BAJULADORES

A empáfia e a soberba são características daqueles que lamberam e lambem as botas daqueles que se acharam senhores da vida e da morte do povo. São esses bajuladores que alimentam o ódio e a truculência; são esses que vilipendiam o povo quando esse sai às ruas. São esses, os carrascos de vidas e destruidores de sonhos. São esses, crápulas que se renovam, que pegarão em baionetas, tão logo o povo sai em luta por seus direitos. Estercos da humanidade, eis!, apresento-lhes o crepúsculo do deuses. A escrencência em carne e osso. Humanídeos sem definição plausível, dejetos de desejos não realizados.

Por todo lado se veem tais seres. São eles, camuflados em doutos senhores, acadêmicos igualmente camuflados, ventilam aos borbotões teses e mais teses que deem sustentação à mais ignominiosa façanha humana: a destruição dela por ela mesma.

Eis! meus caros, eis, a urbe em desfile mórbido. Eis, os calcanhares brancos e pele macia em marcha unida a cantar o canto morbífico eivado de estranhas palavras. Eis a raiva destilada sob falsas promessas. Eis, o cadafalso armado em praça pública, e o carrasco, o carrasco, escolhido entre os miseráveis para que a horrenda façanha adquira ares de harmoniosa convivência. E que dessa mitômana façanha, a plebe não se rebele contra a ordem posta e, obediente feito gado a caminho do matadouro, siga ela dócil e calma em procissão.

E, então o silêncio. O calmo e eterno silêncio dos que sabem o que querem e de quem querem. E para isso todos o meios são lícitos, todos o caminhos transitáveis e todos os textos publicáveis. Não lhes pesa n'alma o mínimo de dúvida, não lhes comove o mais dos magérrimos seres. Por que deveriam se preocuparem com a criança que morre antes de completar um ano de vida? Por que haveriam de perder noites de sono com aqueles que dormem sob viadutos, pontes e mesmo em calçadas? Ora, esses sentimentos, tão caro aos homens de bem e de poder, não é indicado que lhes tomem o valoroso tempo. O tempo da riqueza não é para fracos e sentimentais. Não se deve comover-se com a operário que morre numa queda, nem que o ítem de segurança não exista; são ossos do ofício, dirão, quase que com um sorriso no canto da boca, aqueles que planejam as ações mais eficazes. O tempo da riqueza não é o tempo de se perder tempo com ladainhas pueris. Pouco interessa se a fina flor do pântano oferece festas e que seus convivas sejam ilibadas autoridades cheias de processos; não isso não importa.

Eis. Eis o esgoto aberto, a pútrida gente senhora do destino de milhares de seres. São elas, são elas, com suas estúpidas maneiras e falsas palavras que açambarcam o erário. Eis. Eis as doutas autoridades instituídas das mais nobres façanhas, herdeiras de famílias seculares que, secularmente, vem a dilapidar o cofre do povo e dele se faz algoz. Eis. Eis os carniceiros. Senhores da guerra, senhores da morte, senhores nobres e torpes. Eis! Eis em frente a vocês o triste quadro. O horrendo mundo que vossas excelências construíram. Mas nada disso lhes toca, nada diz mais respeito a vós que a arrogância, nada mais perfeito nesse figurino comprado sobre o sangue de mães e pais famintos; de crianças sem pais nem mães. Ao desfile. A imprensa está a postos.

As luzes, tal qual a noite iluminada para o grande espetáculo, todas as luzes acesas a indicarem o tenebroso caminho porque transitam robustas senhoras acompanhadas dos seus excelsos senhores. Sorrisos fáceis a estamparem a irresoluta decisão de pôr à escanteio o triste quadro produzido às expensas de sangue, muito sangue, da laboriosa classe, entre todas, a mais numerosa.

Eis! Eis, o necessário grito prestes a ganhar o mundo. Eis o tempo do por vir pronto a balançar as estruturas palacianas. Eis, a fina flor a brotar do duro asfalto que assombra e ceifa a vida em nome do avanço a todo custo. Eis! eu lhes ofereço meu corpo em holocausto para que, em posse dele, possamos alimentar a terra e dela colher os frutos vindouros.