Do Angola ao Djumbay: imprensa negra 5
O I EETO foi realizado no período
de 4 a 6 de agosto de 1989 e foi importante,
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também, para o Angola. Pois, no
período de abril a julho de 1989, saíram
quatro edições do Angola, todas elas trazendo
chamada para o evento, inclusive
a programação completa do I EETO, que
foi realizado no Centro de Convenções do
Recife. O envolvimento do Angola com o
I EETO se justifica pela vinculação dos
editores com o INTECAB, órgão promotor
do evento, e pelo fato de que o Angola
não ter se afastado de sua temática central:
a mesma do encontro. Daí ser a te-
mática afro-religiosa conteúdo de todos
os artigos publicados e de quase todos os
informes divulgados nas seções para este
fim, seja o Adarrum, o Roteiro ou o Candomblé
é notícia. Os artigos descrevem
características de alguns Orixás, histórias
de terreiros do Recife e outras questões,
sempre vinculadas ao universo religioso.
As notas informativas tratavam, quase
todas, da divulgação de atividades religiosas.
Os informes revelavam que o Angola
mantinha articulações não apenas
com cidades do interior de Pernambuco
(Caruaru, Capoeiras, Floresta, Vitória de
Santo Antão, Arcoverde e outras), como,
também, de outros estados, a exemplo de
Florianopólis, Estado de Santa Catarina.
Naquelas páginas foi possível acompanhar
ações da luta contra o racismo na
capital pernambucana; as apresentações,
no Teatro de Santa Isabel, do Bacnaré –
Balé de Cultura Negra do Recife e a turnê
pela Europa; a formatura em Direito
de Edvaldo Ramos; atividades do Afoxé
Alafin Oyó; reuniões do MNU; o apoio de
Malu, presidente do Grupo Afro Axé da
Lua, na distribuição do Angola nos terreiros
de Olinda e a turnê do Maracatu
Porto Rico na Europa.
Portanto, o Angola cumpriu seus
objetivos, sintetizados na edição n05:
(...) Mais felizes ficamos ainda, em saber
que estamos preenchendo uma lacuna
na área de informações dirigidas para
essa comunidade tão carente de notícias
para e sobre ela. Nos grandes jornais,
televisões, rádios e outros meios informativos
o noticiário sobre instituições e
pessoas ligadas a religião afro-brasileira,
sai sempre de maneira pejorativa, quando
não, no noticiário policial. Dificilmente,
e em raras ocasiões, são procurados
os legítimos representantes dessa
religião, que sempre foi e continua sendo
tão perseguida, para esclarecimentos
públicos sobre matéria tão relevante
para nós integrantes da comunidade
religiosa afro-pernambucana. Por isso,
esse nosso informativo, NOSSO mesmo,
está aqui de volta, para publicar notícias,
entrevistas e outras matérias de interesse
dos nossos irmãos e irmãs, Babalorixás
e Iyalorixás, praticantes, simpatizantes
e estudiosos da nossa religião.28
Igual postura foi mantida ao longo
dos 26 anos do jornal, que publicou em
2007 uma edição especial, em virtude
da homenagem prestada pela Câmara
Municipal do Recife, proposta pelo vereador
Vicente André Gomes, do PC do
B, com vasta lista de apoio às ações do
Movimento Negro na capital pernambucana,
ao advogado Edvaldo Ramos e
à enfermeira Inaldete Pinheiro, ambos
fundadores do Movimento Negro do Recife.
A homenagem constou de concessão
da mais importante comenda do legislativo
municipal recifense – a medalha
José Maria – ao advogado; e do título
de cidadã recifense à enfermeira, natural
de Parnamirim, no Rio Grande do
Norte. Assim, os homenageados e o vereador
autor da proposta, considerados
fundamentais na luta contra o racismo
na capital pernambucana, tiveram suas
biografias publicadas nessa edição espe-
28 Id., nº5. Recife, maio/1989.
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cial do Angola, sendo possível verificar
que essas biografias e a(s) história(s) do
Movimento Negro recifense se cruzam,
destacando-se o Angola como um lócus
dessa e de tantas outras encruzilhadas.
Pelas páginas desse jornal, encontramos
o MN atuando, com distintas
estratégias e posicionamentos, no carnaval,
na religiosidade, nos sindicatos e nos
partidos. E mais, foi possível perceber o
lugar de destaque da ancestralidade africana,
por meio dos aspectos religiosos,
na construção das práticas discursivas do
Movimento Negro em um enfrentamento
racial pautado em múltiplas identidades.
Assim, a luta contra o racismo não
pode estar desvinculada da luta contra a
intolerância religiosa, nem das experiências
historicamente construídas e vivenciadas
pela população negra no trato com
o divino.
Negritude
O Negritude é o órgão de divulgação
do MNU-PE, instituição fundada no
Recife em 1982, com atuação até os dias
atuais. O primeiro exemplar saiu em novembro
de 1986, em papel jornal, com 4
páginas, impresso em off-set e com tiragem
de 1000 exemplares, distribuídos
gratuitamente.
