JOÃO LINS CALDAS, O "POETA DA SOLIDÃO E DA DOR"
Deus deu-me tudo.
Deus deu-me tudo do que a mim amargurado Deus me devia dar.
Deus deu-me tudo.
Si amargurado, porque a mim as razões de me amargurar.
Escreveu, numa inspiração magoada, o lírico modernista João Lins Caldas.
Assu registra, na noite de hoje, mais um capítulo de sua relevante história, com a instalação oficial da sua primeira academia de letras.
Assumo, nesta instituição cultural, uma cadeira cujo patrono é ninguém menos que João Lins Caldas. Tão rico legado é para mim uma honra, além de uma grande responsabilidade. Porque Caldas é, senão o maior, pelo menos um dos maiores poetas da língua portuguesa; autor de uma obra literária vasta, multifária e bela, marcada de profunda ternura e melancolia. De sua autoria, evoco:
Fiz-lhe ver aquilo que representava para a minha vida.
O que representava para o meu destino.
Era a minha vida.
Era o meu destino.
Aos seus olhos porém nada que aquilo lhe representou.
E queimou a minha alma.
E queimou o meu destino.
Por volta de 1900, aos 12 anos de idade e já poeta feito, Caldas chega à aristocrática e poética cidade de Assu, terra de seus ancestrais paternos, acompanhando seus pais João Lins Caldas e Josefa Leopoldina Lins Caldas (dona Fefa), procedente de Goianinha, região agreste ao sul do litoral potiguar, onde nascera em 1888. Tinha ele um único e querido irmão, chamado José Lins Caldas. Passa a conviver entre a terra assuense e o povoado de Sacramento (atual Ipanguaçu), fundado pelos seus antepassados.
Em 1908 mora na cidade do Natal, onde colabora em jornais como ‘A República’ e começa a enviar seus escritos para calendários como Almanaque de Pernambuco e Literário de Pernambuco (do Recife), Popular Baiano (de Salvador), Brasileiro Garnier (do Rio de Janeiro), Contemporâneo Paulista e o Luso-Brasileiro (de Lisboa), além do Almanaque de Barry (de Nova York/Brasil) e no Brasil Portugal. Folhinhas e almanaques de farmácias como Maranhense (do Maranhão), Farmacêutico Granado e O Farol da Medicina (do Rio de Janeiro) também contaram com a prestigiosa colaboração de Caldas.
Regressa ao Rio de Janeiro em 1912, trabalha como revisor em jornais e escreve milhares de páginas de poesias. Ingressa no serviço público e torna-se frequentador habitual da Biblioteca Nacional e das livrarias José Olympio e Garnier, construindo relações amistosas com grandes nomes da política e das letras nacionais, como Ribeiro Couto, Olavo Bilac, Monteiro Lobato, Augusto Frederico Schimidt, Lima Campos, Hermes Fontes e José Geraldo Vieira, dentre outros.
Colabora em jornais como ‘Correio da Manhã’ (do Rio de Janeiro), ‘Correio do Povo’ (de Porto Alegre) e ‘Correio de Bauru’ (interior de São Paulo), e também em revistas nacionais de destaque, como a popularíssima ‘Fon-Fon’. A propósito, na edição de 1º de março de 1924 vamos encontrar este poemeto seu:
Sonho tão cheio da minha crença...
Sonho da imensa crença do sonho...
Eu tive um sonho que Já foi crença...
Que já foi crença?...
Nem hoje é sonho.
Caldas, que tinha a sua própria forma de construção gramatical, escreve no eixo Rio-São Paulo treze livros, dentre os quais registro ‘Litanias de um doido’, coletânea cujos manuscritos viria impressionar o crítico literário Pereira da Silva, para quem a obra caldiana “está para a língua portuguesa assim como ‘Balada do cárcere’ de Wild está para a Língua inglesa.” Além de ‘Árvore de Raios – pensamentos’:
Com esses olhos grossos de chuva eu quero chorar – escreveu o Caldas pensador.
Postumamente estão publicados os volumes intitulados ‘Perfil de João Lins Caldas’, 1974, por Maria Eugênia Montenegro; ‘Poética’, 1975, organizado por Celso da Silveira (Fundação José Augusto) e ‘Poeira do céu’, 2009, organização de Cássia de Fátima Matos dos Santos, pela Editora da UFRN.
É preciso relembrar que em 1917, muito antes da Semana de Arte Moderna (1922), Caldas já cantava em verso livre, emancipado dos grilhões da métrica, conforme afirmação do potiguar Antônio Bento. Considerado um dos maiores conhecedores e críticos de arte moderna no Brasil, Bento tinha Caldas na conta de ‘pai do modernismo brasileiro’.
Em 1933 retorna à cidade de Assu. Tempos depois, por intermédio de Esmeraldo Siqueira, colabora em importantes jornais do Nordeste brasileiro como ‘Diário de Pernambuco’ e ‘Jornal do Commercio’ (do Recife), numa época em que Mauro Mota e Esmeraldo Marroquim, respectivamente, dirigiam os suplementos literários daqueles periódicos da terra pernambucana.
Em 1936 imortalizou-se. O escritor José Geraldo Vieira, consagrado um dos maiores autores do romance moderno brasileiro, o contemplou em seu romance urbano de ficção, “essencialmente carioca”, intitulado ‘Território humano’, encarnado no original e emblemático personagem Cássio Murtinho. A façanha se repetiria. Em 1946, em ‘Carta à minha filha em prantos’, outro livro de sua autoria, bem como em longo depoimento proferido na Academia Paulista de Letras, em 1971, o escritor Vieira revela ser João Lins Caldas o seu verdadeiro Cássio.
Pena que o poeta que sonhava ganhar um Nobel de Literatura, e que “temia não ver repassado ao mundo literário a sua produção intelectual”, tenha morrido em 1967 sem publicar-se trilíngue: em português, inglês e francês, conforme aspirava e demonstrava a convicção de que, publicado todo o seu trabalho, se consagraria como um dos maiores ícones da poesia universal.
E o poeta, afinal, cuja obra poética podemos conferir a presença feminina, escreveu ardente de paixão, o poema que declamo:
O teu mundo é novo. A tua carne é nova. Eu sou a velhice, o mundo abalado.
O teu mundo que me convida. O permanente mundo em flor da tua carne.
Beijar-te os olhos, acariciar-te os dedos, ter nas mãos a doçura do teu cabelo, tua nuca, o teu pescoço roliço para acariciados...
Dirás que a vida é bela. A vida é bela!
Mas eu, amor, já agora tão triste e tão cansado.
Ontem que não chegou. Ontem que foi mesmo um dia amarelo...
Mas agora, que o dia é chegado...
Perdão, perdão, eu de mim mesmo é que já não sou belo.
Vai, e não leves de ti a tua desilusão...
O que me dói, o que ainda me dói...
(... E não ver essas roupas desmanchadas,
O azul desses olhos, a graça e a festa dessas mãos...)
Deixa que eu feche os olhos, e não te veja, e não veja mais nada...
Obrigado, e perdão.
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Muito obrigado.
Fernando Caldas
(Discurso de posse - Academia Assuense de Letras, cadeira n. 6, Patrono João Lins Caldas - poeta potiguar).