Homilia na ordenação presbiteral do Pe. Bruno Martins, 02/07/2016
Irmãos e irmãs no Senhor,
01. “Este nosso filho e irmão, Diácono Bruno Miguel, foi chamado à ordem do presbiterado. Como vós bem sabeis, o Senhor Jesus é o único sumo sacerdote do Novo Testamento; mas n’Ele também todo o povo santo de Deus foi constituído povo sacerdotal. Contudo, entre todos os seus discípulos, o Senhor Jesus quer escolher alguns em particular, para que exercendo publicamente na Igreja em seu nome o ofício sacerdotal a favor de todos os homens, continuem a sua pessoal missão de mestre, sacerdote e pastor. Depois de uma reflexão madura, agora estamos prestes a elevar à ordem dos presbíteros este nosso irmão, a fim de que ao serviço de Cristo mestre, sacerdote e pastor coopere para edificar o Corpo de Cristo, que é a Igreja, no povo de Deus e templo santo do Espírito.” .
02. Jesus no Evangelho que ouvimos enaltece a figura do bom pastor que cuida das ovelhas. O padre é, por natureza e essência, imagem de Jesus o Bom Pastor, por ser o homem que tem pressa pela santificação das pessoas. O Bom Pastor dá a vida pelas ovelhas. Há um grande número de ovelhas sem pastor que sofre por diversas precariedades que exigem de cada um de nós, sobremaneira do sacerdote, a aplicação das Obras de Misericórdia corporais e espirituais a fim de experimentarem o alívio da alma e do corpo. O padre o faz em razão de sua vida espiritual e da sua configuração a Cristo.
04. Esta configuração o padre a fortifica na liturgia. A Casa de Deus é o oásis do ministro instituído na Ordem; lugar do silêncio, da adoração, da caridade e do amor que se renova a cada eucaristia que culmina no grande ofertório litúrgico, a doxologia. A Santa Missa é o elemento mais profético que existe na Igreja por unir a fé e a vida, a oração e a ação e fomentar a caridade.
05.A Divina Liturgia é referencial para a Igreja Povo de Deus. A vida litúrgica e sacramental nos coloca no limiar do mundo, na fronteira entre as trevas e as luzes. O mundo é velho, caduco e tíbio. Estamos no mundo, ensina-nos Jesus, mas não somos do mundo. Não ser do mundo é não dar-lhe escritura de nós mesmos ou de nossas realidades subjetivas, sobretudo daquelas ligadas à afetividade. Jesus nos prometeu guardar dos ataques do mundo e de suas investidas brutais, mas precisamos fazer nossa parte e procurar entender o mundo a partir de dentro dele, não apenas com os recursos dos métodos das ciências sociais e humanas, mas a partir, e sobretudo, do “discernimento dos espíritos”. Quando Jesus nos fala do “estar” não nos deu permissão para agir como o mundo quer. A Igreja ordena seus filhos sacerdotes e estes travam no mundo, diuturnamente, uma grande batalha: a santificação pessoal e a salvação das almas situações cadavéricas de pecado e pela falta de sentido para a vida.
06.O Ritual da Ordenação Sacerdotal é um tesouro que toca nossas almas sacerdotais a cada momento que o revemos e com ele rezamos nas datas especiais da nossa vida sacerdotal ou como hoje o fazemos na ordenação do nosso Diácono Bruno Miguel. O primeiro ato deste rito é o da eleição. O Diácono chama o candidato pelo nome. O escolhido e eleito, como que de um salto, se levanta e se posta diante do Bispo e em voz alta diz: “ad sunt”, aqui estou. Nesta hora o coração do eleito gela e, ao mesmo tempo, efervesce, pois chegou a grande hora, a hora da entrega para sempre. É o momento mais feliz de um Bispo, pois não há festa maior do que a ordenação de um candidato seguro e cheio de Deus.
