O Branco

Há cerca de um ano atrás tive um sonho maravilhoso. Nele, eu estava sozinho num local completamente deserto e branco. Não havia sons, nem cheiros, nem movimento, nem vida. Tudo se resumia a uma infinita vastidão de branco, mais parecendo um oceano. Desde este dia a cor branca vem se instalando em minha vida.

Hoje parei para pensar nisso de novo. Cá estou eu, sentado numa cadeira branca, usando camiseta e shorts brancos, com tênis e meias brancas. O prato no qual eu jantei é branco. As calças que eu levei na costureira hoje, algumas eram brancas. Minha guitarra é branca, meu baixo é branco, minha bateria é branca.

Ainda não sei o que isso quer dizer. De onde veio essa obsessão por branco? Eu sempre odiei essa cor. Mas agora não consigo mais parar de pensar em branco. Qualquer coisa que eu compre e possa escolher a cor, escolho branco. Jogando GTA sempre pego os carros brancos. Então hoje resolvi meditar um pouco sobre o branco e tentar entendê-lo.

O principal motivo de eu gostar de branco é pela incrível sensação de paz e pureza que a cor me proporciona. Não que eu não use preto. Adoro roupas pretas. Mas quando as uso, me sinto ardiloso e soturno. Nenhum crime me parece hediondo o bastante. Nenhum sangue ou fluído corporal pode verdadeiramente manchar esta cor. Mas quando eu uso branco, me sinto exatamente como deve se sentir o criminoso que saiu da cadeia e decidiu abandonar a vida suja. É exatamente isso. Sinto que esta cor esconde todos os meus erros do passado, todos os meus pecados. Mas o ódio ainda perdura. Hoje fiquei nervoso com minha mãe, mesmo vestido de branco. Tive vontade de sumir da vida dela pra sempre, de ir para um lugar bem longe e sozinho. Não suporto mais viver com ninguém, mesmo vestido de branco. Às vezes quando me olho no espelho, todo de branco, com cabelo curto e cacheado, fico imaginando se aquela seria a forma de um anjo. Aí eu lembro que anjos jamais fariam as coisas que eu fiz. Não. Anjos não usam branco. Talvez usem camiseta da Onbongo e boné da Oakley, como meu irmão. Pelo menos este seria o ponto de vista de minha mãe. Ainda não sei o que os anjos usam, mas definitivamente não é branco.

Tenho sentido uma incrível sensação de bem estar. Mesmo cercado de ódio, por dentro e por fora. Mesmo vivendo nesta cidade onde viver cada dia é um sacrifício. Sinto-me bem. Tenho cultivados desejos dos mais absurdos: pular de paraquedas, bungee-jump, trilhas de moutain bike, parkour, kung-fu, LSD, morfina, uísque. É estranho. Nunca tive desejo por estas coisas. Sempre fui um taurino por excelência. Calmo, comportado, de pé no chão e sensível. Mas de uns tempos pra cá quero experimentar todas essas coisas em parte por elas colocarem minha vida em risco. Pra que viver até os 80? Pra receber uma aposentadoria de merda, não conseguir lugar sentado no ônibus e ter tomar remédios e mais remédios? Que se foda! Não quero viver como estas pessoas. Não mais. Quero passar por tudo isso, e se eu morrer no caminho, vão saber que eu morri feliz e fazendo o que gostava.

Hoje, mais do que nunca, tenho a certeza de que este mundo é apenas uma fina casca. As coisas não acabam quando morre. Ao contrário! É aí que elas realmente começam! Então vou aproveitar e queimar rápida e brilhantemente, como uma supernova. Existe muita coisa além disso, e tenho certeza de que o branco vai estar lá do outro lado.

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 19/05/2014
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