Discurso de posse na Academia Pedralva Letras e Artes (Campos-RJ)
Discurso de posse do escritor Ronaldo Henrique Barbosa Junior na Academia Pedralva Letras e Artes (fundada em 1947 em Campos dos Goytacazes-RJ), na cadeira 14 da instituição, patronímica de Mário Fontoura, ocupada anteriormente por Pedro Batista Manhães (um dos fundadores da casa) e Marília Bulhões dos Santos Carneiro.
Cumprimento o senhor Roberto Pinheiro Acruche, presidente desta casa, em seguida, saúdo os demais ocupantes da mesa, os acadêmicos aqui presentes, meus familiares e amigos, os quais me honram ao representar parte da minha história. Boa tarde.
Cabe a mim, aqui, fazer uma ponderação sobre minha ainda curta trajetória. Peço licença para notabilizar aqueles que dedicaram e dedicam seu tempo, seu carinho, suas lutas e, portanto, abdicam de parte das suas vidas para me honrar enquanto filho. São eles a fascinação dos meus sonhos, o aperfeiçoar de um dom, minha lapidar inspiração. Neles, encontro refúgio para minhas angústias, bem como apoio para consolidar o meu caráter. Aos meus pais, Ronaldo Lobão e Andréa Macabu, a minha homenagem por serem meus primeiros professores, empenhados em ensinar-me a arte da vida.
Devo agradecimentos à minha namorada, Ana Paula Lopes Pessanha, por seu apoio, paciência e dedicação a mim; também aos mestres que contribuíram e contribuem com o meu desenvolvimento intelectual e artístico, dentre os quais cito a professora que, por excelência no cumprimento de sua função educacional, no Instituto Federal Fluminense Campus Campos-Centro, influenciou-me a escrever, aos 15 anos de idade, Rosângela Caldas; a prima e professora Kátia Macabu, que apurou meu pensamento crítico e artístico; o professor Fernando da Silveira, que me inspira a olhar a vida repleto de fascinação; o professor Helio Coelho, a quem devo meu embasamento no curso de Direito na histórica Faculdade de Direito de Campos, hoje, Centro Universitário Fluminense. A minha homenagem aos senhores e aos demais mestres aqui presentes.
Agradeço ao Agostinho Rodrigues, de quem sou afilhado, por acompanhar minha trajetória com seu dedicado jeito de padrinho desde quando comecei a frequentar o Café Literário Antônio Roberto Fernandes.
Obrigado ao Júlio e ao Grupo FreeSom, do IFF Campus Centro, por aceitar o convite para nos brindar com suas talentosas vozes nesta tarde.
Por este discurso, agradeço ao meu confrade Wellington Paes, um apaixonado pela cultura campista que, atenciosamente, compartilhou comigo alguns conhecimentos e memórias para que eu pudesse conhecer a história da minha cadeira.
Quero dizer que me sinto honrado por estar, nesta ocasião, sendo agraciado com uma cadeira na Academia Pedralva Letras e Artes, uma casa de muitas tradições na cultura campista. Ressalto que já inicio minha trajetória enquanto acadêmico inspirado na eminente história desta instituição: três rapazes - Pedro Manhães, Almir Soares e Walter Siqueira – tomados pelo amor às letras, com a ideia de fundar uma instituição literária essencialmente popular, constituíram, em 20 de fevereiro de 1947, a confraria da qual hoje faço parte, com sede na oficina de bicicletas União Ciclista, localizada na antiga Rua Barão de Cotegipe, hoje, Rua Governador Theotônio Ferreira de Araújo.
Dentre os três cavalheiros, não havia distinção por nobreza material, havia a eminência devido à exaltação das belezas da alma por meio da arte. Destes, ater-me-ei a um em especial: Pedro Batista Manhães, o primeiro ocupante da cadeira de número catorze, fundador desta casa, do qual tenho a honra de ser sucessor. PeMa, como costumava assinar suas obras, tinha um brilho inerente à sua pessoa, exalando simplicidade e poesia, com olhos de quem vê a vida repleto de peculiar sensibilidade. Pedro trabalhou, desde jovem até o fim dos seus dias, na referida oficina de bicicletas União Ciclista, onde compôs muitos de seus trabalhos literários enquanto compositor, trovador e poeta. Não se esquivava de compartilhar suas dificuldades, o que fazia com a humildade de quem reverencia a sabedoria de amigos como o professor Walter Siqueira, a quem pedia para que lesse seus trabalhos a fim de conhecer seus erros e ouvir críticas. O poeta da simplicidade era, de fato, um indivíduo apaixonado pela vida, tendo morrido – de amores – em dezembro de 1989, aos 71 anos de idade, deixando-nos seus versos, sua essência popular, seu sorriso desembaraçado e sua memória viva nesta casa, sendo ele próprio sua definição de simplicidade, afinal, em suas palavras,
"Simplicidade, sim, é toda essa maneira
Expontânea, comum nas estrofes que faço,
De cantar a incomum história verdadeira
De dois que se amam sem tréguas e sem cansaço"
Além de Pedro Manhães, tenho o privilégio de suceder a doutora Marília Bulhões dos Santos Carneiro. A última ocupante da cadeira catorze era Promotora de Justiça e autora de quinze obras publicadas, sendo acadêmica tanto da Academia Campista de Letras quanto da Academia Pedralva Letras e Artes. Sua distinção é notável a qualquer leitor que tenha a sensibilidade de apreciar seu modo de fazer literatura, sendo a saudosa pedralvense responsável por muitas contribuições para a justiça e para o magistério nesta cidade, o que demonstra a importância de sua pessoa para a sociedade campista. Certamente por isso, foi agraciada por instituições como o Rotary Club e a Ordem dos Advogados, bem como pelo Poder Legislativo municipal.
