Homilia na Missa na Catedral da Sé - SP, com o Opus Dei - 26.06.2015
"Amados irmãos e irmãs, Deus seja Louvado!
01."A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus” (Conc. Vaticano II, GS, n.19), de onde decorre sua vocação à santificação diuturna. O relato bíblico da criação que acabamos de ouvir, de inegável beleza, nos faz compreender o lugar especial que ocupamos na ordem da criação divina. Desde o começo, o homem foi colocado no jardim do Éden para o cuidar e cultivar. Cuida e cultiva bem quem se deixa cuidar e cultivar pelo próprio Deus. Somos barro nas mãos do Criador, o Divino Oleiro, que nos modela e em nós imprime seu hálito de amor, que nos incentiva ao cuidado dos afazeres diários num modo eloquente de santificação dos mesmos. O mundo criado nos foi entregue. O salmista nos indica que a "a terra inteira é o espaço do nosso domínio”. É neste espaço temporário, limitado e finito, que somos chamados a viver a sublimidade da nossa união com Deus a fim de alcançarmos nossa santificação e salvação. Numa realidade neopagã que zomba da fé, somos instigados a testemunhar a grandeza do Mistério que nos envolve e nos faz diferentes dos que declararam sua independência de Deus e a indiferença ao sobrenatural.
02.Em meio aos tormentos e desafios deste mundo, como um mar encapelado que se abate sobre nossa fragilidade, podemos contar com o sopro renovador de Deus que nos acode com a força do Espírito que nos conduz, pois não recebemos um espírito de escravos para nos refugiarmos na senzala do medo e da covardia, mas o espírito de filhos adotivos para chamarmos a Deus de Pai. O Espírito de Deus une-se ao nosso espírito e nos dá a consciência de que somos herdeiros d'Ele e co-herdeiros de Cristo. Assim, para o cristão, sofrer unido a Cristo é motivo de louvor, pois somos glorificados pela sua Cruz. Os grandes mártires e santos de todos os tempos acolheram em suas vidas estas grandes bênçãos. São Josemaria nos adverte que "o cristão triunfa sempre do alto da Cruz, a partir da sua própria renúncia, porque assim deixa atuar a Onipotência divina” (Sulco, n.995). A veste da Graça Divina nos dá a capacidade do olhar da fé e o sentido da nossa entrega ao Mistério que nos plenifica.
03.O Santo Evangelho de hoje nos convida a olharmos o mar, o mar da nossa existência com suas alegrias e desafios, e aventurar-nos nele e lançar nossas redes em águas mais profundas. É a tarefa contida no ide de Jesus, decorrente do nosso ser batismal. Fomos batizados em Cristo e mergulhados no seu amor exigente. Desta feita, o nosso ser cristão e marcado por esse impulso permanente ao testemunho, à “martiria”, à entrega na amizade com Deus, que nos dá a coragem de sermos sinais de Cristo lá onde corremos o perigo da zombaria, da incompreensão e até mesmo do sacrifício de nossas vidas. A vida cristã autêntica incomoda, ao mesmo tempo que atrai. Mesmo os que sentem repulsa pelo testemunho dos que amam a Deus, sentem um incômodo interior de questionamento: Estou certo? Sou feliz assim? Isso denota que no interior do homem há um lugar que só Deus preenche. Esse terreno Jesus quer conquistar e o caminho que ele usa é o testemunho dos que abraçaram a fé e as obras da mesma. Os primeiros cristãos despertavam os corações dos pagãos com o jeito deles viverem. Os pagãos diziam: “Vejam como eles se amam” e se contagiavam pelo “modus vivendi” daqueles homens e mulheres que até mesmo nos tormentos do martírio externavam uma alegria que não é deste mundo. Até hoje, o cristão autêntico, deixa transparecer essa dimensão transcendente em sua vida, que incomoda os que selaram uma aliança com as criaturas e com as glórias deste mundo.
04.Quando São Josemaria fundou o Opus Dei ele tinha, misticamente, diante de seu olhar de fé esse grande mar de seres humanos que precisa estar unido a Deus. Vislumbrava o grande santo os caminhos difíceis para a Igreja dali em diante. Naquele dia 2 de outubro de 1928, quando nasceu o Opus Dei, a Igreja foi enriquecida com mais uma dádiva, um carisma, um dom, em favor da santificação das pessoas. São Josemaria foi um homem adiantado no seu tempo; tinha pressa de que o mundo descobrisse Deus, de que as famílias se tornassem ninhos quentes do amor e da santificação. Via isso com urgência, em todos os cantos da terra. Ele foi uma resposta viva às inquietações dos corações que, sequiosos ao ouvirem dos lábios do santo as verdades de Deus, antigas e sempre novas, decidiam pela vida de entrega e sacrifício por Deus.
05.Este santo foi um homem inquieto, ativo, um militante pela santidade das pessoas e se empenhou por fazer a vontade de Deus e levar as pessoas a realizá-la mediante a santificação no trabalho cotidiano. Quanta beleza o Bom Deus inspirou no coração deste incansável sacerdote. Pessoalmente vejo que a vida de São Josemaria se assentava sobre alguns eixos importantíssimos: a profunda consciência da nossa filiação divina, como fundamento; e, como sólidos pilares, o sacrário, o confessionário, o Rosário e o amor ao Papa. Notadamente, pautou sua vida sacerdotal sobre esses pilares e legou esta riqueza a seus filhos e filhas do Opus Dei, com um invejável acento na valorização da família. Para nós, sacerdotes, o exemplo deste santo nos mostra que a grande ciência, a ingente intelectualidade, não tem relevância em nossas vidas se lhe faltam esses pilares, esses eixos, dos quais o bom sacerdote sabe haurir a sabedoria que enriquece as almas e entorpece o demônio.
