iniciação

Trataremos aqui das armadilhas e dos erros comuns de tantos que se desviaram do caminho ou se embebedaram pelas visões e fascinações extasiantes da luz astral. No intuito de facilitar nossa abstração, nos serviremos arbitrariamente de categorias convencionadas que nos permitirão uma melhor comparação e avaliação dos fenômenos envolvidos. Postula Fernando Pessoa que o caminho místico procura transcender o intelecto pela intuição; o caminho mágico, pelo poder; o caminho gnóstico, por um intelecto superior. A definição de Pessoa aponta com clareza para os três típicos perfis em que costumam se encontrar aqueles que colocam os pés no caminho.

O místico é o buscador sensível que, por sua inclinação devocional e nobres aspirações, intui com o coração o chamado trascendental. Pode ser propenso ao psiquismo, ao mediunismo e às manifestações oníricas, sendo justamente no campo emocional a cidade que deve defender do magnetismo inferior enquanto busca equilibrar-se com o desenvolvimento ativo de suas faculdades intelectuais, de seu campo mental concreto e de sua correspondente atitude de vida. É tentador ao místico que se embriague em sua própria interioridade, inspirando-se nas consolações que encontra no recôndito de seu ser e esquecendo-se de dar a césar o que é de césar, isto é, tomar parte ativa e produtiva no mundo da vida e cumprir com suas responsabilidades com o mundo convencional e material. A sabedoria do místico residirá no crescente discernimento que deve conquistar quanto ao teor de suas próprias experiências - conhecê-las-eis pelos seus frutos. Deves perguntar-te: tal inspiração me instiga o orgulho, ou fortalece minha vontade no caminho da virtude? tal experiência me trouxe esclarecimento, ou mero entorpecimento? Assim, aos poucos, conhecerá de antemão se a visão que lhe é instigada é um fruto de sabedoria que provém das alturas da Árvore da Vida ou veneno amargo de ilusão sugerido pela Mentirarquia do Além.

O mago é o candidato auspicioso que, anelante pela experiência direta e pelos resultados, engaja-se ativamente nos métodos e práticas que tem a seu alcance, ansiando o divino pela arriscada via exterior e, ainda assim, assumindo o risco por sua própria conta. Tal grupo sempre foi, historicamente, o mais reservado e reduzido, mas expandiu-se consideravelmente com a divulgação do trabalho sólido de Austin Osman Spare, com a recente publicação dos manuais goéticos e até mesmo com o superficial, mas não menos eficiente, experimentalismo mentalista dos idealizadores do Novo Pensamento. Por toda parte, a esfera Mental da Terra é bombardeada pelas tensões e correntes magnéticas das mais diversas intenções, afinidades e formas de pensamento muitas vezes opostas ou até mesmo conflitantes. Tal fenômeno desencadeia, no Homem e na Natureza, as mais diversas perturbações de natureza social, orgânica e psíquica, posto que o Plano Mental, também chamado Esfera Refletora em certas tradições, é o reino onde se plasma tudo o que há de converter-se em atividade e realidade no Samsara. Legiões de inconsequentes aventuram-se no terreno lamacento do experimentalismo e da Magia do Caos sem nunca terem sequer uma vez escutado o nome de Éliphas Lévi, Martinez de Pasqually ou Hermes Trismegisto. A Alta Magia, que por definição deveria ser a Arte Real que transforma profanos vendados em verdadeiros Sábios de Vontade Soberana, é deturpada na forma da mais vil, tornando o incauto escravo de seus desejos e ainda mais enredado nas teias da Ilusão. Saiba que coisa alguma é preciosa a ponto de afetar e possuir sua alma, em vez de ser sua alma soberana quem governe a coisa. O Grande Arcano consiste em saber que, pela Analogia Universal, só se pode agir sobre os planos inferiores mediante a conciliação com os planos superiores e só se pode agir sobre uma tendência inferior aplicando contra ela a invencibilidade de uma Lei Superior. Consequentemente, é somente pela mais ardente submissão à Causa Primeira que será permitido ao adepto agir como Causa Segunda, unindo EGO individual ao EU SOU Cósmico para a realização una da Verdadeira Vontade Universal. O Homem é Filho do Uno e Herdeiro do Infinito e, portanto, não nasceu para ser escravo de vícios e paixões, mas para tornar-se um Rei, reivindicando sua Vontade soberana, reclamando sua coroa e reivindicando seu Trono - O Universo. Esta é a Arte Real e a Alegria do Mundo.

