No que crer

Eu não sei bem no que acreditar. Acredito, às vezes, em Deus, às vezes, ouso deixar de acreditar. Vivo momentos de fé e de ceticismo. Creio mais em Deus quando vejo uma pessoa ajudando a outra por altruísmo. Creio menos nele quando vejo a indiferença prevalecendo entre os homens. Semana passada, por exemplo, eu preferi ser ateu. Nesta, quis acreditar que existia um Deus que enxergasse as nossas dores e que também se comovesse com nossas aflições.

Não sei se existe um Deus ou não. E se existe, quem o seria? Por que nos abandou aqui? Sozinhos. À deriva. Sem as respostas que precisamos ouvir, sendo tantas as perguntas que desejamos fazer. Se Deus existe e, em seu silêncio ensurdecedor, quis nos punir. Com certeza, seu silêncio é um castigo maior do que qualquer inferno que possa haver além da morte. Ou será que somos nós que já não somos mais capazes de ouvir a sua voz? Estaremos nós surdos? Ou Deus mudo?

Há que diga que Deus é uma invenção criada pelo homem, que por seu medo exagerado do desconhecido, quis dar uma explicação graciosa para as coisas que, de fato, não tem. Será que fomos nós que nos enganamos? Preferindo criar um Deus inexistente para sanar nossas angústias? Ou será que idealizamos Deus para dar sentido ao inevitável fim da vida? Por não aceitarmos a finitude de nossa própria existência passageira, evanescente.

E se Deus for mais um egoísta assim como somos? Alguém que só pense em si mesmo. Que não se importe com os outros a sua volta, ou melhor, com os outros que estão abaixo, e seja realmente nossa imagem e semelhança, no que há de pior e também no que há de melhor. Seria Deus um homem falho, como somos? Um ser que erra e acerta, assim como nós? Alguém que se sentia sozinho e que, em sua solidão, criou o homem para fazê-lo companhia? Quantas questões não resolvidas nos cercam diante de Deus ou de sua possível inexistência.

Há quem diga que Deus habita em nós, que ele é força da natureza que flui por todos os cantos. Será que Deus vive em cada átomo de nosso corpo e dos seres que voam e também daqueles que rastejam? Que ele reside nos quasares cósmicos? Que nutre a vida das árvores e das flores? Ou será que somos órfãos? Que somos apenas o deslize e os erros do acaso? Que estamos sós entre tantas estrelas sobre um véu de escuridão, fadados ao nada, ao fim. Tudo muito incerto. Muito duvidoso.

Onde mora Deus? No céu? Entre as nuvens e os anjos celestes ou entre os pobres coitados que moram embaixo do viaduto? O que quer Deus de nós? Que sejamos perfeitos, como se fossemos pré-programados as virtudes divinas ou que sejamos humanos e falíveis, pecadores? Que plano tem esse Deus para sua criação? O fogo eterno por não crermos e seguirmos suas leis ou céus por aceitarmos o seu amor incondicional?

No entanto, incondicional significa não estar sujeito a condições. Se para merecermos o seu amor, antes, precisamos seguir as suas leis, certamente, seu amor não será incondicional. Serão as condições do Deus humano, humanas? E se sua misericórdia dura para sempre, como para alguns, os pecadores, ela duraria até o juízo final? Ou será que não há amor, nem juízo final, nem fogo eterno, nem céu, nem condições? E se o fim da vida não houver nada além do fim? Do irremediável “game over”.

Há entre vós quem possa me sanar tais questões? Dar-me certeza sobre as coisas incertas e as respostas das perguntas que faço? Existe algum homem que saiba dessas coisas e possa, com autoridade irrefutável, sobre elas dizer? Ou o que nós sabemos são as coisas que meramente imaginamos, acreditamos, inventamos e deduzimos? Peço-vos que, por favor, se manifestem! Prove-nos ou, pelo menos, nos seduzam com uma outra e doce mentira. Que mal há de fazer mais uma mentira?

Eu queria crer que Deus fosse um velho sábio, de rosto acalentador, que transmitisse através seus olhos cansado as respostas que reclamam os corações partidos e sem rumo. Eu queria que Deus vivesse entre os pobres e sem-teto, que fosse para eles um lar, um lugar seguro. Eu queria que Deus virasse o mundo de cabeça para baixo, que nos salvasse de nós mesmos e que nos ensinasse sobre o amor. O verdadeiro amor.

Eu queria acreditar que esse Deus existe além do meu imaginário particular, das minhas suposições ingênuas, que fosse real, tangível e que se importasse com o sofrimento dos que padecem e também dos que estão perdidos. Eu queria; eu apenas queria acreditar que esse Deus não existe! Pois, se em algum lugar existir um Deus satisfeito com tantas dores, guerras, ganância, destruição, mortes e miséria e, calado em seu trono de glória, assisti-nos inerte em nossa autodestruição, penso que seria melhor que não existisse Deus algum.

Kleber Braga Pereira.