Sob nova direção
Hoje foi o dia em que permiti que sua falta entrasse pela porta da frente e me desse um tapa na cara e dissesse "acabou". Depois de meses tratando seu nome como um tabu, permiti que as pessoas o cantassem e, então, notei que, de uma vez por todas, era o que faltava para que você saísse do meu corpo.
Aceitei o máximo da dor quando acordei, pois seria como arrancar um dente que já me incomodava: o impacto do tapa no meu rosto, que levei ao abrir a porta da sala, pelo menos me traria a certeza de que esta seria a última vez que eu me machucaria.
O meu cronograma diário se resumirá em:
- Não mandar mensagens para sua mãe a consolando acerca da perda e dizendo sobre como podemos nos apoiar;
- Não ser mais o alicerce de sua família;
- Desviar de seus amigos na rua, para que não tenhamos conversas curtas e constragedoras ("está tudo bem?"..."sim, vai ficar").
Quando acordei, permiti que o tempo inundasse minha casa e a lavasse até limpar todo o sentimento de culpa, para que eu possa olhar nossas fotos, que voltarão para minha cabeceira, e não tratá-las como tortura.
Sua figura não será mais canonizada, então, poderei entrar pela porta principal como uma vítima, não como o assasino. Isso porque, por todo esse tempo, me esqueci que antes de qualquer tragédia, o caos estava aqui e dormia ao meu lado todas as noites, acariciando meu rosto enquanto eu chorava pela bagunça que se tornou minha vida.
Enquanto, diante do seu terno branco, enfatizei o quanto o amava, pensei sobre como sou a pessoa errada para se lembrar de você.
Quando rasgou meus bilhetes e queimou meus presentes, percebi que qualquer saudade era unilateral. A partir de hoje, abdico da minha saudade.