Discurso lançamento do livro "Concepções da Alma" - 11.12.2018

Meus amigos, minhas amigas, boa noite.

De coração, agradeço pela presença de todos vocês.

Nesta publicação, mergulhei em águas profundas e desconhecidas. Não sou atuante na área de poesia, nem tampouco da filosofia. Até então, havia escrito algumas obras históricas de natureza regional, tendo como foco central o intrépido sertão da Paraíba. Mesmo assim, resolvi ousar, pegando carona nas asas da imaginação, em uma viagem para os confins da literatura, para o seio da filosofia clássica e contemporânea.

Em um primeiro momento, apresento algumas observações sobre temas inquietantes, literários, históricos, sociológicos, morais e existenciais, utilizando alguns recursos poéticos e filosóficos. Na segunda parte, promovo uma espécie de interlocução com renomados poetas, filósofos e personalidades nacionais e internacionais, apresentando ao leitor o lado encantado da poesia e do pensamento filosófico, bem como uma visão realística e imaginária da humanidade.

Desse modo, esta produção passa uma singela mensagem de reflexão na construção de um mundo mais justo, humano, solidário e, acima de tudo, mais belo e convidativo, a partir de uma análise sucinta e racional do significado da existência e do comportamento humano, bem como da exposição de uma linguagem subjetiva, poética e social de grandes nomes da poesia, literatura, política e da filosofia.

No presente trabalho, realizei algumas importantes descobertas e constatações. Até então, eu não sabia:

- Que gostava tanto de Mário Quintana, a ponto de citá-lo 38 vezes;

- Que um dia, levaria as recomendações de Drummond às últimas consequências;

- Que o vento tinha dor e é colorido no mundo de Michelângelo;

- Que o beija-flor se contenta com tão pouco. Só precisa de todas as flores do mundo para viver.

- O que eram aforismos filopoéticos;

- Que Machado de Assis consegue reconhece seus personagens até pela voz;

- Que o poeta não sabe escrever e o escritor não sabe fazer poesia;

- Que a dor não é párea para a poesia;

- Que árvores não temem machados. Árvores só temem gente.

- Que mais bonito que a divindade do nascimento é a forma como Deus dá alma aos homens;

- Que assim como o homem, o poeta também chora. Não em lágrimas, mas em versos;

- Que os pássaros são mais felizes que os homens. Os pássaros acordam cantando todos os dias.

- Que, para poetas e jardineiros, o ano só começa com a chegada da primavera.

- Que, somente de paixões, vive Drummond.

- Que, para a alma, toda música é silenciosa.

- Que o poeta já esteve em todos os lugares. De modo diferente do homem, ele já foi várias vezes à lua.

- Que ser romântico é melhor do que ser historiador.

- Que Cícero, filósofo da Roma Antiga, só necessita de um jardim e de uma biblioteca para viver.

- Que o maior defeito de Castro Alves foi morrer, aos 24 anos de idade; e o de Álvares de Azevedo, aos vinte anos.

Compreendi também como um pecado capital como a inveja pode ser perfeitamente distorcido em sua essência através da magnificência da poesia. Eu mesmo invejo o jardineiro porque só precisa das flores para viver; invejo o poeta porque só precisa da poesia. De modo diverso, Cecília Meireles não inveja as cigarras: sabe que um dia também morrerá de cantar. Já a pétala não possui inveja de nenhuma outra flor, só da borboleta, que voa.

Todavia, a obra atingiu a minha cabeça com incertezas, deixando inúmeros questionamentos sem respostas. Desta forma:

- Até hoje, não sei se Patativa do Assaré é um poeta ou um poema. Ou ambos...

- Não descobri a diferença exata entre música e poesia. Vivo confundindo Mozart com Shakespeare, Beethoven com Saramago...

- Se a rosa, que é frágil, efêmera e delicada, consegue viver com os seus espinhos, porque o homem não pode conviver com os seus?

- Se tivesse que escolher entre borboletas e pássaros, seria uma dúvida cruel. É muito difícil decidir entre a sutileza e o encanto.

- Se Davi foi aclamado rei, após derrotar o gigante Golias, por que não Gandhi, após derrotar o “gigante britânico”, sob as mesmas condições?

- Se Van Gogh só precisa da natureza, da arte e da poesia para viver, quem sou eu para necessitar de algo mais?

- Se não fosse a escuridão da noite o que seria dos vaga-lumes?

Por outro lado, obtive muitas certezas e incontáveis convicções que contribuem para uma interpretação mais sentimental do mundo, da nossa realidade.

- O mar só é perigoso para quem não o conhece. Eu o conheço muito bem, através de Rembrandt.

- Não adianta toda esta vaidade para nos vestirmos. Nunca seremos iguais ao pavão.

- O poeta nunca estará só. Aonde quer que vá, a poesia, companheira de todas as horas, o acompanhará.

- A diferença básica entre um homem e um poeta está na maneira de sonhar. Enquanto um sonha dormindo o outro sonha acordado.

