MEDALHA DO MÉRITO JOSÉ MARIANO
DISCURSO PROFERIDO QUANDO DA HOMENAGEM RECEBIDA NA
CÂMARA DE VEREADORES DO RECIFE – 23 DE NOVEMBRO DE 2006 -
PROPOSIÇÃO DO VEREADOR LUIZ HELVÉCIO
MEDALHA DO MÉRITO JOSÉ MARIANO.
Nossas vidas são repletas de sonhos, realizações e também frustrações. Muitos desses sonhos configuram-se nos ideais que buscamos em nossas existências, e parte deles não chegamos a concretizar.
Porém, nem sempre o que nos acontece é fruto de sonhos. Muitas vezes, o destino nos arrebata para vivermos situações inusitadas, verdadeiras surpresas, que se forem boas, melhor para nós...
Pois bem, neste momento em que sou homenageado, vivo intensamente a emoção do inesperado, daquilo jamais sonhado, jamais almejado, justamente no transcurso da Semana da Música, que ontem teve seu inicio - Dia 22 de novembro – Dia de Santa Cecília, padroeira dos músicos.
Agora, lembro da recomendação do meu irmão mais velho, Carlos, quando da euforia que tive ao graduar-me em medicina: “Lula, para cada degrau de progresso na vida, nós assumimos novas responsabilidades...”.
Esse degrau ora vivido tem significado tão importante quanto tantos outros que logrei na minha vida, ensejando em todos eles um sentimento singular, grandioso, ímpar, comparável à emoção que tive ao assumir a Cadeira No. 17 da Academia Pernambucana de Música, no dia 22 de setembro de 1998, ocasião em que sucedi ao grande compositor Luiz Bandeira, que por sua vez sucedera ao incomparável Luiz Gonzaga.
Naquele contexto, assumia eu a imensa responsabilidade com a música, em especial, com aquelas que têm fortes raízes em Pernambuco.
Desde que recebi o sábio conselho do querido irmão, procuro pautar os passos da minha vida com cautela e prudência, buscando sempre honrar aqueles que me confiaram novas missões, zelando, também, pela memória dos meus pais - que me ensinaram os princípios éticos que, infelizmente, estão esgarçados nos dias de hoje...
É preocupante e triste a época musical que vivemos, onde impera a sub-música como algo vazio, desprovido de esmero e conteúdo poético que lhe complete seu sentido estético.
Eu me pergunto: por que vivemos tão cruel realidade? A primeira explicação que me ocorre é que se trata de um ciclo em nossa civilização, onde os fatos vão ocorrendo e as indignações se avolumando a tal ponto, que surge uma espécie de “revolução sem armas”, que exprime a exaustão de tudo que repudiamos ao longo desses anos nefastos para a nossa boa música.
Por outro lado, esse processo de degradação não ocorre só no Brasil. Se verificarmos os exemplos mundo afora, nada é diferente. Em tudo isso há um ponto que considero fundamental: a educação. Jamais poderemos exigir das gerações posturas para as quais elas não foram educadas e orientadas.
Um dos fatos negativos que propiciou esse "status quo", foi a supressão da música do currículo escolar, e sem a educação musical, como podem os jovens exercitar seus pendores artísticos nessa arte tão rica?
Não recordo o autor desta frase, mas é a pura verdade: “quem não ouve não toca, e quem não lê não escreve”. Indiscutivelmente, o que nossa juventude ouve nas rádios é, em grande parte produto massificado de péssima qualidade e que deseduca a sua formação cultural.
Neste misto de gratidão e alegria, aflora em mim, também, a responsabilidade e preocupação que não se dissociam do contexto, e não devem ser somente minhas, nem tampouco, de alguns outros que estão ligados à preservação dos nossos valores culturais, como o nobre Vereador Luiz Helvécio, que além de estar fortemente vinculado aos problemas ambientais do Recife, encontra-se igualmente envolvido com os rumos da nossa cultura, o que muito nos conforta, por ser mais um aliado nesse grande mister. Assim, não estamos sós nessa árdua missão.
Contudo, ressaltamos que a obrigação é de todos os cidadãos, cabendo responsabilidade maior aos poderes constituídos nas esferas específicas da educação e cultura, que tem o dever de gerir, promover e zelar pelas nossas ricas manifestações culturais.
Temos um exemplo muito próprio e presente nos nossos dias: o frevo. Esse ritmo tão fascinante, envolvente e rico, está na marca dos cem anos de existência, pois a palavra frevo apareceu na imprensa escrita pela primeira vez em 9 de fevereiro de 1907, segundo o pesquisador Evandro Rabelo, e a Lei municipal nº 15.628, sancionada no dia 28 de abril de 1992, instituiu o Dia do Frevo, a ser comemorado anualmente no dia 9 de fevereiro.
