Fragmentos de um discurso de formatura

[...] É chegada a hora de avançar para a próxima página, dar início a uma nova história. No entanto, é fato que, para os próximos capítulos, fragmentos de um texto já escrito serão utilizados, embora sejam reformulados ou alinhados a alguma ideia original. É inevitável, já que, como dizia Cora Coralina, “somos feitos de retalhos, pedacinhos coloridos de cada vida que passa pelas nossas e que vão sendo costurados na alma. Estes, nos acrescentam, nos definem, e nos permitem que, a cada encontro, nos tornemos maiores”.

Em função de um sonho, alinhamos nossas trajetórias, e permitimos que “pedaços de outras gentes se tornassem parte da gente também”. Assim, em cada fragmento, compartilhamos de uma nova cor, que nos tornaram “mais pessoa, mais humanos e mais completos”.

Ao longo do percurso, fomos guiados por seres repletos de luz que, além do saber, presentearam-nos com seus afetos. Nossos mestres ofereceram-nos as mãos e, juntos, partimos em busca dos tesouros escondidos no “território das palavras”. Desbravamos os ditos “termos suculentos”, os quais Clarice julgou ser os “adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e os verbos esguios”, e buscamos os sentidos secretos que ultrapassam palavras e frases.

Tornamo-nos mais atentos para ler o mundo sob a ótica dos que utilizam a “palavra como ação” e compreendemos que “a literatura, como toda arte, é uma confissão de que a vida não basta”. Assumimos o compromisso de promover o diálogo, porque dialogar é fazer as palavras atravessarem quem somos a fim de tocar o nosso outro.

E mesmo depois de tantos aprendizados, concluímos que, ainda assim, não estamos prontos, finalizados. Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Desejo que as palavras sempre sejam nossa inesgotável fonte de magia. Que aos poucos, os ventos nos tragam lições, carinhos e saudades, para que nossas lembranças não sejam perdidas com o tempo. Que este momento de travessia nos permita perceber as mudanças silenciosas que nos acompanharam e que, inevitavelmente, despertaram várias transformações.

Que a linguagem seja a nossa arma. Que o conhecimento seja nosso escudo. Que o saber nos provoque, para que o ato de ensinar seja uma busca incessante pelo desconhecido. Que a esperança nos persiga, insistente e perspicaz, para que a cada dia o desejo de mudança possa ser renovado em nós e que, como nos versos de Ricardo Reis, possamos ser inteiros, completos: “Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes”.

Portanto, ao finalizar este texto de retalhos, composto por fragmentos de amizades e pedacinhos de sonhos e expectativas, deixo a minha eterna gratidão a cada um de vocês, que fizeram parte da minha vida e que permitiram engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. E, ousando mais uma vez valer-me das palavras de Cora Coralina, “que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias. E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de 'nós'”.

Obrigada.

Tainara F. Andrade

Campinas, 08 de Janeiro de 2019.

Discurso produzido para a cerimônia de Colação de Grau do curso de Letras: Português/Inglês da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Tainara Andrade
Enviado por Tainara Andrade em 06/04/2019
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