JUBILEU DE OURO – TURMA GIC 1966
No dia 10 de dezembro de 2016, às 19H00, com missa celebrada pelo Padre Ernando Teixeira na Igreja Paroquial do Sagrado Coração de Jesus, em Cabedelo (PB), os ginasianos concluintes de 1966 – do Ginásio Imaculada Conceição – comemoraram o Jubileu de Ouro de sua memorável formatura.
Maria Roberto de Lima foi escolhida oradora da turma, em substituição ao orador oficial, José Domingos dos Santos - ausente por motivo especial. Transcrevo, a seguir, a palavra da oradora, pronunciada pouco antes do “Ite, missa est” do ato litúrgico:
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“Estamos aqui reunidos para celebrar o Jubileu de Ouro de nossa Formatura. Há 50 anos, nesta data, concluíamos o Curso Ginasial no Ginásio Imaculada Conceição, instituição educacional pertencente à Paróquia de Cabedelo, que teve como fundador o Pe. Alfredo Barbosa, idealista e empreendedor incansável, principalmente pelas causas educacionais e sociais da nossa querida Cidade. Hoje, não apenas se celebra o Jubileu de Ouro, um velho costume hebraico, segundo Levítico – Livro da Bíblia – o de celebrar o Ano Jubilar a cada cinco décadas, como também outros jubileus: Prata, Rubi, Brilhante, Diamante. // Alunos da Turma Concluinte – 1966: Claudionôra de Lima Viana, Cleide Rocha da Silva Pimentel, Elias Francisco Rodrigues Filho, Francisco Moura dos Santos, José Domingos dos Santos (Orador da Turma em 1966), Junice Maria Oliveira Cardoso, Maria das Neves Araújo Barbosa da Silva, Maria Janete Roque, Maria Joanice Roque, Maria Roberto de Lima (Oradora), Nestor Antônio de Oliveira Carvalho, Rosa Maria Ferreira Rodrigues – celebrando esta Missa de Ação de Graças em comemoração ao nosso Jubileu de Ouro. // Registramos, nesta ocasião, a nossa saudade dos professores e dos colegas que, por algum motivo, não puderam se fazer presentes. Após a celebração, iremos ao Restaurante Camboa para continuar com as festividades programadas. Um agradecimento especial à Professora Valdenice Cardoso da Costa – ex-aluna e nossa Mestra, durante o curso -, por estar comemorando também conosco o Jubileu de Ouro de sua Formatura em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Em nome da Turma, agradecemos: a Deus, que nos permitiu vivenciar este momento de confraternização; ao Pe. Alfredo Barbosa, por nos presentear com a criação do Ginásio Imaculada Conceição – GIC; aos professores Fernando Aquino e Solemar Mendes; à Secretária Dinalva Gomes da Silva; aos nossos familiares e amigos aqui também presentes; ao Pe. Ernando, nosso convidado e celebrante; e a todos que, conosco, participaram desta celebração...”
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Sou um dos professores referidos pela Oradora da Turma. Convidado a me pronunciar no altar, restringi-me a meros, porém merecidos e sinceros, cumprimentos a esse grupo de ex-alunos, todos, hoje, sexagenários. Enalteci, por oportuno, a solidariedade e a coesão grupal por eles mantidas há mais de meio século. Dessa vez, posicionado ao lado deles – e não de frente ou em meio ao grupo, olho no olho, como acontecia em nossos encontros nas improvisadas salas de aula da Casa Paroquial. Como reles professor de matemática, deduzi que estar simplesmente ao lado deles é como se os tocasse apenas tangencialmente, mas bem que gostaria de tocar-lhes a alma. Além dessa posição de distanciamento, incômoda para qualquer professor da época, o adiantado da hora não me permitiu dizer o que, nesse feliz e favorável momento, merecia ser dito somente depois de profundamente pesquisado, rebuscado e registrado, para conhecimento da geração atual e das inumeráveis gerações que ainda virão no curso da história desse educandário e deste município. Cabedelo, se folhearmos algumas páginas do seu passado remoto, é berço da história do seu Estado, a Paraíba, seja no âmbito comercial, seja nas renhidas lutas pelo domínio territorial ou contra a ação de piratas, corsários e outros aventureiros dos tempos de colônia. Por aqui transitou o nosso pau-brasil para o exterior, vindo dos sertões pela via fluvial (rio Paraíba, cujas nascentes se encontram no cume da serra de Jabitacá, entre Sertânia-PE e Monteiro-PB). Aqui culminavam as lutas entre duas tribos beligerantes, travadas a partir das nascentes do Paraíba (os tabajaras, vindos da Bahia, contra os nativos potiguares). Tribos que se uniram depois para uma luta maior: prestar apoio aos portugueses nos embates pela expulsão dos invasores franceses e holandeses (séculos XVI e XVII). Esse registro histórico de Cabedelo – onde o rio Paraíba, partindo de Monteiro, passa pelo remanso de Campina Grande para, só depois, vir aqui desaguar e, mansamente, se juntar ao mar – está inserido nos dois volumes do compêndio intitulado “Cabedelo” (2ª edição, 2015), publicado pelo ilustre historiador e pesquisador alagoano/paraibano Altimar de Alencar Pimentel (esposo - “in-memoriam” - da concluinte homenageada Cleide Rocha da Silva Pimentel).