07.O gesto do ordinando prostrar-se diante do altar remete ao despojo de si, da entrega, do mergulho na solidão da Cruz de Cristo, para levantar-se com total disposição de entregar sua vida e consumi-la em favor do Evangelho. Prostrado o eleito mergulha nos caminhos da prece litânica da Ladainha de todos os santos. O padre que ama o seu sacerdócio, que vive com integridade sua entrega, sabe muito bem dizer o que aquele momento representou para sua vida no dia de sua ordenação. Ao final da ladainha o bispo, misticamente olha para o eleito estirado ao chão, suplica a oração do povo em favor do eleito ao cargo de Presbítero.
08.O momento central da Ordenação Sacerdotal se dá com o gesto da imposição das mãos. Primeiro o Bispo impõe suas mãos ungidas pela apostolocidade na cabeça do eleito, silenciosamente. Na sequência todos os sacerdotes concelebrantes. Inerme e embebido pela beleza do gesto ritual, o eleito vai sentido o pousar das mãos dos seus novos irmãos no ministério que na sinfonia do silêncio evoca o mais sublime amor que vem da Igreja. É a prova do Mistério indelével da graça que marca o eleito para sempre. “Tu es sacerdos in eternum”. A seguir temos a belíssima Prece de Ordenação Presbiteral, profunda, aglutinante, mistagógica e anaminética que sela o eleito para sempre em Cristo e sua obra.
09. Após a prece de ordenação, o novo padre, recebe os paramentos sacerdotais, a estola e a casula. Um padre o reveste. Neste momento o olhar do novo padre percorre rapidamente o seu corpo de cima a baixo e contempla algo singular, as vestes sacerdotais que o acompanharão para o resto da vida e, com as quais, no derradeiro momento neste mundo, deverá ser sepultado para a glória de Deus.
10.O novo padre parece, neste momento, viver uma letargia sobrenatural, foge-lhe o tempo e o mesmo é fisgado pela eternidade de Deus, pois a partir de então será um com Cristo, pois fará as vezes d’Ele ao administrar os Santos Mistérios. O cerimoniário o levará diante do Bispo. O neo sacerdote, ajoelhado, em atitude humilde, apoia suas mãos espalmadas para cima sobre o colo do Bispo que as unge com o óleo santo do crisma. Enquanto o Bispo faz deslizar com seus dedos o óleo sobre as mãos gélidas e trêmulas do novo padre, ecoa pelos lábios do grande sacerdote, o Bispo, as doces palavras: “Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu com o Espírito Santo, e revestiu de poder, te guarde para a santificação do povo fiel e para oferecer a Deus o santo Sacrifício”. Há um costume secular de o Bispo cingir com uma fita as mãos do neo sacerdote em sinal de atamento total a Cristo. Quem as desata, em seguida, é a pessoa a quem por primeiro receberá a bênção do novo padre. Geralmente sua mãe ou quem lhe faz as vezes. Por último, o novo padre recebe o abraço do Bispo e dos sacerdotes presentes que osculam suas suaves e perfumadas mãos que, de ora em diante, serão as mãos do própria Jesus a abençoar e consagrar.
11.Momento sublime é a entrada das oblatas, pão e vinho, a serem oferecidas no Santo Sacrifício da Missa que são entregues ao Bispo que as entregam ao novo padre, ajoelhado diante de si, dizendo: “Recebe a oferenda do povo santo para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”.
12.É um dia inesquecível para o novo padre, para seus familiares e para a Igreja. O sacerdote é ordenado para servir o Povo de Deus em estreita colaboração com o bispo local e aos seus superiores. A primeira atenção do padre é a evangelização, a Divina Liturgia, a catequese, a formação das consciências e o Sacramento da Misericórdia. O projeto sacerdotal não é o do padre, mas o da Igreja. Não somos ordenados para fazer o que queremos, mas realizar o que Deus quer de nós através da Igreja. “Fiat voluntas tua”. Um sacerdote subjetivista que quer levar sua vida sacerdotal do jeito que bem entende causa sofrimentos aos seus superiores e à sua comunidade, além de afundar-se no vazio que leva-o a abandonar a barca de Nosso Senhor.
