EM DEFESA DA LIBERDADE DE CÁTEDRA E DO FAZER POLÍTICO DO PROFESSOR

Claudio Chaves

SENHOR PRESIDENTE,

SENHORAS E SENHORES VEREADORES

CIDADÃOS E CIDADÃS PRESENTES

E DEMAIS PESSOAS QUE, EVENTUALMENTE, POSSAM ESTÁ ACOMPANHANDO ESTA SESSÃO POR ALGUM MEIO DE TELECOMUNICAÇÃO,

BOM DIA!

NEM NA IDADE MÉDIA, quando a Igreja controlava até a respiração das pessoas, se ousou controlar o pensamento dos professores, a pesquisa e o direito de ensinar.

E POR FALAR EM IDADE MÉDIA, mesmo os mais reacionários pensadores daquela obscura época, se ruborizariam ao constatar que, no século XXI, no país em que a cada 2 minutos uma mulher é agredida e somente um acusado é apontado por mais de 300 vítimas de crimes sexuais, a primeira declaração da Ministra da Mulher e da Família ao ser empossada é sobre a cor da roupa que meninos e meninas devem usar – como se a cor que veste o corpo definisse também o caráter. A ministra seria mais feliz e mais proativa em sua primeira declaração no cargo se tivesse demonstrado mais preocupação com as milhares de crianças cujo maior desafio não é a cor que irão vestir, mas se terão pelo menos o que vestir, seja qual for a cor.

NO PAÍS em que o desenvolvimento linguístico e matemático dos jovens chega a ser superado por economias subdesenvolvidas, a principal preocupação do ministro da Educação é acabar com o que chama de doutrinação comunista e com o marxismo, e controlar alunos e professores, como se faz com um rebanho ovino, através da tal educação moral e cívica e do famigerado projeto Escola Sem Sentido, que chamam de Escola Sem Partido. No seu lugar, Excelência, eu me preocuparia mais em acabar, por exemplo, a humilhação dos professores de terem o mais baixo salário entre as categorias com nível superior do país e, para sobreviver com o mínimo de dignidade, terem que se desdobrar em vários vínculos de emprego; estaria eu mais preocupado em controlar os crônicos desvios dos recursos financeiros da merenda e do transporte escolar, por exemplo, do que em querer controlar o pensamento dos professores.

ENQUANTO ISSO, a ordem do presidente é para que alunos filmem e gravem professores em sala de aula e os denunciem (e não é por incompetência, violência ou qualquer ato de improbidade, mas por questões ideológicas); e para que a Inteligência Nacional espione religiosos católicos (pois não o apoiaram pública e institucionalmente na campanha eleitoral, logo, no seu entendimento obsessivo de exterminar os dissidentes, são pessoas perigosas e inimigas da nação). Curiosa e ironicamente, no entanto, a Inteligência Nacional não consegue espionar e prevenir massacres de pessoas inocentes como o ocorrido, há dois dias, na cidade de Suzano/SP; não consegue espionar milicianos e evitar a execução de autoridades, como a juíza Patrícia Acioli e a vereadora Marielle Franco.

ENQUANTO O TRABALHO DO PROFESSOR deve ser filmado e denunciado, as ações dos agentes públicos indicados pelo presidente da República, se dependesse de sua vontade obsessiva de controle, deveriam ficar sob sigilo a hora e o tempo que bem estes desejassem.

SENHORAS E SENHORES, as eleições de 2018 acabaram; os eleitos tomaram posse, e as novas administrações já começaram. Portanto, que fique claro não haver da parte deste professor que vos fala outra pretensão que não a de chamar a atenção de todos nós para a gravidade e os riscos que representam as claras ameaças – vindas desde o presidente da República, passando por seus ministros e replicada aos milhões através das redes sociais e outros meios – à liberdade de ensino e ao fazer político do professor. Isso é gravíssimo.

