A destoante morosidade em um mundo acelerado

 
 
Confesso que me sinto um peixe fora d’agua no que tange à celeridade na execução de tarefas e toda demanda que atinge nosso cotidiano. Explico: tenho um temperamento, não confundir com personalidade, mas introspectivo e, portanto gera mais reflexão acerca do que fazer e como fazer, não costumo me arriscar a atividades com sofreguidão e acelerar seu processo de finalização. Assim o faço na escrita, preciso de tempo, e se for poesia, inspiração e tempo.

Este nosso mundo, cada vez mais acelerado e veloz, exige a cada milésimo de segundo uma tomada de decisão, um aporte, uma atitude inovadora, algo que surpreenda e saía do campo comum. Creio que a sensação que o tempo passa mais rápido instiga este atropelo das pessoas em não perder 1 minuto no elevador, não se atrasar no semáforo e subir correndo a escada rolante.

A percepção da passagem do tempo ganhou um aliado implacável: a tecnologia. Sabemos que a tecnologia nos propicia contatos mundo afora e interações diversas, quer seja para fins de entretenimento, econômicos, educativos e históricos. Podemos ter acesso à Biblioteca de Harvard, sem sairmos daqui deste hemisfério, ou podemos nos conectar com pessoas lá da Oceania em tempo real, isto levando em conta a diferença de fuso horário, que agora, nada interfere nos áudios e vídeos. Tudo isto é The Best! Maravilhoso, mas pagamos por isso, como não poderia deixar de ser, tudo tem preço, e toda tecnologia implica mais velocidade de consumo, o que por sua vez demanda tecnologia mais moderna a cada instante, tudo rápido, fugaz e veloz. Não se perde tempo nem em ler um texto, se este for longo, apenas passa uma rápida folheada e por isso, as redes sociais são um campo fértil de avidez visual e muitas vezes, nos deparamos com notas e textos que apenas num click, somem e caem no limbo da rede; há pressa em se expor, pressa em ser visto pressa em ser “curtido”.

Li sobre um jornalista que escreveu um livro chamado “Devagar”(Carl Honoré), o titulo me interessou e lá vou eu em busca do tal, e de acordo com sua visão do mundo veloz perdemos muito ao nos apressarmos para não perder tempo. Sei que num mundo rápido como o nosso, com elevadores modernos, carros velozes, casas inteligentes, aparelhos de comunicação ultramodernos, perder tempo é tido como um atentado, um suicídio. Tempo é dinheiro e o mundo produz e investe cada vez mais na busca de evitar esta perda. Percebo, entretanto, que causa muito desconforto quer seja nas relações ou na própria estrutura e organização do planeta. A ansiedade toma conta do indivíduo, nada pode esperar; tudo ali ao seu alcance, tem que ter vazão, se escreve um artigo este não pode ficar na gaveta aguardando uma revisão, para isto, tem-se a tecnologia com seus revisores ortográficos, e ainda mais, se o artigo ficar pendente um dia, pode sair desatualizado. Irremediavelmente, a capacidade de esperar, foi desacreditada , a avassaladora cobrança de uma investida, uma atitude, uma execução de tarefa, tudo é feito numa voracidade imensa. O consumidor tem que consumir freneticamente para alimentar o progresso, e aumentar o lixo dos descartáveis. Um ponto negativo disto são as relações humanas caminharem no mesmo patamar, frágil e liquefeito, o que não agrada é facilmente descartado e com  avidez desenfreada sai-se à busca de novos parceiros(as), que podem no dia seguinte estar ou não na nossa cama, mas o tempo urge e a velocidade implica toda gama de sensação que o dia de 24 horas é ínfimo para tanto querer, e que se o indivíduo não se adéqua ao estilo do outro, a fila anda.
 
Caminho na contramão da história, pego um livro e não me importa com o número de páginas, por vezes troco de caminho e ando mais, aprecio o local, respiro um novo ar e me inspiro mais;não gosto de fast-food, claro que não sou uma alienígena, já consumi e vez por outra, tenho por motivos familiares que adentrar estes recintos, mas prefiro a boa e velha comida caseira, onde numa mesa come-se e conversa-se sobre temas diversos, de preferência evitar a política, que é muito indigesta. Sei que tenho horários a cumprir e toda gama de atribuições da vida diária, mas tem coisas e momentos que podemos optar pelo método Slow, e conseguir apreciar mais um poema, ler um romance com dedicação, ouvir aquela música que te faz alcançar os céus ao fechar os olhos, ter relações sexuais mais demoradas, sem aquela pressa de findar, e tudo resultando numa qualidade melhor e não uma quantidade maior, que é o que a celeridade promove.

Uma luta vã e inglória, bem sei, em tempos de uma visão atomista de mundo e um conceito estético gritante tudo que venha a ditar o contra é desacreditado, mas ainda assim, prefiro aderir à batalha do “movimento da lerdeza”, pois com o passar do tempo, até a própria biologia humana pede este ritmo.
 

 
Lia Fátima
Enviado por Lia Fátima em 23/11/2017
Reeditado em 16/01/2018
Código do texto: T6179967
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