Livros me fazem companhia.
Há algo naquelas páginas, naquela ordem continua de caracteres, espaços, sequências que vou decodificando linha a linha. Sim há algo que me dá segurança, calma e bem estar.
Desde as primeiras linhas lidas de um livro, hoje apenas parcialmente presente nos tempos da infância, que com um deles aberto passo noites seguras, nada poderia me atingir enquanto minha mente estivesse imersa nas historias, nas vidas dos personagens que viviam por mim e comigo aquelas noites da infância, que fora deles me assustavam tanto.
Como era difícil vir ao real e sair da cama, do reino de ler solitário e ao mesmo tempo tão acompanhado, para o corredor escuro que levava ao banheiro assustador, nada na ficção me assustava mais do que imaginar o que podia ser real, mesmo que este real só eu sentisse.
Era um correr ao ir, uma pressa do laborar e um curisco de voltar. Me jogar mesmo de longe na cama, cobrir e voltar rápido a segurança da realidade do ler.
Ufa! Ali naqueles primeiros livros o que era bom era bom o que era ruim era ruim e perdia no final, tão certo como o sol nascer trazia a luz para o quarto e aí sim eu podia dormir, pois as criaturas reais do mal não saem a luz do amanhecer das crianças.
Foi na companhia constante deste amigo de milhões de páginas que peguei amor pelo ler, os livros foram ficando mais complexos, já não tratavam de formas definidas de bem e mal, mas eu também já tinha crescido, já tinha me aproximado do mundo assustador da adolescência, onde uma enorme arrogância substitui nosso pensar e não tememos o que deveríamos temer que é nossa própria ignorância, os livros já tinham um conteúdo erótico que levava agora a um novo tipo de labuta nos intervalos, ou mesmo durante, a leitura, é fazia parte laborar para entender o que acontecia ir se aprendendo, ali estava o livro, as vezes ilustrado, escondido dentro das edições permitidas pelos provedores, de literatura para adolescentes.
Os medos eram outros e não definidos nem para nós mesmos. Medos do crescer.
Depois vieram os livros mais acadêmicos, leituras que para tantos era obrigatória, eu devorava, procurava mais, aprendi o caminho da livraria, não viajava sem levar um parceiro cheio de letras comigo, as noites fora de casa as vezes ainda eram assustadoras.
Passei até agora meus 50 anos lendo e relendo, sem muita ordem, apesar das necessidades de estudos, mas a sede de chegar ao fim daquela página, ao fim do capítulo, ao fim do livro, continua a mesma, mesmo que o dia amanheça, me pesa deixar as páginas sem concluir o que tem a me dizer.
E hoje, morando só, gripado e com febre, recorro aos meus velhos parceiros de jornada, para me fazer companhia. Obrigado livros por me fazerem leitor da vida que vocês me proporcionam.