- As nuvens possuem tanto crédito com os poetas que, mesmo quando aquelas encobrem a visão das estrelas, estes não se aborrecem.

- Se o jardineiro fosse Deus, somente haveria uma estação do ano: a primavera.

- O mundo submarino possui as mesmas qualidades do nosso, com um atrativo a mais: o silêncio profundo e infinito.

- A antítese da alma não é o corpo. É a insensibilidade.

- A primavera é uma estação exibicionista: passa toda a temporada mostrando os seus encantos.

- O universo só não é mais bonito porque não possui céu.

- Quando morre um poeta, o céu perde uma estrela. Ou ganha...

- Até mesmo a escuridão de uma noite sem estrelas e de lua apagada tem a sua beleza.

- Todo poema é uma interpretação de algo: da alma, do tempo, do sonho, do seu próprio autor, da existência...

Assim como os grandes poetas, igualmente submergi fundo em sonhos e anseios:

- Sempre desejei ser um poeta. Não para aprender a escrever melhor do que ninguém, mas para descobrir e melhor observar toda a beleza da primavera.

- Liberdade é pouco para Clarice Lispector. O que ela deseja ainda não tem nome.

- A saudade é a alma de Rubem Alves, dizendo para onde ela quer voltar.

- A mais doce de todas as companheiras da alma de Padre Antônio Vieira é a esperança.

Importa destacar também no texto alguns excertos da minha visão existencial sobre a vida:

- Eu vejo a perfeição no pensamento de Descartes, no canto do vento, no vestir-se do pavão, no planar da águia...

- Quando a gente olha para uma pedra e vê uma rosa, aconteceu uma poesia.

- Viver é muito bom, entretanto discordo de Belchior: viver somente não é melhor que sonhar...

- Não existe diferença entre um campo sem lírios e um céu sem aves. Ambos já morreram.

- Só há duas maneiras de receber o vento: abrindo os braços ou construindo moinhos de vento. E ambas são primorosas.

- Somente valoriza a lua, aquele que conhece a sombra. Somente valoriza o alimento, quem conhece a fome.

- A sociedade conjugal mais completa que eu conheci foi o vento e o arco-íris. Na relação, o vento entrou com a brisa e o cônjuge com as cores. E foram felizes para sempre...

- A arte não precisa provar nada para ninguém. A arte é completa, mágica, divina, imortal...

- O homem pode até destruir a terra, um dia. Mas o luar e a imensidão do céu estrelado, jamais.

- Não há tristeza que resista à chegada do arco-íris. Não há dor que suporte a melodia da música clássica.

- As lágrimas são importantes para lavar a alma do homem justo.

- Mesmo a penumbra tem a sua utilidade. As trevas, não.

- O homem é um eterno imitador. Voando, imita os pássaros. Nadando, imita os peixes. Amando, imita Deus.

Como se pode observar, abordei vários temas nesta singela publicação. Nenhum deles tão intensa e deleitosamente quanto à áurea fase da infância. Seguramente, este é o período mais encantador da existência humana.

Neste sentido, ao traçarmos um paralelo com a literatura, percebemos que toda criança é um poema. Em ambos os casos, a gente não consegue identificar o que é choro do que é sorriso. Do mesmo modo, constato com júbilo e altivez que uma cadeira de balanço embalando o sorriso de uma criança só pode ser coisa divina.

É natural que quando morre um adulto, muitos choram. Todavia, quando morre uma criança, apenas céu, terra e universo choram. Nesta linha da natureza, entendemos que se o vento, tão necessário no nosso sertão calorento, não crescesse, nunca se tornaria perigoso, tempestade. Assim também ocorreria com o homem se nunca crescesse, se fosse sempre criança. Ademais, este mesmo homem quando deixa de acreditar em Papai Noel, morre a sua alma de criança.

Outrossim, acreditamos que não existe golfinho adulto. Todo golfinho é criança. Até mesmo o verbo, com todo o seu poder onipotente, onisciente e onipresente, divino, quando se fez carne, o céu se fez criança.

Neste livro, também apresento a perspectiva de diversas personalidades e poetas sobre a magnificência da infância.

O poeta Casimiro de Abreu chora em versos de saudades da aurora da sua vida, da sua infância querida, que os anos não trazem mais.

Quando o escritor Fernando Sabino era menino, os mais velhos perguntavam o que ele gostaria de ser quando crescesse. Hoje, não perguntam mais. Se perguntassem, ele diria que gostaria de ser menino. No fundo, ele sempre quis ser criança. Porém, somente descobriu isso depois que se tornou adulto. Nesta lógica, o filme “o curioso caso de Benjamin Button” nada mais é do que um espetacular plágio da vida de Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.

A infância de menina sozinha deu a poetisa Cecília Meireles duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para ela: silêncio e solidão. Em contrapartida, Saramago não se preocupa em desagradar a terceiros. Para ele, basta não envergonhar a criança que um dia fora.

