Senhor Presidente da Academia de Letras de Vila Velha, Horacio Xavier,
Senhor Decano desta Academia, Paulo de Paula
Autoridades presentes,
Intelectuais, mestres e doutores, ativistas culturais e pela educação,
Membros de outras instituições culturais,
Familiares e amigos,
Senhoras e Senhores:

Neste momento áureo de minha vida em que as luzes do salão matizam um madrepérola fecundo, não poderia deixar de agradecer aos membros desta honrosa Casa pelo apoio à minha candidatura e consequente eleição. No hiato sepulcral até o proferimento do resultado, o apoio incondicional de meus pais Italo Brasil Wyatt e Clicia Rodrigues Ferreira Wyatt e a amizade terna da atriz Erica Carneiro permitiram-me acreditar no doce sonho que hoje se concretiza. 

Tenho procurado cotidianamente desvendar a matriz desta força estranha que toma as rédeas de minhas mãos e obriga-me a escrever compulsivamente como ourives que lapida uma joia rara e bruta. Escrevo porque experimento no momento em que toco no invólucro da linguagem a possibilidade de não morrer. Na tentativa de transcender sensações, de abraçar os meus mortos e de tornar os meus delírios em consistentes partículas cintilantes que nem as rusgas do tempo podem apagar.

Ainda, escrevo porque procuro unir-me a outros nomes da Capitania Perdida como Bernadette Lyra, Adilson Vilaça, Saulo Ribeiro, Waldo Motta, Jorge Verly e Horacio Xavier para desvelar os tesouros que por séculos ficaram escondidos na mata fechada dos botocudos, aimorés e cotochés. Para perpetuar meu amado Comercinho, Cidade de Mucurici em sua integralidade: a Torre de Fátima, a Praça São Sebastião, a Casa de Verdeval Ferreira, o Casarão do Finado Dega, a Vendinha de Seu Agenor, as flores dos campistas e pajeús, a lenda do Romãozinho, do Diabo que pôs o pé na Curva da Avenida Presidente Kennedy e, sobretudo, o rio que passou pela minha vida e desaguou as memórias mais delicadas de minha infância, o Itaúnas. Foi às margens do Itaúnas, com o livro Cotaxé de Adilson Vilaça em mãos, que desejei o mesmo anseio de Udelino Alves de Mattos: o progresso do nosso Norte Capixaba, tão relegado a mero curral eleitoral.  

A Cadeira n.1º estará disposta a quem quiser contribuir para o progresso humanista de nosso povo. Sob a sombra eternal de seu patrono Érico Veríssimo e perpetuando a luta que tenho travado por um mundo melhor, mais igual e fraterno, servirá como ancoradouro nesta Academia para todas as vozes que sempre estiveram silenciadas na noite dos desgraçados. Firmei este compromisso com jovens poetas negros, moradores de periferias como, por exemplo, o genial Ian Mendes. Jovens que sofrem dia após dia,  na pele e na alma os fenômenos da subcidadania que reina em nossa sociedade mediante a esquematização de hábitos e habitats no mais enrijecido estilo Casa Grande e Senzala ou Sobrados e Mucambos.
  
Neste momento, seguindo fielmente o protocolo, passo a falar sobre o patrono da Cadeira n.1º, que doravante assumo o compromisso de eternizá-lo na consciência cultural do povo canela-verde.

Érico Veríssimo nasceu na Cidade de Cruz Alta, interior de Porto Alegre, em 17 de dezembro de 1905. Filho de Sebastião Veríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes, interessou-se cedo pela artes tendo, aos dez anos de idade, criado sua própria revista chamada “Caricaturas” recheando seus papéis de desenhos e pequenas notas. Aos treze anos de idade, encontrou-se com obras de Aluísio Azevedo, Joaquim Manuel de Macedo, Walter Scott, Émile Zola e Fiódor Dostoiévski. Em 1930, ao mudar para a Capital Gaúcha integrou-se à redação da Revista do Globo, época em que travou contato com intelectuais como Mário Quintana e Augusto Meyer. Casado com Mafalda Halfen Volpe desde 1931, deixou a duas criaturas o legado da miséria humana: Clarissa Veríssimo e o também consagrado escritor Luís Fernando Veríssimo. Morou diversas vezes nos Estados Unidos da América em 1941, 1947, 1953 e 1956, épocas em que profere palestras na Universidade da Califórnia e em instituições culturais e de poder em Washington. 

