Trecho de Os Irmãos Karamázovi

O mundo proclamou a liberdade, sobretudo nestes derradeiros anos, e que representa ela? Nada mais senão a escravidão e o suicídio! Porque o mundo diz: "Tu tens necessidades, satisfá-las, porque possuis os mesmos direitos que os grandes e os ricos. Não temas satisfazê-las, aumenta-as mesmo". Eis o que se ensina atualmente. Tal é a concepção dêles de liberdade. E o que resulta dêsse direito de aumentar as liberdades? Entre os ricos, a solidão e o suicídio espiritual; entre os pobres, a inveja e o crime, porque se conferiram direitos, mas ainda não se indicaram os meios de satisfazer as necessidades.

Assegura-se que o mundo, abreviando as distâncias, transmitindo o pensamento pelos ares, unir-se-á sempre cada vez mais, que a fraternidade reinará. Ai! Não acrediteis nessa união dos homens. Concebendo a liberdade como aumento das necessidades e sua pronta satisfação, alteram-lhes a natureza, porque fazem nascer nêles uma multidão de desejos insensatos, de hábitos e imaginações absurdos.

Não vivem senão para invejar-se mùtuamente, para a sensualidade e a ostentação. Dar jantares, viajar, possuir carruagens, cargos, lacaios, passa tudo como uma necessidade à qual se sacrifica até a vida, sua honra e o amor à humanidade, matar-se-ão mesmo, na impossibilidade de satisfazê-la. O mesmo ocorre entre aquêles que são ricos; quanto aos pobres, a insatisfação das necessidades e a inveja são no momento afogadas na embriaguez. Mas em breve, em lugar de vinho, embriaga-se-ão de sangue, é o fim para que os conduzem. Dizei-me se tal homem é livre.

Um "campeão da idéia" contava-me que, estando na prisão, privaram-no de fumo e que essa privação lhe foi tão penosa que quase traiu sua idéia para obtê-lo. Ora, êsse indivíduo pretendia lutar pela humanidade. Do que pode ser êle capaz? Quando muito dum esfôrço momentâneo, que não se sustentará por muito tempo. Nada de admirar que os homens tenham encontrado sua servitude em lugar da liberdade, e que em lugar de servir à fraternidade e à união, tenham caído na desunião e na solidão, como mo dizia outrora meu visitante misterioso e mestre.

De modo que a idéia de devotamento à humanidade, da fraternidade e da solidariedade desaparece gradualmente do mundo, na realidade, acolhem-na mesmo com derrisão (riso que demonstra zombaria; comentário irônico e sarcástico), porque como desfazer-se de seus hábitos, aonde irá aquêle prisioneiro das necessidades inumeráveis que êle próprio inventou? Na solidão, preocupa-se muito pouco com a coletividade. Afinal de contas, os bens materiais aumentaram e a alegria diminuiu.

Os Irmãos Karamazovi

Fiódor M. Dostoiévski

Pg. 229

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