Desabafo.

Teimo em escrever, em colocar os parágrafos nos lugares certos, em normalizar tudo aquilo o que tenho a dizer em norma culta... E eles não saem. Os textos simplesmente não conseguem mais fluir, pelo simples fato de que aquilo que eu penso, que eu quero dizer, não ser mais um texto. Não é poema, não é prosa, não é um texto a ser moldado. É um grito, é um suspiro, uma revolta que se cala dentro de mim. Não são palavras, é um urro, um murro desolado. Porque tá tudo tão... A muito tempo tá tudo muito errado. Talvez desde o início, onde meus olhos já não aguentam compactar com o nosso próprio fim. Cada palavra é um desânimo, uma não certeza se eu quero ver o dia seguinte como ele se apresenta hoje na minha frente. E eu fico puta, PUTA! Sem pudor, sem amor, sem ortografia refinada. Eu fico puta por essas regras todas, por esses dogmas injustos, por essa corja de imorais. Eu fico puta! Puta e envergonhada por ter nascido em meio a tudo isso. Eu sou burguesia, eu nasci em meio ao lixo e ao dinheiro. E eu me envergonho sinceramente de tudo isso. Me sinto culpada, me sinto vendida...

A um tempo eu conheço um rapaz, branco, mas favelado, com um piercing gigante nos lábios no estilo das tribos africanas. Ele é lindo, sem apesares. Vai à biblioteca todos os finais de semana, e trabalha com artesanatos. Ele nunca estudou em escola particular, nunca teve meus privilégios. Ele não sabe as regras gramaticais, confunde sujeito com objeto. Mas seu português, sem gramática, sem pontos e vírgulas, basta cinco minutos de conversa pra que eu, com toda a minha gramática, eu e meu sujeito paciente, objeto indireto, adjunto adnominal, ficamos boquiabertos com as suas ideologias. Ele, sem um estudo sistemático da história, sem análise de obras, muitas vezes sem professor, sem escola, sem suporte, já faz muito mais que eu. Ele em seus projetos sociais, sem assistência médica, sem reboque na parede... E eu em meus discursos revolucionários de conversas de bar, sentada no meu berço de ouro, formando ideais contra o capital que me possibilitou uma análise crítica de seu próprio sistema. Eu, com todo o meu conhecimento, sou hipocrisia, sou impotência. E é isso que mais me dói. Eu não me conformo pelo fato de eu ter muito mais oportunidades do que ele. Ele podia fazer coisas incríveis, e com certeza fará, mas o quanto um estudo adequado, um apoio, um suporte, não maximizaria tudo isso? E eu me envergonho pela minha análise, pela minha comparação que eu acabo de fazer. Não, não, não! Tá tudo errado. Ele não deveria ter um estudo como no sistema em que eu estou. Ele não deveria ter um apoio, um suporte.. Ele deveria ter a ESCOLHA de ter esse suporte. Se ele realmente desejasse, ele deveria ter o direito de acesso a mesma qualidade de ensino que eu. E se ele não quisesse, e se eu não quisesse... Deveríamos ter a escolha de poder não depender de tudo isso!

Pamella R
Enviado por Pamella R em 21/11/2013
Reeditado em 21/11/2013
Código do texto: T4580915
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