Relembrando Amambai.

LEMBRANÇAs de amambai!

Amambai dos tererés. Das conversas e dos momentos de fé. De um bom chimarrão e de um gostoso café. Dos apelidos sem iguais. Na maioria com a inspiração no povo Paraguai. Lugar de gente mestiça. No entrevero de gaúchos, paraguaios e índios. Doce lembrança dos bailes de galpão e das valsas de formatura. De tantos momentos de ternura. Das marchinhas de carnaval e dos troteados. Dos vanerões que animavam os CTGs nos quatro costados. Daquela mistura de polcas, chamamés e rasqueados.

Amambai de um povo trigueiro e sofrido. Enfrentando as areias das estradas. Terra infértil para as invernadas. Mas que nutriam nossas guaviras que eram colhidas lá pelos campos. Às vezes gerando climas românticos. A colheita reunia a família e amigos. Bons passeios pelos campos. Alegria de nossas crianças; vasilhas cheias depois de nossas andanças.

Amambai de uma mistura de pobreza e também de fartura. Mas, apesar dessa distância social, ao seu povo nunca faltou educação e formosura. Quem não se lembra de nossas misses de formatura. Que desfilavam nossa beleza e nossa cultura. Grandes concursos na cidade. Elas eram a motivação de nossa mocidade. Faziam-nos românticos e sonhadores. Aí desse lance inspirador alguns encontraram seu primeiro amor.

Amambai das tardes cinematográficas. Que criam lembranças do saudoso cine Primavera. Quem não se lembra do Senhor Donevil e sua galera? Das apresentações dos grandes faroestes de Juliano Gema. Daquele inesquecível filme do dólar furado. Com balas que zuniam pra todo lado. E a gurizada indo ao delírio. A gente gritava, assoviava e aplaudia. Só os cortes acalmavam a moçada. Esse lance era o único fato desagradável para aquela meninada.

Amambai dos medos e das profecias. Dos mitos e das bruxarias. Do lobisomen em lua cheia. Do místico senhor Genésio das longas noites. Ele sempre amanhecia em frente à farmácia do Ernesto Landolf. Ali relatava as estórias do lusco-fusco. Dizia sobre todos os mistérios da noite que se instalaram após o crepúsculo. Às vezes tão horripilante que espantavam os bichos do escuro.

Amambai das conversas das comadres. Lembrando a última faceta das vizinhas. Falavam daquelas moças que saíram da linha. Às vezes pelo impulso de moças faceiras iam parar no assunto das fofoqueiras. O primeiro impulso era chamá-las de “bagaceiras”. Ampla aventura de final de semana para inflamar as prosas de segunda-feira.

Amambai das pessoas iluminadas e criativas. Daqueles que não inventavam, mas aumentavam. E os causos que iam aparecendo. Que não se lembra do afamado Tiodomiro? A melhor dele é de quando falava de seu cavalo alazão. Que corria como uma explosão. Chegava sempre primeiro que a chuva lá no seu galpão. Era tão rápido o seu cavalo! Aquele chuvisco só molhava a metade do puro sangue. Quando a chuva sumia o índio velho só encharcava a parte do pala que o vento erguia!

Amambai dos cortes de cabelos estilo soldado. Corte único experimentado pelo senhor Maxmílio. Ele foi o terror da gurizada. Atendia com hora marcada. Mas, que barbaridade! Era ele o único concorrente da cidade. Com aquela velha máquina sem a devida manutenção, acabava por puxar, arrancar, fissurar os fios de cabelo. A dor não era transitória. Ela persiste até agora! Ela ainda chamusca em minha memória...

Quem não se lembra de nossa Praça? Ela foi palco de nossas peraltices. Era aliada ao sonho de ganhar uma bicicleta. Nela a gente sempre estreava nossa “magrela”. Como esquecer as suas árvores ornamentais tais como pinheiros de natal. De seus bancos que inspiravam o romantismo. Das longas conversas. Das festas juninas e dos palcos de desfile.

E o som da Matriz? A boa lembrança da Ave-Maria, tocada todos os dias às 18:00 horas em ponto. A emoção era tanto! E aquele serviço de anúncio fúnebre que ocasionava o arrepio da alma de todos os seus. Alguém tinha ido encontrar com Deus. E os sinos da igreja que marcava a hora da missa e nos alertava para os longos sermões do Pe. Bonfilho. As coisas erradas tinham ido parar nos seus ouvidos. Os conselhos vinham surgindo. Ele tinha bons olheiros. E a consciência acusava junto ao travesseiro.

E as quermesses? Pra mim fonte de grande inspiração! Resquícios de nostalgia de minha Amambai. Episódios que não esquecerei jamais. Ali aprendi a curtir os clássicos de Billy Vaugh. O som de introdução dos festejos era sempre recepcionado com os acordes inesquecíveis desse artista colossal; um baluarte do instrumental. Como esquecer dos leilões? Daquele leiloeiro endoidecido pelo penúltimo lance.