O projeto editorial do Negritude sofreu
alterações ao longo do tempo. Havia
um núcleo permanente composto pelas
seguintes editorias: matéria de capa, editorial,
matérias internas e expediente. As
demais seções se revezavam ao sabor da
conjuntura. Entrevistas, indicações de li-
Até então, a redação era de responsabilidade
da Comissão de Imprensa, responsável
pela elaboração das matérias
que saíam sem assinatura, uma vez que
representava o pensamento da instituição,
MNU, e do grupo, a Comissão de
Imprensa. Assim, até o número 5, publicado
em maio de 1988, só assinavam
matéria aqueles que não se incluíam no
quadro de militantes do MNU-PE29. A
partir do sexto número, publicado em
agosto de 1993, todas as matérias pas-
29 O MNU-PE tinha dois tipos de integrantes: os militantes
e os simpatizantes, estes com laços mais
fluidos com o Movimento. Exceção do número 4,
que registra no Expediente que a matéria de capa
é de autoria do militante do MNU-PE, Marcos Antonio
P. da Silva.
vros, poesias, divulgação de cursos, notas de
falecimento e cartas do leitor. O expediente
do Negritude só foi alterado no número 6.
NEGRITUDE nº3 . Recife, mai, june jul de 1987.
Fonte: Acervo particular Martha Rosa.
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saram a ser assinadas e a comissão de
imprensa nominalmente identificada30.
A tiragem também só foi identificada a
partir do número 6, com 1.000 exemplares,
que foram distribuídos gratuitamente
nas reuniões do MNU e em eventos da
comunidade negra.
Não havia sistema de assinatura e o
jornal era custeado pelo próprio MNU-
-PE, com apoio de alguns colaboradores
para composição, diagramação e impressão.
Dentre as parcerias citadas, constam
ECOS – Equipe de Comunicação Sindical
e SINDSEP/PE. Apoios nas áreas de
composição, diagramação e ilustração
não foram registrados, pois os profissionais
realizavam os serviços a baixo custo
ou gratuitamente para o MNU-PE. Para
ilustrações/diagramação, a equipe utilizava
ilustrações, charges, fotografias extraídas
de pôsteres, livros ou outras publicações,
além de fotografias produzidas
pela comissão do jornal. Neste último
caso, o amadorismo se revela em fotos de
baixa qualidade.
Com a mudança do projeto editorial,
a editoria ‘eventos’ passou a ser
intitulada “Espaço Azeviche”. Quanto
à identidade visual, o Negritude sofreu
algumas alterações. Até o número 5, o
nome do jornal era gravado em letra ao
lado de logotipo, criado por Lepê Cor-
30 O expediente passou a ter os seguintes créditos:
Coordenação de Comunicação: Alzenide Simões
(Leu); Redação: além da coordenadora de Comunicação,
outros militantes: Mônica Oliveira, Vilma
de Deus, José Alves Dias (Zeca); Marcelo Pedrosa,
Martha Rosa. A diagramação e composição
alternavam, porém a militante do MNU, Vilma de
Deus, cumpriu essas funções em alguns números
- Tiragem : 1.000 exemplares.
reia31. No número 6 e na edição especial
de carnaval, a grafia do nome vem ao
lado da logomarca do MNU. Os números
7 e 8 trazem a grafia do nome incorporando
ao seu interior a lança, marca do
MNU. No que se refere ao formato, todos
os números vinham em tamanho oficio.
O Jornal do MNU-PE atuou de 1986 até
novembro de 1994, assim distribuídos:
um número em 1986; três em 1987; uma
edição especial em 1988; um número em
1993; três números em 1994. Portanto,
em oito anos foram nove edições de forma
não periódica, sempre ao sabor da
conjuntura política da instituição, MNU-
-PE, e dos apoios disponíveis.
O forte do Negritude eram as matérias.
Em sintonia com a instituição que
representava, a editoria do Negritude tinha
sede de texto (in)formativo. Quanto
mais (in)formação melhor. Assim, o primeiro
número trouxe matéria de capa intitulada
“o negro e a constituinte”, gravitando
em torno da histórica exclusão dos
negros, índios e pobres das instâncias
legislativas, as quais eram “eleitas por
uma minoria de privilegiados da nação,
as assembléias constituintes sempre
foram a expressão viva da classe
exploradora”32. Essa matéria evidenciava
que o MNU optava por discorrer sobre
o processo histórico, destacando a situação
social do negro. Quanto à Assembleia
Constituinte responsável pela elaboração
da Constituição Federal de 1988, assim
se posicionou o Movimento: “defende
31 Severino Lepê Correia é comunicólogo, professor,
cantor, compositor e artista plástico.
32 Negritude, nº 1, out/nov/1986.
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