06.Estes eixos fundamentais na vida de São Josemaria constituem uma espécie de sustentação para a missão no mundo de hoje. O grande santo alicerçou sua vida sobre o essencial: a filiação divina do cristão, a Santa Missa, o Sacramento da Reconciliação, o amor a Santíssima Virgem e a devota afeição ao Santo Padre, o Papa. A nossa vocação à santidade passa pela acolhida destes elementos essenciais. O grande mal no interior da Igreja, em nossos tempos, é priorizar o acidental. Nenhuma atividade pastoral ou evangelizadora vingará sem se ater a estes elementos essenciais. O que vemos em nossos tempos é um pelagianismo crescente; há muita gente fazendo as coisas de Deus mas sem Deus. Muitas ações e serviços eclesiais estão orbitados em volta de planetas meramente humanos, projetos ideológicos, etc. As correntes teológicas marcadas pelas cercanias ideológicas esterilizaram muitos corações de sacerdotes e religiosos, que sucumbiram aos seus próprios projetos pedagógicos de pastoral. Os que souberam ouvir ao Espírito Santo, salvaram-se do desastre; enquanto grande parte do povo disse não a esses projetos e, para nossa dor, não poucos migraram para as seitas em busca de um espaço para a oração.
07.A tentativa de ideologizar a fé levar as pessoas a perderem tempo, além de favorecer descrédito para com a Igreja e produzir o deserto da aridez e da tibieza nas almas, colabora com a perda da salvação de diversas almas. Para muitos é "é uma loucura confiar em Deus!..., E não é maior loucura confiar em si mesmo, ou nos demais homens?" São Josemaria nos chama ao essencial: "Sê alma de Eucaristia! – Se o centro dos teus pensamentos e esperanças está no Sacrário, filho, que abundantes os frutos de santidade e apostolado!” (Forja, n.835). “Quando te aproximares do Sacrário pensa que Ele... há vinte séculos que te espera” (Caminho, n.537). As pessoas querem Deus, desejam aprender a rezar, a amar a Deus. Nosso apostolado deve estar atento para acudir essa necessidade premente do coração humano: nutrir-se de Deus.
07.Os membros da Prelazia do Opus Del, mais do que nunca, não podem esquecer esses grandes princípios inspiradores do seu santo Fundador. Se a Obra cresceu e se expandiu aos quatro cantos da terra, foi porque a essencialidade sempre foi determinante. As almas abertas e sedentas continuam a encantar-se com o carisma de São Josemaria e encontram no testemunho dos membros da Prelazia a certeza de que é possível viver a santificação no trivial das atividades do dia a dia, servindo a Deus com simplicidade de alma e com a grande abertura de coração. O estado caótico do mundo atual se deve à independência do homem em relação a Deus. O abandono do Criador direciona o homem ao amor as criaturas e a si mesmo, numa espécie de narcisismo, que adoece e anarquiza sua vida interior, causando frustação e desamor e uma visão sartriana do “outro como seu inferno”, ao passo que o inferno nada mais é do que o vazio causado pela ruptura com o valor absoluto que dá sentido à precariedade humana: Deus.
08.Encantam-me as casas do Opus Dei, onde o zelo pela Eucaristia, a promoção do atendimento às confissões, a devoção à Santíssima Virgem, o amor a Igreja e a promoção do apostolado, nos entusiasmam. A beleza das famílias numerosas do Opus Dei, com seus filhos acolhidos com amor e iniciados na vida espiritual com fecundidade, se reveste de um profetismo nestes tempos de crítica e perseguição à família natural, criada por Deus. Estes sobejos frutos de espiritualidade e presença no mundo cotidiano do trabalho, a dedicação à formação dos sacerdotes com retidão e santidade e a formação dos leigos, foram os testemunhos fortes que levaram São João Paulo II a promulgar a Constituição Apostólica Ut sit, erigindo o Opus Dei em Prelazia pessoal, no dia 28 de novembro de 1982. Um dia de jubilo para todos os membros do Opus Dei e de grande esperança para toda a Igreja, como hoje podemos conferir pelo mundo afora, ao celebrar o dia de São Josemaria.
09.O Opus Dei é um valoroso serviço da Igreja em favor da salvação das almas, sobremaneira das famílias. Seu trabalho silencioso e consistente incentiva em todos os continentes da terra homens e mulheres a viverem o ideal de santificação através das ações ordinárias do trabalho de cada dia. Quanto bem isso tem proporcionado!!! Quantas ações de santidade tem despertado esse arguto apostolado!!! Que o Bom Deus, pela intercessão de São Josemaria e do Bem-aventurado Álvaro del Portillo, continue a instruir os caminhos desta amada Prelazia pessoal do Opus Dei e de seu Prelado, Dom Javier Echevarría; da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, das pessoas que dela fazem parte e dos Cooperadores que a ela se associam. “Cumpramos todos nossa tarefa antes que o tempo passe” (cf. Eclo 51,38). Sob o estandarte da Santíssima Virgem Maria façamos a vontade do Senhor, hoje e sempre. Amém!