DISCURSO ACADÊMICO¹

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR²

Excelentíssimo Senhor

Dr. Paulo Miranda³

DD. Presidente da Academia Paraibana de Poesia

Excelentíssima Senhora

Drª Helena Raposo Carneiro da Cunha

DD. Vice Presidente da Academia Paraibana de Poesia

Excelentíssimos Senhores...

Meus Senhores e Minhas Senhoras.

“Conhece-te a ti mesmo”...

Da interrogação surge a resposta.

Da auto-análise, nasce o êxito.

Da procura, o progresso.

Da aceitação de si mesmo é o primeiro passo para adentrarmos nosso Eu e o misterioso Eu dos nossos irmãos acadêmicos ou não...

Aceitei o convite para ocupar a Cadeira nº 7, nesta Academia Paraibana de Poesia, que tem como Patrono o grande escritor paraibano: Carlos Dias Fernandes, por escolha unânime dos nobres e doutos acadêmicos que fazem esta casa de cultura da poesia paraibana, agradeci o honroso mérito e perguntei a mim mesmo, será que realmente tenho capacidade para ocupar tão honroso cargo acadêmico?... Ou o que farei para corresponder a confiança da elite das letras poéticas da Paraíba?... Fiquei perplexo e em silêncio, até porque o ditado popular já nos ensina que quem cala consente, e foi o que realmente fiz, agradecendo em primeiro lugar a Deus, o grande arquiteto do universo, por entender que somente ele é capaz de toda honra e toda glória.

Neste momento, lembro-me de minha primeira professora Beatriz Lopes Pereira, no Engenho Itapuá...

Lembro-me igualmente de minha Terra natal Sapé...

Santa Rita, o meu sonho dourado, minha segunda Terra natal...

Vejo minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus amigos de infância no Engenho Maraú, de saudosa memória, do cavalo que me levava para a escola para aprender o bê-a-bá, da Preta Rita que me servia de mãe de leite...

Meu coração recorda minha primeira comunhão.

Enfim, a lembrança eterna de meus avós, de meus tios e tias, de minhas irmãs que foram para Deus tão pequeninas.

O engenho apitava.

O trem Maria Fumaça, passava.

O Rio Paraíba, enchia.

O Rio Gurinhém, represava.

O carro de boi alimentava.

O rosário de mamãe, todos os dias.

Me enchia de fé, amor e graça.

Foi assim o meu período de infância, infância de menino de barriga cheia, criado no massapé da Várzea do Paraíba, junto com os filhos dos moradores mais humildes, trabalhadores e cultivadores da terra para meus pais.

Agora, deixo de lado o meu próprio Eu, e que nada tenho a acrescentar ao que foi dito pelo acadêmico que me saudou em nome desta Academia Paraibana de Poesia, e passo a falar dentro de meus poucos e humildes conhecimentos da pessoa e do grande escritor e poeta Carlos Dias Fernandes, que empresta o nome a Cadeira nº 7, que ora assumo por benemerência dos Excelentíssimos Senhores Acadêmicos e por gratidão minha a Deus.

Carlos Dias Fernandes, culto, irrequieto, inteligente, romântico e temperamental, foi um dos mais notáveis paraibanos de seu tempo. Nascido em Mamanguape - Terra de grandes tradições políticas e culturais, desde o Brasil Império, seu nascimento se deu em 20 de setembro de 1874, era filho de João Nepomuceno Dias Fernandes e de dona Maria Augusta Fernandes. Talvez por haver herdado da genitora, que era cearense, o espírito nômade, aos dezessete anos transferiu-se para o Recife, onde continuou seus primeiros estudos e onde pouco tempo permaneceu, mudando-se logo para o Rio de Janeiro, em cuja Guarda Nacional, ingressou, tendo alcançado na mesma o ponto de Tenente. Não era, porém, a vida militar que o fascinava, mas o jornalismo, atividade em que se iniciou na capital bandeirante, para a qual se havia transferido. Ao mesmo tempo em que escrevia para o “Diário Popular, ampliava seus conhecimentos gerais e se relacionava com as elites intelectuais da metrópole paulista. Como intelectual, filiou-se ao espiritualismo de Cruz e Souza, cujas idéias, originárias da França, dominavam então a intelectualidade brasileira daquela época.