13.Amado Diácono Bruno Miguel, o senhor é uma grande esperança para a Igreja nestes tempos de “ditadura do relativismo e do hedonismo” de marginalização dos pobres e pequenos, de injustiças e discriminação. A Igreja espera que o senhor seja um sacerdotes santo e fiel até o fim. Lembro-lhe, caro ordinando, alguns acenos de São João XXIII na Encíclica “SACERDOTII NOSTRI PRIMORDIA”, de 01 de agosto de 1959, ocasião da celebração dos 100 Anos do Cura D’Ars, São João Maria Vianey.
14. "A grandeza do sacerdócio está na imitação de Jesus Cristo", os padres estarão, pois, mais do que nunca, atentos aos apelos do divino Mestre: "Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me..." (Mt 16,24). O santo cura d'Ars, segundo se afirma, "tinha meditado muitas vezes estas palavras de nosso Senhor e esforçava-se por pô-las em prática". Deus concedeu-lhe a graça de se conservar heroicamente fiel a elas; e o seu exemplo guia-nos ainda no caminho da ascese onde ele, resplandeceu brilhantemente pela pobreza, castidade e obediência”. (SNP, no. 11)."Ao ver que os homens vendem e compram, tudo pelo dinheiro, os padres caminhem desinteressadamente pelos engodos do vício, e desprezando todo baixo desejo de ganhar, busquem almas e não dinheiro, a glória de Deus e não a sua!" (SNP, no. 13).
15. O padre é chamado a viver integralmente, com alegria a castidade. S. João Maria Vianney, pobre de bens materiais, foi igualmente exemplo de voluntária mortificação da carne. "Não há senão uma maneira de se dar a Deus no exercício da renúncia e do sacrifício - dizia ele - isto é, dar-se totalmente". E, em toda a sua vida, praticou, em grau heróico, a ascese da castidade. São Pio X chamava a castidade sacerdotal de "o mais belo ornamento da nossa ordem". Foi dito pelo cura d'Ars: "A castidade brilhava no seu olhar"(SNP, no. 15). Esta ascese necessária da castidade, longe de fechar o padre num estéril egoísmo, torna o seu coração mais aberto e mais acessível a todas as necessidades dos seus irmãos. Dizia otimamente o Santo Cura: "Quando o coração é puro não pode deixar de amar, porque encontrou a fonte do amor, que é Deus"(SNP, no. 18).
16.O padre é chamado a ser obediente. São João XXIII nos lembra que são numerosos os testemunhos sobre o espírito de obediência do Cura D’Ars, podendo afirmar-se que para ele a exata fidelidade ao "prometo" da ordenação foi motivo para uma permanente renúncia de quarenta anos. Durante toda a sua vida, com efeito, aspirou à solidão de um santo retiro, e as responsabilidades pastorais foram para ele pesado fardo, do qual por várias vezes tentou libertar-se. Mas sua obediência total ao Bispo foi mais admirável (SNP, no. 20). Assumir a obediência é ter aberto o caminho para viver as demais exigências do ministério sem se titubear. A obediência quebra o orgulho e subtrai de nosso interior as paixões egoístas que nos sucumbem. (SNP, no. 23).
17. Homem de penitência, S. João Maria Vianney tinha igualmente compreendido que "o padre, antes de tudo, deve ser homem de oração" (SNP, no. 24). Não é necessário delongar aqui sobre a importância da oração na vida do padre. A Liturgia das Horas, a adoração ao Santíssimo Sacramento e sua missa diária bem preparada e bem celebrada fortalece o ministro contra a tibieza e a acídia espiritual, contra os vícios da bebida e do cigarro e tantos outros. O Povo conhece o padre que reza e que é livre dos vícios e das tentações mundanas. Nossa missão de sacerdote e rezar e ensinar a rezar. Rezaremos bem se formos homens totalmente devotos a Deus.