Era meu pai Delson Machado mexendo no bolso dos inusitados proponentes da ocasião. Um reles franguinho arrecadado a preço de leitão.

E o milionário? Time de grande expressão. Que foi orgulho de nosso rincão. Ali vi os primeiros craques. Conheci a primeira sensação de torcer. Vi um time de grandes vitórias. Que pra nós rendeu grandes glórias. Hoje tenho orgulho de conviver com gente daqueles tempos. Que nos proporcionou grandes momentos. Um deles eu sempre vejo. Abraço sempre meu amigo Carlinhos Cerejo!

E os índios?

Que poderia esquecer de Marco Velho? Lembro-me que quando menino eu convivia com o hábito de ver aldeias de sapes no trajeto da chácara onde eu morava até a cidade. Eu tinha uma boa sensação porque ao passar pelas tribos, no nascer do dia, sentia nas narinas o cozinhar de milho com o vento se espalhando pela estrada. Havia um misto de medo que se apagava pela realidade. Lá naqueles casebres simples nada era ameaçador, porque a única visão humana era anunciada pela fumaça preta que saia em prol do desjejum. Mas o temor se esvaia pela distância do entreolhar que oscilava entre a falta de índio e a imaginação de um caboclo. Ver índio pessoalmente...era coisa para se curtir lá na cidade.

E o meu sertão? Oh, sertão tão estrelado! Sonho com você até hoje. Parece que estou voltando àqueles tempos de alegria. Era lindo quando amanhecia o dia. Ali cantava o sabiá laranjeira. E, lá ia eu por aquelas estradas arenosas aonde andava a carroça, rumando para a cidade. Era uma viagem morosa, mas abreviada pela prosa. O tempo passava como o vento, mesmo que a viagem dependesse daquelas rodas de madeira que iam rasgando aquela areia. O cavalo pisava fundo, abanando a crina e balançando o rabo. Ele seguia inquieto, deixando um rastro bem reto.

E o panduí?

‘Baita’ rio formoso que me deu tanto alvoroço. Você, panduí, era pura alegria. Em suas águas fiz minha folia. Lá na usina havia uma represa. Nadei de braçada naquela beleza. Águas profundas chamavam nossa atenção. Ostentavam nossa imaginação. O nado era um convite de adrenalina cheio de perigo e de tentação!

Eram águas abundantes que me conduziam aos feitos contagiantes. Hoje aquelas águas aguçam minhas lembranças. Eram as andanças daqueles tempos de criança. Eu caminhava horas a fio para chegar naquele rio.

Eu saia de casa numa fuga de meia-tarde, a pé ou de bicicleta, ia sob linha reta, até chegar ao matadouro onde tinha o cheiro de couro; era, talvez, minha estréia (como calouro). Queria chegar o mais rápido que podia, para voltar nas luzes do dia.

O melhor era a farra, com a turma que me acompanhava. O desvio era inevitável, por aquela estradinha de areia, que acabava levando ao encontro de algumas sereias. Aquela zona de alta frequência levava a gurizada á demência. De repente aparecia uma beldade quase sem roupa, conspirando contra nossa vontade. Ela exibia um sorriso matreiro e perguntava se alguém tinha dinheiro. Aí vinha o desespero! Não adiantava ficar para farra, porque “grana” não era coisa que a gente carregava!

A caminhada prosseguia apesar da frustração. Aquela ainda não era coisa para nossa geração. Mas a chegada ao rio era triunfal. Para mim não existia nada igual. Eram águas geladas que se estendiam num vasto canal. Entre o cansaço e um suspiro eu apreciava aquele momento colossal. Ouviam-se os ruídos que pareciam estampidos. Era o barulho da cachoeira exigente que balançava o coração da gente!

Era hora de despir-me das roupas poeirentas que ficavam ao chão. Eu exibia o calção de náilon - tão frouxo - com alguns traços de roxo. Atirava-me com tudo (num pulo indomável). Arremessava-se nas águas naquele mergulho profundo como se a desvendar os mistérios do mundo. Com braçadas ligeiras ouviam-se os alaridos e os gritos que vinham em coro. Era uma torcida demente que se movia desafiante, tripudiando minha conduta por se atirar como um principiante. Às vezes alguém caia - machucando o corpo - mas nada disso era obstáculo para interromper o espetáculo. Era a alma que brincava e desafiava qualquer perigo. Era o corpo que parecia mais forte que o perigo!

ESSA É O AMAMBAI DE NOSSAS LEMBRANÇAS. Que fluem em tempo de festança. Nosso torrão natal continua lá no seu lugar. Dando alegria para quem pode desfrutar. Nós aqui tão longe. Imaginando as coisas boas que foram vividas. Mas, tivemos que optar por nossa partida. Isso foi imposição da vida. Hoje só saudade. Dos tempos de mocidade. Das coisas bem vividas naquela gloriosa cidade.

Por isso estamos aqui. Porque curtimos nossa origem. Porque amamos nossas raízes. Porque é tão bom lembrar que um dia fizemos parte daquele povo...

Machadinho
Enviado por Machadinho em 01/09/2015
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