TRAÇANDO UM PARALELO

O tempo não me trouxe somente os sinais claros de que estou envelhecendo. O tempo trouxe-me também, um leque de possibilidades maiores para eu usar do tempo que me resta de vida, da forma que mais me agradar.
Nem sempre foi assim, porém, hoje o é, e eu agradeço.
Me permito estar aqui em Nova Iorque seis meses por ano aproximadamente, e os outros seis meses no Brasil. Com essa escolha, vejo o neto daqui crescer, e o  neto de lá tambem. E mal e mal, vou driblando a saudade, de um e de outro.

Aqui tenho levado e buscado meu netinho na escola todos os dias, e faço do caminho da ida e da volta, uma festa, para ele. Coisas de vó, que tem mais tempo, aprendeu um pouco mais sobre a vida, e sente pelos netos um amor multiplicado, ou seria triplicado?
Hoje, no trecho curto que compreende do apartamento dele, até a escola, como sempre, passamos pelo Pier e paramos para olhar os marrecos selvagens, as gaivotas, que naquela hora costumam tomar sol nas margens do East River, ele habituou-se a levar pão picadinho, para jogar para as aves, (ideias de vó, pois meu filho e nora, não tem tempo para tudo isso, ao leva-lo pra escola, assim como eu também não tinha, na época em que meus filhos eram pequenos) e se diverte vendo-as comer. Em algum momento, ele aponta e grita contente: "Vovó, looking at yellow ferry boat". A alegria dele é contagiante, é como se ele visse o barco pela primeira vez. Depois sai explorando a calçada, onde sempre acha alguma novidade. Hoje, achamos um casal de pássaros, muito parecido com o curió do Brasil, fazendo ninho em um cano no alto da parede de um edifício, difícil foi tirar meu netinho de lá. Nolan ficou encantado vendo os pássaros entrarem e sairem de seu ninho, e repetia sem parar: "The bird house, vovó". Só seguiu em frente, porque eu o lembrei dos buracos escuros, que ele adora saltar. Na verdade, esses "buracos" nada mais são do que tubulações comum por aqui, fechadas com grades de ferro, vazadas, ele adora pular sobre elas, e dizer: "é alto e escuro, vovó". Cada dia tenta pular mais longe, e diz: "Nolan está ficando forte, vovó".

Sempre que volto de deixá-lo na escola, sinto minhas mãos vazias, meu sorriso perde um pouco do brilho, e meu olhar não vê o caminho com o mesmo encanto.
Hoje, como sempre faço, na volta, sentei-me num banco do Pier e fiquei admirando a linda manhã, diante daquele esplendido cenário. E de repente, meus pensamentos voaram pra longe, como se uma gaivota, houvesse me emprestado suas asas, fui lá, na distante em espaço e tempo, vila da minha infância, e lembrei-me do caminho que eu percorria para chegar a única escola da vila. Também eu caminhava um pequeno trecho pra chegar à escola, e assim como ele, eu me encantava com cada detalhe que a natureza de lá me oferecia. 
Eu também tinha em meu caminho um rio para admirar, bem menor, na verdade imensamente menor do que o East River, que meu neto tem aqui, porém, não menos belo, ao meu olhar de menina. Lá não havia gaivotas, fui conhece-las, bem mais tarde, porém, outros pássaros belos e com um canto maravilhoso, me acompanhavam no pequeno caminho. Lembrei-me das flores silvestres, que todos os dias, eu apanhava pelas encostas da estrada, e levava para a professora. 
O Nolan, não pode apanhar as flores dos jardins bem cuidado do trecho que ele percorre até a escola. Mas, o carinho que ele tem pela "Teacher Sara" é semelhante ao que eu sentia pela Professora Zélia, lá da vila.
Minha escola, era simples, se compunha de uma sala de aula, própria de uma vila de chão de terra, dos anos 50,  já, a do meu netinho, é a cara dos anos 2000, não há nada pra se comparar, entre elas, a não ser a alegria que ele mostra de estar junto aos seus amiguinhos e sua mestra, isso se iguala a alegria que eu sentia, ao meu tempo de escola.

Enfim, o tempo trouxe tantos avanços tecnológicos, e Nova Iorque, sem dúvida, é o topo do mundo, nesse quisito. Tanta coisa mudou, e como mudou, dos anos 50, da minha infância, para os anos 2016 do meu netinho, da minha pequenina vila rural, para a mega metropóle em que ele nasceu e vive, porém, a alegria nas miudezas da vida, torna tão próximos os anos 50 dos anos 2016, assim como eu do meu netinho, e ele de mim.



(imagem: Lenapena - Pier em Williamsburg)
Lenapena
Enviado por Lenapena em 21/07/2016
Reeditado em 21/07/2016
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