Em abril de 2006, noticiou-se, no mundo inteiro, que os alunos da Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges, receberam Medalha de Prata no concurso de dança Youth América Prix, objeto, também, de Editorial no Jornal do Commercio, do dia 10 de maio deste ano.
Esse êxito não foi fácil, pois, concorreram com representantes de 54 países, com cerca de 400 participantes. O mérito recai na determinação e qualidade do que apresentaram e que serviu de referência do que temos de bom, para aqueles que julgaram o certame.
É importante frisar que, não raro, o que temos de belo e autentico faça sucesso alhures, para depois ser plenamente reconhecido e brilhar aqui, no seu nascedouro. Essa omissão e desconhecimento precisa acabar, e depende tao somente de nos.
Com toda essa grandeza reconhecida lá fora, nosso frevo vivenciou nos cem anos de existência diversas crises, como um paciente que viveu na UTI, onde os termômetros sociais acusaram melhoras, pioras e quadro estável, como que num ciclo de inacabável e inaceitável agonia.
Ora, já é tempo de abolirmos do nosso dicionário a palavra “resgate”. É comum vermos sua utilização em depoimentos de toda ordem - inclusive, eu já a utilizei várias vezes, pois o trabalho era realmente de imperioso resgate...
Sabidamente, só se resgate quem está se afogando, ou quem está em situação de emergência, e não me parece justo que nosso ritmo maior que eleva o nome do Recife como a Capital do Frevo, deva viver eternamente sendo “resgatado”, evidenciando assim, que não tratamos bem as nossas coisas e causas e, por conseqüência, devemos estar sempre atentos para “socorrê-las” evitando, assim, que sucumbam... Isso é lamentável !
Vale assinalar aqui, um desabafo que não é somente meu. Avizinha-se o dia 9 de fevereiro de 2007, gloriosa data do Centenário do Frevo. O trem da alegria está festivo, vibrante, e não poderia ser diferente, porque Frevo e festa. Porém, há no comboio, infelizmente, o vagão dos omissos, daqueles que não valorizaram o frevo como deveriam ao longo desses anos e agora, aproveitam a magnífica data para dar um passeio ao lado dos insurretos que sempre lutaram por sua grandeza...
Enfim, reconhecem que estávamos certos. Melhor assim. Antes tarde do que nunca...Aos que abrigam aquele vagão, um conselho - mergulhem em suas consciências...
Isto posto, sugiro ao nobre amigo e homem público, Vereador Luiz Helvécio, que exercita com grande sensibilidade sua tarefa parlamentar para o engrandecimento da nossa cidade, que inclua no seu plano de atividades um projeto de lei reintegrando a música como matéria curricular nas escolas da municipalidade.
O grande abolicionista José Mariano, Patrono desta Casa e lutador incansável pela libertação dos escravos, deixou um exemplo marcante na história do Brasil e do mundo.
Digno de louvor seu trabalho pela igualdade das raças, que foi uma bandeira pela conquista dos direitos humanos.
Espelhemo-nos nesse exemplo humanístico e lutemos em outra vertente, pela preservação das nossas riquezas culturais, começando pela valorização dos nossos artistas, visto que, a cultura retrata a alma de um povo, e se zelarmos por ela, estaremos perpetuando nossa história construída ao longo dos anos.
Vale ressaltar, no contexto, o trabalho desenvolvido pela Presidente da Academia Pernambucana de Música, Leny de Amorim Silva, cujo trabalho tem um extraordinário retorno social, mantendo com extremo sacrifício uma escola de iniciação musical para crianças carentes.
Elas estudam na Escola Sol Maior, que é dirigida e mantida pela nossa Academia, sem contar com nenhum recurso oficial, promovendo o estudo da música para 60 alunos que recebem aulas de professores voluntários.
Alguns desses alunos já galgaram espaço profissional e, por conseguinte, não trilharam os escusos caminhos da marginalidade, o que já justifica a iniciativa, que já seria válida, mesmo que somente uma delas lograsse esse belo êxito.
Se a música não enriquece a maioria dos profissionais que a ela se dedica, com certeza, alimenta a alma e minimiza o embrutecimento do homem. Serve, também, para alento de tantos enfermos que se submetem a musicoterapia, a exemplo do brilhante trabalho do Professor e Médico Paulo Barreto Campelo, que há anos se dedica a essa causa tão bela e nobre.
Agora, ainda emocionado, registro os meus agradecimentos ao nobre amigo, Vereador Luiz Helvécio pela escolha do meu nome, com certeza, garimpado entre tantos que se envolvem e dedicam às nossas causas culturais e, ainda, aos demais membros ilustres desta Casa, pela acolhida da proposição que me concede a Medalha do Mérito José Mariano, comenda que permanecerá indelével na minha memória, sendo motivo de elevada honra para mim.
Finalizando, gostaria de dizer: Nobre Vereador Luiz Helvécio: V. Exa. tenha sempre em mente a minha sincera e eterna gratidão, como sendo a “memória do coração”. Muito Obrigado.