). 
            Importante observar que atribuir qualidades humanas a entes abstratos é uma das características do discurso metonímico, que se revelou, notadamente nos últimos cem anos, como uma retórica falaciosa, extremamente eficaz e insidiosa, haja vista que, na vida em sociedade, as ações efetivas são praticadas por seres humanos, não por entes abstratos. 
               Não obstante os conflitos de interesses e divergências políticas, esse tipo de discurso é utilizado com relativo sucesso por políticos autoritários, obcecados em se perpetuar no poder. É fato notório que os infortúnios de qualquer ser humano são causados pela natureza, por outro ser humano ou por ele mesmo, premissas que, de certa forma, confirmam a máxima de autoria do dramaturgo romano Platus: “O homem é o lobo do homem”, tornada célebre pelo filósofo inglês Thomas Hobbes. 
             Isso posto, devemos observar que as pessoas é que são boas ou más; a democracia não é má, tampouco é boa, pois os governantes, que são eleitos pelo povo, é que são bons ou maus.
              Dessa forma, vocês conseguem perceber alguma semelhança com os discursos da maioria dos políticos atuais? A utilização da metonímia confunde as pessoas, pois tira os verdadeiros responsáveis do protagonismo das ações criminosas e atos ilícitos.

 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
                  Ante todo o exposto, pode-se dizer que a apatia em relação à leitura e a preguiça de ler estão contribuindo para a alienação de nossos jovens, pois, sem o aporte da literatura, as novas gerações não terão acesso à sua cultura ancestral, logo não terão um ponto de referência no passado, tampouco conseguirão identificar o contexto sócio-político-econômico no qual estão insertos atualmente! A partir dessas premissas, pode-se concluir que quem não sabe de onde veio (PRETEXTO) e não sabe onde está (CONTEXTO), jamais terá condições de saber aonde vai, ou seja, não terá condições de interpretar um TEXTO adequadamente e tirar conclusões lúcidas e coerentes!
          Além da influência dos pais, a literatura é a base da formação do caráter dos jovens. Sem a leitura, sem acesso à literatura, as futuras gerações não serão capazes de formar uma escala de valores éticos e morais, logo serão presa fácil para o oportunismo dos maus políticos. A maioria da população comportar-se-á como uma manada! Sim, isso mesmo, nossos jovens não terão opinião própria, não haverá grandes questionamentos, tampouco contestações ou insurgências, serão como gado confinado, cujo destino se sujeitará ao bel-prazer e caprichos de seus donos!
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo Funcional: referências conceituais e metodológicas para a pesquisa. Educ. Soc.[online]. 1997, vol. 18, n. 60, pp. 144-158.
 
CARROL, Lewis. Alice no país das maravilhas. 1998. Brasil: L&PM, 1998.
 
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de V.G.Yebra. Madrid: Gredos, 1998.
 
PLATÃO. Sofista. Trad. J. Peleikat e J.C. Costa. São Paulo: Abril Cultural, 1997.
 
República / Platão; tradução de Carlos Alberto Nunes. – 3. ed. -. Belém:
EDUFPA, 2000.
 

Osmar Ruiz Júnior
Enviado por Osmar Ruiz Júnior em 19/02/2020
Reeditado em 09/05/2023
Código do texto: T6870092
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