18.Aos padres lembrava São João XXIII o perigo do ativismo em relação a vida espiritual. "O que impede a nós padres de ser santos, é a falta de reflexão. Não entramos em nós mesmos; não sabemos o que fazemos. Precisamos da reflexão, da oração, da união com Deus". O Santo de Ars "mantinha uma união constante com Deus no meio da sua vida excessivamente ocupada". Para ele o padre é, antes de tudo, um homem de oração (SNP, no. 25). A adoração de Jesus, nosso Deus, a ação de graças, a reparação pelas nossas próprias faltas e pelas dos homens, a súplica por tantas intenções que lhe são confiadas, elevam este padre ao máximo de amor para com o divino Mestre a quem prometeu fidelidade e para com os homens que confiam no seu zelo pastoral. É pela prática deste culto, esclarecido e fervoroso para com a Eucaristia, que um padre aumenta a sua vida espiritual e se prepara as energias missionárias dos mais valorosos apóstolos (SNP, no. 29). São Josemaria Escrivá nos testemunha que a santidade do padre vem pela confissão. Ele mesmo se confessava a cada sexta feira. Nisso se revela a humildade do padre penitente e misericordioso.
19.” Se vós, sacerdotes, quiserdes que os fiéis orem com devoção dai-lhes vós o exemplo, na igreja, fazendo as orações na sua presença. Um padre ajoelhado diante do sacrário, numa atitude exterior respeitosa e em profundo recolhimento, é para o povo objeto de educação, um aviso, um convite à emulação na prece" (SNP, no. 30). Há na Igreja sacerdotes que escarnecem desses ensinamentos e práticas. Não são poucos, porque querem viver como qualquer homem do século: não rezam, quando o faz o faz mal, não celebram todos os dias, tem vergonha de serem padres e por isso sequer tem coragem de usar o distintivo clerical, uma afronta à orientação da Igreja; esses sentem-se mal quando reconhecidos como sacerdotes no meio do povo, tem preguiça de atender às confissões e compactuam com as práticas pagãs dos homens perversos de nosso tempo, mergulhando nos vícios e no pecado.
20.Ao longo dos meus 30 anos de sacerdócio nunca vi padres deixarem o ministério e trair a confiança dos seus superiores e do povo fiel porque eram dados em demasia à oração e à vida espiritual. Repito: o mal está na desobediência. A desobediência começa nas rubricas do Missal Romano e na avacalhação litúrgica. O Santo Padre Bento XVI, ao referir às dificuldades atuais da Igreja disse: “Estou convencido de que a crise da Igreja na qual hoje nos encontramos depende em grande parte do desmoronamento da liturgia"(02).
21.São Pio X disse: "Para fazer reinar Jesus Cristo no mundo, nada é mais necessário do que um clero santo, que seja, com o exemplo, com a palavra e com a ciência, guia dos fiéis". Um padre se santifica pela Santa Eucaristia, Santo Sacrifício de Cristo que se atualiza em nossos altares. Todo o empenho pastoral, toda a entrega nos diversos serviços de evangelização e das pastorais sociais deve ter como ponto de partida e de chegada a Santa Missa. O padre é para a Eucaristia e a Eucaristia é para ele. Ao lado dessa grandeza se situa o Ministério da Confissão Sacramental e a efetiva realização dos sacramentais. Estes mistérios nos realizam, pois são essenciais e não secundários como os secularistas, relativistas e hedonistas querem fazer ver em nossos dias. Para amar e bem servir os pobres e elevá-los à dignidade, precisamos da oração e de uma vida espiritual coerente. Peço a cada padre que ajude o novo sacerdote na sua missão e que os padres se auto ajudem na caridade fraterna, sendo amigos e irmãos, visitando uns aos outros para se confessarem, rezarem juntos e praticar a unidade no presbitério. O Vaticano II nos exorta a isso. A amizade entre os presbíteros é uma fonte de graça que redunda em grande bênçãos para a Igreja toda.
22.Neste momento solene e tão abençoado, lembrado de tantos benefícios obtidos e na esperança de novas graças, faremos nossa a invocação mariana, que era familiar ao referido ao Cura de Arns em favor de nosso ordinando: "Bendita seja a santíssima imaculada conceição da bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus! Que todas as nações glorifiquem, que toda a terra invoque e bendiga o vosso Coração Imaculado!" (SNP, no. 67). Amém!