Quando criança, o poeta gaúcho Mário Quintana não brincava de brincar. Brincava de verdade. Já a primavera, nos seus versos, tornou-se uma menina alegre, pulando cordas.

O romancista francês Victor Hugo costuma se inebriar todas as manhãs. Às vezes, com o canto dos pássaros, às vezes, com o das crianças. Enquanto o seu colega russo Dostoiévski apenas estando ao lado de crianças, consegue curar sua alma.

Embora não tenha nada contra os adultos, o eterno aprendiz Gonzaguinha prefere mesmo é ficar com a pureza da resposta das crianças...

Mesmo tendo enormes dificuldades para escrever sobre a minha infância, pois não sofri traumas ou maiores dificuldades nesta fase - é uma pena que a inspiração literária comumente advenha de tragédias e dores – rabisquei algumas mal traçadas linhas sobre este inocente período.

Com todo respeito aos meus contemporâneos, mas adoro a convivência de crianças e de idosos. Geralmente, aprendo mais sobre a vida com eles do que com pessoas da minha idade.

Eu tive uma infância muito tranquila, serena. O meu lar era sólido e harmônico. Somente senti a fúria da morte aos dezesseis anos de idade. Ela levou o meu avô materno e nublou a família com um luto pavoroso. Foi a primeira vez que eu senti medo. Naquele dia, a vida me mostrou a sua face nua, cruel. Mostrou a que veio...

Na primeira infância, eu acreditava que Deus havia criado uma lua para cada cidade, pois onde eu andava, via uma lua diferente. Meu Deus, como eu estava certo! Foi nesta fase que os meus pais me deram um livro para brincar. E nunca mais parei de me divertir.

Nestes verdes anos, eu achava que o meu nome fosse infantil. Não via aquele nome em um adulto. Entendia que, quando crescesse, receberia um nome adulto. Como o meu nome não foi trocado até hoje, então é porque continuo criança. Da mesma forma, também achava que os nossos familiares fossem escolhidos: pais, avós, tios, irmãos... Assim como acontece com os filhos adotivos, com os padrinhos. E na realidade, é assim mesmo que acontece. Mas quem escolhe não somos nós, mas Deus.

Meus amigos, minhas amiga, a solenidade está bonita, repleta de gente culta, simpática e elegante. Tudo conforme manda o figurino. Mas encontra-se incompleta em seu âmago. Falta alguém que brilhou intensamente nos eventos culturais anteriores. Em dezembro de 2013, ele foi o cerimonialista do lançamento da minha primeira obra, na sede do IFPB. Em janeiro de 2014, de maneira impecável e com um discurso primoroso, cerimoniou a abertura da minha exposição fotográfica no centro cultural de Sousa. Em 2016, ele fez um prefácio de encher os olhos no livro Zé Tarzan e Nina – às margens do Rio Piranhas. Em dezembro de 2017, no auditório do IFPB, ele roubou a cena com o cerimonial e mais um discurso emocionante no lançamento da obra Memorial de um Sertão.

Convém ressaltar, ainda, que ele foi a primeira pessoa que leu esta humilde obra que ora apresento, no início deste ano. Com uma suspeição exponencial que lhe era peculiar, devido ao seu fino caráter e sua vultosa empatia, assim se manifestou: “Grande irmão, que obra espetacular! Que trabalho fantástico! Vamos preparar o lançamento”.

Infelizmente, quando o mês de julho último se fez presente, um acontecimento dramático se anunciava. As juras e as ameaças da morte passaram a nos rondar. Quando vivíamos o apogeu de uma edificante e fraterna amizade, o destino seria covardemente traiçoeiro e em um lance certeiro, brutal e pavoroso nos privaria eternamente de sua presença física, acinzentando horizontes.

Numa perfídia e insensível madrugada do dia 16 de agosto, o beijo da morte foi cruel e impiedoso: sem maiores arrodeios e com imensa ira, levou o meu “querido irmão” Frank Wagner, lançando-nos num abismo de luto e consternação.

Este seria um dia trágico. Uma data maculada. Esta fatalidade petrificou planos e estraçalhou sonhos. Como já dizia o poeta, o ano de 2018 carregará um anátema, em que uma cicatriz marcará para sempre a alma desta Instituição, que ele tanto amava.

Hoje, só nos resta o exemplo, a saudade e a contemplação da belíssima memória de um dos seres humanos mais extraordinários com que Deus dadivou o mundo. Um homem resguardado sob a égide moral de princípios e valores. Um verdadeiro discípulo dos ensinamentos de cristo, que em uma passagem inolvidável, em seus céleres e célebres 49 anos de existência terrena, destilou um intenso rastro de amor, fé, bondade e sensibilidade por este nosso sertão, tão sofrível quanto formoso.

Mas como dizia o mestre Mário Quintana, que importa restarem cinzas, se a chama foi bela e alta?

Muito obrigado, querido irmão.

Que Deus abençoe a todos nós.

Josemar Alves Soares
Enviado por Josemar Alves Soares em 11/12/2018
Reeditado em 14/11/2023
Código do texto: T6524121
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