Voltando ao Rio de Janeiro, Carlos Dias Fernandes escreveu para os jornais: Rosa Cruz, Gazeta da Tarde e A Cidade do Rio, este dirigido e orientado pelo grande abolicionista José do Patrocínio. Mas o espírito aventureiro do jovem paraibano leva-o a Manaus, cidade ainda embalada pelo luxo e opulência advindos da borracha e onde a fama de poeta o precede e, mais que isso, a de refinado sedutor. Na verdade, sendo um dos mais belos homens de seu tempo, além de poeta primoroso, o paraibano de Mamanguape, perturba a um simples olhar, as mulheres que o cercam.

Assim é que, na capital amazonense, onde parece refugiar-se todo feitiço dos trópicos, viu-se envolvido em rumoroso escândalo passional com uma menina da alta sociedade, que por ele intentara o suicídio. A duras penas, conseguiu livrar-se da acusação, sendo absolvido em memorável julgamento, enquanto lá fora do Forum de Manaus, no meio da rua, uma multidão ululante se divide, uns aplaudindo-o, outros sequiosos por seu sangue.

De Manaus, o poeta Carlos Dias Fernandes, muda-se para Belém, onde trabalha como jornalista na Província do Pará e onde alarga seu já vasto circulo de admiradores, os quais, embevecidos, escutam seus versos incendiários. Amando sobretudo a velha cultura clássica, Carlos mergulha fundamente no estudo do latim, de que se torna um dos maiores cultores de seu tempo.

E então que viaja à Europa, demorando-se em Paris e Nápoles em visita aos centros de cultura das duas cidades e percorrendo, palmo a palmo, os locais freqüentados pelos grandes poetas contemporâneos. Este igualmente em Veneza, onde reedita seu poema: Solaus. De regresso ao Pará, terríveis acusações de adultério e até uma de haver morto um rival em duelo, obrigam-no a fugir para o Recife, em cuja Faculdade de Direito reingressa, com o intuito de concluir seus estudos jurídicos e sociais. Porém, em decorrência da publicação de seu romance: O rapto de Helena, em alusão a vida irregular de certa dama da alta sociedade pernambucana, sofre agressão física e não poucas condenações. Partidário da candidatura de Dantas Barreto, granjeia prestigio e chega a Secretário do Diário de Pernambuco, em cujas páginas faz fulgurar sua inteligência privilegiada. Um novo romance: A renegada, escrito ao estilo de Emílio Zola, leva-o à cadeia, sob a acusação de haver ferido a moral pública. Indultado pelo Presidente da República Nilo Peçanha, por reconhecer os seus méritos intelectuais. Em seguida transfere-se para João Pessoa, assumindo, incontinenti, a direção de A União, por iniciativa do Presidente do Estado, Dr. Castro Pinto, homem de Mamanguape, assim como o próprio poeta. Mas também em João Pessoa persegue-o a intolerância e o rigor de uma sociedade que se firma na tradição e na invulnerabilidade da moral cristã ortodoxa. Para todos Carlos Dias Fernandes, com sua sensualidade, com sua beleza diabólica, com sua poesia romântica e ao mesmo tempo trágica, não passa de um bruxo, que fala latim melhor do que os padres, que esgrime tal qual um D’Artagnan, que ama a todas as mulheres, conforme afirma o grande escritor José Lins do Rego Cavalcanti em uma de suas crônicas sobre Carlos Dias Fernandes.

Na realidade, se muitas mulheres povoaram a vida do poeta, apenas uma o amou e foi por ele amada: Aurora, com quem viria a casar-se.