Não dispondo eu de mais tempo para discursar sobre os acadêmicos que figuraram na cadeira catorze, sobre os quais eu poderia falar por várias horas, considerando as carreiras e peculiaridades dos que me antecederam, alcanço agora a personalidade central deste meu breve discurso: o professor campista Mário Carneiro Fontoura, patrono do posto que ocupo.
Nascido nesta cidade no ano de 1868, Mário Fontoura foi educador, diretor escolar e fundador de jornais e revistas. Quando criança, foi auxiliar do bibliotecário José Alfredo Carneiro, seu pai, estabelecendo vínculos com as letras, tendo o contato com os livros influenciado diretamente em sua carreira. No Liceu de Humanidades de Campos, fez o Curso Clássico, que conferia ao diplomado a habilitação de docente no ensino elementar.
Aos quinze anos de idade, começou precocemente sua carreira como redator do jornal fluminense “Gazeta do Povo”, realizando campanhas para difundir valores republicanos, tanto no jornal quanto em conferências no teatro municipal, acompanhado pelo campista que chegou à Presidência da República em 1909, Nilo Peçanha. Mário Fontoura aderiu de modo fervoroso ao movimento que culminou na abolição da escravidão e, por conseguinte, no fim do regime monárquico.
Passou a conciliar, na década de 1890, jornalismo e docência, começando a lecionar em escolas de Campos. Posteriormente, assumiu a redação do Jornal “A Trombeta” e fundou o Jornal “A Semana” – este último fechado após dois anos de sua fundação, em virtude da mudança de Mário para Minas Gerais, sem registro do motivo.
Indo para Minas, destacou-se enquanto professor, tornando-se diretor da primeira instituição de ensino primária fundada na cidade de Ponte Nova, o Grupo Escolar Antônio Martins e, enquanto redator, ao tornar-se responsável pela redação de um jornal, tinha o conteúdo do periódico sob sua edição exclusiva, sendo necessário fazer uso de pseudônimos para não ter seu nome repetido em todas as paginas.
Devo destacar a reconhecida importância da formação de Mário no Liceu de Humanidades de Campos, instituição responsável por torná-lo um exímio professor e pedagogo, educando com a sensibilidade de um artista, o que se observa em sua preocupação com os pequeninos analfabetos desprovidos de recursos, para os quais fazia imprescindíveis campanhas visando à arrecadação de donativos, fornecendo às crianças roupas e merenda. Era um diretor presente nas salas de aula e, portanto, na formação de cada aluno.
Voltando para Campos, depois de uma longa ausência de sua terra natal, acompanhou de perto tudo quanto dizia respeito à vida jornalística da cidade, colaborando em alguns movimentos tendentes a sustentar o direito de opinião e a melhorar as condições materiais da imprensa campista.
No dia 5 de outubro de 1951, aos oitenta e dois anos, veio a falecer na Rua Tenente Coronel Cardoso, nesta cidade, tendo composto uma vasta obra literária, contribuindo virtuosamente com todas as empreitadas de que fez parte, dando nome a uma rua em Ponte Nova e eternizando sua memória na cadeira catorze desta Academia, o que, nas palavras de Pedro Manhães, é a melhor homenagem que a Pedralva poderia prestar a esse ilustre campista: ter seu nome numa academia é como cinzelá-lo numa rocha, é para a eternidade. Por falar em eternidade, trago um exemplo da arte literária deixada para nosso deleite poético:
NASCER, MORRER, de Mário Fontoura
Nos olhos, nasce a lágrima, que os deixa;
o martírio, no peito; nas fugaces
desilusões da mocidade, a queixa:
tu na minha alma nasces.
Morrem do amor os mais estreitos laços;
nos lábios teus, o riso, que desatas;
o sol no ocaso expira, e, em teus abraços,
morro, porque me matas.
Olha, aqui, vive a música nas rimas:
se é nos teus sonhos que o meu nome vive,
vivo, porque me estimas.
Porém, se tudo, de que sou cativo,
tem que morrer, como outro amor que eu tive,
morro... porque sou vivo.
Apreendo eu: Mário Fontoura vive no eco de sua notável memória.
Destarte, incumbido da responsabilidade de honrar o legado desta cadeira, sucedendo insignes pedralvenses, devo manifestar-me sobre um fato: não sou poeta. Escrevo para traduzir em letras o que trago na alma. Ser poeta é ser sensível à poesia presente na rotina, extraindo dos mínimos acontecimentos o lirismo que nos inspira, é empunhar o galardão da essência divina. Por isso, digo: é necessário viver e me apaixonar ainda mais intensamente pela vida para alcançar tal título. Versejar não me torna poeta.
Termino, portanto, evidenciando meu compromisso com o nome desta casa, o qual levarei comigo como um pendão a ser honrado, exaltando, por meio dele, as letras e artes.
Muito obrigado.