Valho-me, pois, deste espaço que disponho em o “Recanto das Letras” para complementar minha oração, iniciada naquele dez de dezembro, com mais alguns dados que considero de grande relevância para o momento.
Começo me perguntando: por que iniciei com aquela chatice histórica, tão distanciada de nós e que, aparentemente, nada tem a ver com a comemoração ?!...
É que sempre me interessei em fazer comparações das ocorrências presentes com alguns fatos semelhantes, passados e considerados importantes. Coincidências? Destino (quiçá eventual fenômeno premonitório)? Ou (por que não?) acontecimentos histórico-geográficos que serviram de prancheta para a amostra de um grandioso projeto traçado por Deus ? ! . . .
Particularmente, optando pelo projeto da prancheta, lembro que foi em Monteiro o nascedouro do sacerdócio do Padre Alfredo Barbosa, bem perto da montanha onde também nasce o rio Paraíba do Norte.
Após ganhar volume e força no ministério sacerdotal, o Padre Alfredo navega de Monteiro até o remanso de Campina Grande, onde aporta, trabalha e faz perenes e frutíferas amizades. É exatamente aí que o rio Paraíba reduz o ímpeto de sua correnteza para saciar a sede do açude Epitácio Pessoa, mais conhecido como Açude do Boqueirão. O rio cumpre o “Dai de beber a quem tem sede” e retoma o seu leito natural em direção ao Oceano Atlântico.
Canoeiro fluente e remador desembaraçado, o Padre Alfredo, despedindo-se de Campina Grande, segue na correnteza até testemunhar o encontro sereno do rio com o mar. Na verdade um braço de mar, por isso não temeu o óbice de possíveis pororocas. Embicou a canoa para mais adiante até encontrar um porto no rio-mar. Fez-se, pois, de escafandrista pra descobrir as belezas e os feiumes imersos nas praias dessa nova terra – Cabedelo –, um oásis portuário, arenoso e quase todo cercado de mar. Aprecia-o diferentemente das conhecidas cidades do interior, sem nascentes de rio, sem montanhas, sem pedregulhos, sem erosões pluviais, sem açudes, sem grandes plantações, exceto matas de cajueiros e coqueirais. Numa das subidas para respirar, o escafandrista descobre que está em sua nova Paróquia, que abrange: o ponto final da linha férrea, o cais do porto para escoamento da produção interiorana; os pequenos barcos e casebres de palha dos pescadores; os escombros de um forte que foi praça de guerra de antigos beligerantes; montes de lenha trazida dos desmatamentos do interior esperando ser queimada; um cemitério adornando o coração da cidade; e, do outro lado desse braço de mar, dóceis baleias, atrozmente sacrificadas. Mais nada.
Sentiu-se, a partir daí, ao mesmo tempo, portuário, ferroviário e pescador, ombreando-se com suas noveis ovelhas e cultivando os seus mesmos costumes. Mãos à obra ! . . .
Na empreitada – de Monteiro a Cabedelo –, seguira o mesmo caminho dos índios guerreiros tabajaras, de raça Tupi, que aqui aportaram com o mesmo ímpeto de luta. Respeitado como um soldado de Deus, aquartelou-se na Casa Paroquial, frente à Praça Getúlio Vargas, única da cidade, situada entre a Fortaleza de Santa Catarina (reconstruída em 1597) e o Farol da Pedra Seca (erigido em 1869). Chamado em todos os recantos de Padre Alfredo, significou, para a comunidade, mais uma Fortaleza. Um farol a mais que se instalou para iluminar os casebres de palha daquela gente igualmente pobre.