Como escritor e poeta, deixou numerosas obras, dentre as quais: Myriam, Sansão e Dalila, O Livro das Parcas, Terra de Promissão, Os cangaceiros, Talcos e avelórios, Fretana, O algoz de Branca Dias, uma biografia de Epitácio Pessoa e outros trabalhos em diversos jornais brasileiros.

Se fosse recitar versos de autoria de Carlos Dias Fernandes, a noite inteira seria pouca, pois seus versos são inúmeros e perfazem uma verdadeira Bíblia Sagrada da poesia paraibana e brasileira.

Jornalista, romancista, poeta, crítico, autor dramático, Carlos Dias Fernandes residiu em várias cidades, do velho e do novo mundo e, por onde passava, era temido por sua combatividade característica. Há leve semelhança em dormir e sonhar para em breve, “acordar no berço de outra vida”.

Como a noite é da poesia, quero neste momento, recitar o poema: Ternura maternal de Carlos Dias Fernandes, patrono da cadeira 7, que ora assumo.

I – As paredes da casa em vão procuro,

Quero dizer adeus e não consigo...

Vejo apenas o vulto amargo e amigo

Da morte que me estende o manto escuro.

Choro a estirar-me, trêmulo, inseguro;

O leito ensaia a pedra do jazigo...

Padeço, clamo e indago a sós comigo,

Qual pássaro que tomba contra um muro.

A névoa espessa enreda o corpo langue.

É o terrível crepúsculo do sangue

Que me tinge de sombra os olhos baços.

II – Ave que torna, em chega, ao brando ninho.

Ouço divina música na sala,

É a sua voz celeste que me embala,

Motes do lar que tornam de mansinho.

Ergo-me agora... o corpo é o pelourinho

De que me desvencilho por beijá-la...

Mãe! Minha mãe!... Suspiro, erguendo a fala,

A soluçar de júbilo e carinho.

Dorme, filho querido! Dorme e sonha!...

Nossa velha canção terna e risonha

Regressa com beleza indefinida...

Tomo-lhe os braços em que me acrisolo

E durmo novamente no seu colo

Para acordar no berço de outra vida.

Assim com pouco mais de cinqüenta anos, inteiramente desiludido com o atraso provinciano do Nordeste Brasileiro, muda-se novamente para o Rio de Janeiro, onde tenta mais uma vez o jornalismo. Porém, pertinaz moléstia obriga-o a uma intervenção cirúrgica, em 1926, de que veio falecer no mesmo Rio de Janeiro, e a Paraíba, de modo particular a cidade de Mamanguape, lhes devem o respeito, a honra e o mérito, em ver o seu nome imortalizado como Patrono da Cadeira 7, da Academia Paraibana de Poesia, que com a ajuda de Deus e permissão dos senhores, tenho a honra de em meu nome4 e especialmente em nome de meus familiares, dizer-lhes neste momento, muito obrigado.

..................

¹AGUIAR, Francisco de Paula Melo. Genealogia, História e Poesia. João Pessoa:Grafcolor, 1989.

²Fonte/1: Discurso(s) de posse na APP/05/04/1986:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=155698627928089&set=t.100004638574155&type=3&theater> - Página visitada em 21/09/2014.

³Fonte/2: Diplomação e posse na APP/05/04/1986:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=155698557928096&set=t.100004638574155&type=3&theater> Página visitada em 21/09/2014.

4Fonte/3: Decisão monocrática do STJ, transitada em julgado:

ACADEMIA PARAIBANA DE POESIA

CADEIRA 7 – PATRONO: CARLOS DIAS FERNANDES

REsp-1282265 PB (2011/0225111-0)

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=201102251110&pv=010000000000&tp=51

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/decisao.asp?registro=201102251110&dt_publicacao=7/5/2013

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=28033890&formato=PDF

Páginas visitas em 23/09/2014.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 24/09/2014
Reeditado em 30/03/2016
Código do texto: T4974569
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