O gnóstico é o peregrino desperto que, picado no calcanhar pelo escorpião, vaga no mundo sem ser do mundo e, exaurido pelo sabor amargo das ilusões do Maya, já não encontra repouso na terra onde a traça e a ferrugem tudo consomem. Desmascarando-se e confrontando o Mundo Obscuro, assassinou Abel (a inocência) em si e foi marcado na fronte com o sinal de Caim. Como um Chela de Gautama, reconheceu as Três Marcas da Existência - impermanência, interdependência e sofrimento (anicca, anatta, dukkha) e já não pode dormir novamente. Tocado pela Serpente, o Arhat contemplou O Vazio no Imanifesto e foi arrancado para sempre das garras da dialética e da luz astral de Mara. Livre de desejos, livre de inveja, nunca se ofende e não responde o mal com o mal - saiu das trevas dos sonhos e está completamente desperto. Um candidato como esse porta um microcosmo saturado pelas experiências e um botão de rosa pronto para desabrochar. No ponto em que ele se encontra, é preciso chegar ou perecer. Duvidar é ficar louco; parar é cair; voltar atrás é precipitar-se num abismo. Ele se tornou um habitante da fronteira, um guardião do limiar, e apenas o encontro com Abraxas pode ajudá-lo a cruzar o umbral. Talvez tenha aprendido com muitos ensinamentos ocultistas que deve matar o desejo, mas a contradição de que isso implica em um desejo de não desejar tensiona sua razão a um impasse sem saídas. Ele viu os profanos glorificando o Mundo Luminoso, a "metade oficial" do Mundo, artificialmente dissociada, mas a Visão do Abismo lhe arrancou para sempre a inocência edénica. Tentou matar a Vontade, mas percebeu que isso implica um dualismo. Destruir a Vontade significaria o aniquilamento próprio, sem que nenhum fruto pudesse ser colhido disto. Seu esforço para se livrar da Vontade é também obra da própria Vontade - escapar dela seria a contradição máxima e um ato absolutamente impossível. O segredo é que o Nirvana está aqui e agora, no meio do Samsara, e alcançá-lo não consiste em deslocamento geográfico, mas em deslocamento psíquico e no despertar de qualidades inerentes que trazemos desde sempre em nós. Não é uma mudança de lugar terrestre, mas de lugar espiritual. O ovo a ser quebrado para que a ave nasça não era o universo - corporificação da sabedoria divina - mas a própria consciência egocêntrica e centrípeta do peregrino. Shiva estende sua mão e o convida ao baile da dança cósmica. Resistir é tolice. A única escolha para o candidato é unir-se ao Não-Nascido, ao Sol Leão-Serpente, e efetuar em seu coração o casamento indissolúvel de sua alma com a Sophia Divina. É compreendendo profundamente a condição humana e enchendo-se de compaixão por todas as coisas e todos os seres que A Rosa será tocada pelo Amor Oniabarcante de Abraxas gerando a Bodhicitta, isto é, a compaixão ilimitada que transforma o Arhat em Bodhisattva e faz o Samsara inteiro transfigurar-se em um Jardim dos Deuses, sendo o propósito e divertimento do adepto fazer com que o deserto floresça de beleza e perfume.

Por fim, há também por toda parte daqueles bons homens e mulheres, senhores e senhoras, crianças e idosos que, pouco estudados e longe de qualquer sistema metafísico, simbologia alquímica ou abstração filosófica, são exemplos vivos da Lei do Amor. São estes os autênticos enviados da Hierarquia, os verdadeiros Superiores Incógnitos que, fazendo o bem sem fazer barulho, derramam sobre a humanidade as forças da Verdadeira Cura a partir de seus corações, pequenos sóis radiantes entregando sua luz e força da mesma maneira que o Sol fornece vida para esta região cósmica da Criação Universal. Não te enganes, candidato, com os títulos, graus, aventais e honrarias de tradições tradicionais tradicionalíssimas. O que não está em nós mesmos nos deixa indiferentes. Quando odiamos um homem, odiamos em sua imagem algo que trazemos em nós mesmos. As coisas que vemos são as mesmas que temos dentro de nós. Não te espantes, portanto, se um dia verdes, nas feições de um homem ou mulher, senhor ou senhora, criança ou idoso, o rosto de um Buda. A Verdadeira Iniciação é aquela através da qual adentramos o Coração de Deus, e o Coração de Deus adentra em nós.

Pelo divino quaternário Amor-Vontade-Sabedoria-Atividade,

Que as rosas floresçam em vossa cruz.

Chrystian Revelles
Enviado por Chrystian Revelles em 13/10/2018
Reeditado em 17/11/2018
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