TEMOS, SENHORAS E SENHORES, uma sociedade extremamente ignorante politicamente falando – isso é fato inconteste. A Escola e o trabalho docente (não apenas como técnico, mas como agente político sim, por que não?) são as principais ferramentas que temos para enfrentar esse tremendo desafio.

SOMOS UM PAÍS profundamente desinformado e mal formado; e não será criminalizado o trabalho do professor que iremos reverter esse quadro. “Excessos de liberdade de expressão se combate com mais liberdade de expressão [não com censura]”, afirma o eminente Dr. Ayres Brito, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

CAUSA-ME, SENHORAS E SENHORES, profundo desconforto a apatia, a timidez e o silêncio (como se estivessem a concordar) de grande parte dos meus pares e das entidades representativas de minha categoria ante a propalação criminosa de ações ilícitas atribuídas a nós, professores, das quais jamais, sequer, se teve notícia em nosso meio. Eis, portanto, mais uma das razões porque me valho desta tribuna para expressar meu sucinto e modesto, porém fundamentado entendimento sobre a questão.

ACUSAR PROFESSORES de doutrinação, ideologização e erotização de crianças como pretexto para cercear o trabalho docente e a liberdade de ensinar, SENHORAS E SENHORES, não só é uma falácia insustentável; é muito mais que isso. É uma ação leviana, caluniosa, difamatória e criminosa.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA e sua equipe de campanha, agora que parte de seus intentos já foi alcançada – já está eleito –, deveriam ter a hombridade mínima de se desculparem não apenas com os professores, mas, também, com os alunos, com as famílias, os eleitores... com o Brasil. O aviltamento a que fomos expostos apenas como manobra para chegar ao poder somente os espíritos mais baixos se prestam a colocar em prática.

TENHO 28 ANOS de exercício da docência; já participei de inúmeros encontros de formação pedagógica, aqui e em outros estados do Brasil; já participei de várias audiências, conferências e tantas outras manifestações relacionadas à educação formal e ao trabalho do professor em nosso País. Jamais, em qualquer desses eventos, sequer se ventilou a possibilidade de se distribuir “kit gay” em escolas. Quem propagou – e muitos que continuam a propagar – tal infâmia, além de desonesta, se mostra uma pessoa completamente irresponsável e sem o mínimo de apreço e respeito ao ato professoral neste País.

SENHORAS E SENHORES, “o homem é um ser político”, já afirmava Aristóteles muito antes de Cristo. Tentar dissociar a ação pedagógica da ação política sob o pretexto de melhorar o ensino é tão racional e eficaz quanto privar alguém de oxigênio para melhorar sua respiração. Isso não é uma atitude apenas estúpida, mais imoral, inconstitucional e, acima de tudo, insana.

POR FIM, SENHORAS E SENHORES, embora não tenha eu procuração para falar em nome de nenhum dos meus pares, requeiro que este colegiado de legisladores e o plenário que aqui o prestigia nesta manhã registrem o posicionamento claro, consciente e inarredável deste professor que vos fala de jamais ceder, recuar ou tergiversar quanto à liberdade de cátedra e o fazer político docente. Não se trata de escolha, SENHORAS E SENHORES. Pelo contrário, a ação política do professor – como de qualquer outro ser humano – dar-se exatamente por não existir outra escolha. Somos formadores! Somos Educadores, não adestradores!

SOMOS formadores de seres pensantes, livres, contestadores, críticos e conscientes, não somos meros encantadores de serpentes. Nosso trabalho, SENHORAS E SENHORES, como já desejava Charles Chaplin é, antes, para “humanizar as máquinas, não para robotizar os homens”.

EU SEI, SENHORAS E SENHORES, a ameaça que representa para gestores usurpadores, insanos oportunistas, populistas e manipuladores ensinar o povo a pensar e, exatamente por isso, sei, também, perfeitamente, o que nos aguarda.

NÃO NOS ESQUEÇAMOS, porém, de uma coisa:

NÃO É COM AS MÃOS QUE PENSAMOS!

OBRIGADO!