Entre os feiumes que o escafandrista encontrou em seu mergulho, graves carências sociais. Buscando o apoio dos gentios da cidade, armou-se com o seu tacape para tentar, de alguma forma, encontrar saídas. Grandes desafios, do tamanho dos navios ancorados no minúsculo cais do porto. Ficou, muitas vezes, somente a ver navios, porém jamais confessou haver perdido a esperança. Conforme sempre pregou:
“Às vezes a adversidade é necessária, a fim de que nos tornemos mais fortes na luta”.
Aos óbices e contratempos, sempre resistiu na fé.
Empenhou-se, corpo e alma, desde as primeiras braçadas nas águas que banham a cidade (idos de 1951), na luta pela fundação de uma imprescindível escola de nível secundário. Inumeráveis viagens aos ministérios incrustados no Rio de Janeiro, então capital do país, buscando esse objetivo. Outras autoridades e entidades estaduais, não menos capazes e motivadas, envolveram-se também com afinco no escopo desse ambicioso projeto.
Em 1954, com as bênçãos de Deus, é dada a autorização ministerial para funcionamento do Ginásio Imaculada Conceição no município de Cabedelo (PB) – 1º ciclo do curso secundário –, mantido pela Fundação Educacional Paróquia de Cabedelo (que veio a ser reconhecida de utilidade pública em 09/07/1965) – projeto do vereador Luiz de Morais Fragoso.
Tratando-se de estudo, o começo de tudo se deu na Casa Paroquial da praça Getúlio Vargas, com aulas preparatórias para o então curso de Exame de Admissão – intermediário entre o primário e o secundário. Nessa faina se destaca o denodado trabalho da professora Lourdinha Medrado, também mestra do Grupo Escolar Pedro Américo. No ano seguinte (1955), tem início a tão esperada primeira série do curso secundário no Ginásio Imaculada Conceição. Regozijo. Classes cedidas, apenas para o turno da noite, pelo Grupo Escolar Pedro Américo (pertencente ao Estado). Importa lembrar que vários dos alunos desta e da série seguinte tornaram-se, depois, professores de sua própria escola, conforme comentarei adiante. Os primeiros professores do GIC – José Francisco de Almeida, Júlio Aurélio Coutinho, Genival Veloso, Oswaldo Muniz de Medeiros, Zoraide Mendonça e tantos outros dignos de menção – deslocavam-se, em transporte público precário, da vizinha Capital do Estado, município de João Pessoa, até os confins de Cabedelo.
Uma plêiade de grandes mestres que nunca abandonaram o idealismo.
Ano 1958. Primeira turma do GIC a concluir o curso ginasial, com direito a paraninfo, entrega de diplomas, baile de formatura no Cabedelo Clube e quadro de diplomados. Motivo de exuberante orgulho para a comunidade.
Ainda nesse ano, conforme parecer da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, datado de 27/11/1958, é aprovado o projeto 3.996/58 autorizando o poder executivo a liberar, através do Ministério da Educação e Cultura, crédito especial de três milhões de cruzeiros destinado à construção da sede do Colégio Imaculada Conceição de Cabedelo em terreno doado pela Prefeitura do município.
Ano 1959. Segunda turma de concluintes do GIC. O governador do Estado, Pedro Gondim, paraninfo, se fez presente.
Seguiram-se os anos, com comemorações sempre mais brilhantes, elegantes e o número de concluintes cada vez crescente.
02/08/1962: fundação do Colégio Estadual de Cabedelo, que passa a funcionar, provisoriamente, na Escola Municipal Maria Pessoa até a desocupação das dependências do Grupo Escolar Pedro Américo pelo inquilino Ginásio Imaculada Conceição, cuja sede se encontrava na fase inicial de construção.
1962: prevendo a evasão de alunos para o recém-fundado Colégio Estadual, bem assim a impossibilidade de o GIC arcar com a folha de pagamento dos professores trazidos de João Pessoa, Solemar Mendes de Sena, ex-aluno e estudante terceiranista do curso científico no Liceu Paraibano, convoca um rol de colegas do seu mesmo nível educacional - todos, coincidentemente, ex-alunos do GIC - para recompor o corpo discente do Imaculada Conceição na condição de professores voluntários.