Morre em 28 de novembro de 1975, aos 69 anos de idade, vítima de um infarto. A época, profundamente comovido pelo óbito de um dos mais geniais autores de seu tempo, Carlos Drummond de Andrade lamenta:

A falta de Erico Verissimo
Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.

Frequentemente associado à segunda fase do Modernismo e um dos nomes mais importantes de uma tradição regionalista associada à Revolução de 30, publicou seu primeiro conto em 1929 cujo título era “Chico: um Conto de Natal”, na revista mensal “Cruz Alta em Revista”. Em 1932 publica sua primeira obra, Fantoches, um livro de contos que teve um péssima vendagem e um incêndio tivera a deselegância de o resto tragar.

Publicou os seguintes romances: Clarissa – 1933, Caminhos Cruzados – 1935, Música ao Longe – 1936, Um Lugar ao Sol – 1936, Olhai os Lírios do Campo– 1938, Saga – 1940, O Resto é Silêncio – 1943, O Tempo e O Vento (1ª parte) — O continente – 194, O tempo e o vento (2ª parte) — O retrato – 1951, O tempo e o vento (3ª parte) — O arquipélago – 1962, O Senhor Embaixador – 1965, O Prisioneiro – 1967, Incidente em Antares. Publicou também contos, novelas e literatura infanto-juvenil. 

Érico é um autor profundamente influenciado por uma literatura anglo-saxão. Em alguns momentos de sua carreira, isso fica evidente, como por exemplo, no livro “O resto é silêncio”, título retirado da última frase dita pelo Príncipe Hamlet antes de morrer: “The rest is silence”, bem como na segunda obra da trilogia o Tempo e o Vento, “O retrato”, em que há uma profunda associação da imagem do Dr. Rodrigo Cambará ao retrato de Dorian Gray, escrito por Oscar Wilde.  Atrativo em seu currículo não deixa de ser a sua última obra, Incidente em Antares, em que o autor termina sua produção mergulhado no realismo-fantástico.

A temática de suas obras propõe um corte transversal no mundo social. Veríssimo sofre com as desigualdades sociais, a miséria e desilusão da gente humilde. Ademais, temas relacionados ao existencialismo, à psicologia social e as raízes históricas do povo brasileiro são marcas indeléveis. Não se encontra no autor a pretensão de ser um demiurgo. Para Érico, nenhuma síntese seria melhor que a máxima contida na poesia de Ramón de Campoamor: “en el mundo traidor / nada hay verdad ni mentira: / todo es según el color / del cristal con que se mira.”

Com Caminhos Cruzados (1935), o escritor irritou ala considerável da Igreja Católica e dos setores Varguistas, tendo que prestar depoimento num distrito policial. As pressões foram muitas, principalmente ao romper a Intentona Comunista. Olhai Os Lírios Do Campo segue a mesma senda e se torna um fenômeno editorial.

Todavia, Érico Veríssimo sempre será lembrado por sua clássica obra, “O Tempo e o Vento”, que reúne “O Continente”, “O retrato” e “O Arquipélago”. As personagens fortes como Ana Terra, Bibiana Terra, Capitão Rodrigo Cambará, Coronel Ricardo Amaral Neto, Licurgo, Toríbio Rezende são, na verdade, bons dançantes que bailam 200 anos de História do Rio Grande do Sul, tendo como fenômenos mais marcantes a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai.

 
Obras de Érico Veríssimo foram traduzidas para o alemão, espanhol, finlandês, francês, holandês, húngaro, indonésio, inglês, italiano, japonês, norueguês, polonês, romeno, russo, sueco e tcheco. Tomar posse nesta Cadeira deixa-me profundamente honrado e otimista em viver um tempo de afeto. E quando este tempo passar separando-me dos coqueirais mornos da Praia de Itaparica e das vossas companhias; quando meu corpo descansar entre as catacumbas amontoadas de Mucurici junto aos meus antepassados, ficará a minha poesia cravada na Cadeira nº1 a registrar o quanto amei e fui feliz. E será imortal.

Muito Obrigado!


 
 
Italo Samuel Wyatt
Enviado por Italo Samuel Wyatt em 16/10/2019
Código do texto: T6770997
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