Aderiram os ex-alunos: Amália Xavier (História), Antônio Otávio (Geografia), Fernando Aquino (Matemática), Genésio Gomes (Francês), José Glaudes (Inglês), Lapemberg Medeiros (Desenho), Solemar Mendes (Francês e OSPB), Valdenice Cardoso (Português) e Valdete Cardoso (Ciências).
O Padre Alfredo, Diretor do Ginásio Imaculada Conceição, recebe a notícia com humildade e muita santidade. Não perdera a esperança. Resistira bastante na fé. Estava certo de que não plantara vento. Estava certo de ter escolhido, e bem, as sementes que semeou. . . Comemorou com uma Missa em Ação de Graças.
O Ginásio, tão forte agora quanto um rochedo, retorna à sua origem, na mesma Casa, na mesma praça, nos mesmos bancos...
1963. A Turma hoje homenageada inicia a primeira série do ginásio. Olhares assustados. Professor noviço buscando o método mais adequado. A inexperiência querendo resultado imediato. Preparação de aulas. Correção de provas. O elogio e o afeto utilizados como nota máxima. Um grupo de trabalho em que o "eu" vira "nós". Na medida do possível, imitávamos os nossos mestres. Havia alunos dignos de ser nossos mestres. O professor de matemática se afasta do ginásio a partir de outubro/1964 (época em que se proibiu o método Paulo Freire em todas as salas de aula do país)... É substituído por Gutemberg Medeiros, outro jovem professor. Aprovado em concurso público, o professor afastado considerou que trabalhar remunerado era preciso. Precisava. Foi nomeado para Itabaiana, no interior do Estado. Lá, continuou ensinando matemática. É fácil. Em todo lugar 2 mais 2 são 4, mas saudade não se conta, nem se mede, quando alguém se despede...
Aí, o escafandrista mergulha outra vez – e vislumbra o Belo se definindo nas águas turvas do mar.
Olhando agora de frente pra vocês, concluintes do Ginásio Imaculada Conceição do ano 1966 - razão do nosso orgulho, de nossas esperanças e de nossa confiança -, mandamos o nosso abraço de agradecimento, aliás, não só dirigido a vocês, mas igualmente aos seus digníssimos pais, por terem acreditado em nós:
- jovens irresponsáveis dos anos sessenta;
- jovens que se revoltavam contra todos os valores das gerações anteriores;
- jovens que se rebelavam contra os horrores da guerra do Vietnã e cantavam as canções dos Beatles e dos Rolling Stones;
- jovens que já comentavam à boca pequena as delícias de uma iminente revolução sexual;
- jovens que demonstravam sentimentos democráticos em plena ditadura do poder e da censura;
- jovens que substituíram a cafonice pelas canções do Roberto, do Caetano Veloso, do Gilberto Gil, Erasmo Carlos, João Gilberto, Gal Costa, Tom Jobim, Maria Bethânia, Elis Regina, Simonal, Gonzaguinha, Vinícius de Moraes . . . – todos censurados ou censuráveis;
- jovens que, nada obstante as pesadas pedras no caminho, caminharam – e se formaram – e:
• vários se alçaram ao magistério universitário;
• outros assumiram importantes cargos públicos, destacando-se uma mestra que veio a exercer a posição de secretária de educação do município;
• ainda a mestra, junto com o escritor paraibano (“in memoriam”) Chico Pereira, fundou a UDIME (União dos Dirigentes Municipais de Educação), modelo que veio a ser piloto para a criação da UNIDIME, na esfera federal;
• outro se aprofundou no estudo e no ensino filosófico e se entregou ao árduo serviço de agente pastoral na Capital do Estado;
• outro se destinou a funções técnicas e de consultoria em organização, sistemas e métodos em importante estatal do país;
• outro se arvorou pelo mundo jurídico, alcançando com distinção a posição de desembargador na magistratura do Estado...
O que mais dizer a um grupo de ex-alunos que, se ainda não nos ultrapassaram, exercem hoje atividades semelhantes?!
O que dizer aos seus pais, agora, senão que “Confiar na juventude sempre valeu a pena”?!
O que dizer, senão que vocês, seus pais, seus filhos, seus netos, suas esposas e seus maridos, todos (por causa de vocês) fazem parte da história inquebrantável deste Ginásio Imaculada Conceição, aqui revelada?!...
O que dizer, senão repetir Gandhi:
“O ser humano, frequentemente, se torna o que acredita ser”.