Discurso de Formatura - Graduação em História

Hoje falo em nome dos meus colegas do Curso de História. Colegas que, embora possa parecer estranho, mesmo com a convivência diária desses anos não conseguiram constituir uma turma homogênea. Somos indivíduos soltos, diferentes, alguns já se conheciam antes do curso de graduação, outros se viram pela primeira vez no dia da prova do vestibular ou na primeira aula do curso.

Destes indivíduos, tem quem gosta de Axé, de música sertaneja, fotografia, estórias em quadrinhos e música japonesa. Tem quem gosta de blusinha, calça apertada e maquiagem. Mas há o que prefere camisetas, chinelos, saia longa. Tem quem nunca quis tirar os brincos das orelhas, nunca foi pra o Campus Jatobá em um ônibus lotado, tem quem nunca encheu um caderno com anotações das aulas. Tem loiros, morenos, altos e baixinhos. Tem quem use guarda-chuva pra dar aulas. Tem quem gosta de amarelo. Mais ainda, tem alguém que TEM uma bolsa amarela . Falando em cores, alguém se lembra do vestidinho verde nas aulas de História da América?!

Tem o indivíduo rico, o pobre, o estudioso e também o turista. Tem o professor, o vendedor, tem alguém desempregado. Tem o funcionário público, tem quem pula de loja em loja, tem bolsista, badeco, e acreditem, tem até a Rainha da Soja. Tem pai, filho, filha, mãe, esposa e avó. O bebê que veio durante o curso, mas que nunca assistiu a uma aula. Tem irmã dedicada, amigo inseparável. Tem o santinho, a baladeira, o pudico e recatado.

Tem quem chegou até aqui, tem o que está vindo aí, mas tem outros, inesquecíveis, que foram embora ou buscaram caminhos diferentes. Tinha o mineiro de dreads e alargador na orelha, O rapaz da namorada ciumenta, O eterno presidente da comissão de formatura, A pedagoga amorosa e a loira sua amiga, Nosso colega que estava sempre nos corredores, mas sempre tirava de letra as provas que fazia.

E são assim estes indivíduos. Cada um deles com ideais, pensamentos e preferências diferentes. Vindos de caminhos, crenças e lugares diversos. Cada um com uma luta e uma expectativa do curso. Estas diferenças evidenciaram-se nas discussões ao longo dos quatro anos e nos grupinhos que se formaram logo no início do curso. Os laços se estreitaram, deixamos transcender nossos sentimentos, encontramos amigos inseparáveis.

Lado a lado, estudamos em salas de aula sem portas, sozinhos, isolados de outros cursos, ilhados pelo alagamento dos corredores em época de chuva. Desfrutamos da irregularidade de nossos cursos, não todos, onde a força de vontade ainda engatinha regida pelo defasado sistema de ensino público, onde os números valem mais que a realidade e qualidade.

Mas, unidos aos colegas de curso, outros estudantes das Ciências Humanas e aos professores, aprendemos a lutar. Conseguimos algumas salas, ocupamos espaços e demonstramos nossa importância. E talvez o mais importante [...] nesse caminhar adquirimos consciência da mudança que podemos fazer no mundo, a certeza de que, quando temos objetivos em comum, e arregaçamos as mangas, à vontade e o companheirismo de um grupo lubrifica as engrenagens da História da humanidade.

Tivemos várias desavenças, muitas comissões de formatura e cada um dos integrantes destas comissões tiveram uma participação positiva para a realização destes eventos. Sempre haverá as diferenças entre nós e, se continuarmos a ter encontros do grupo da terceira turma de História, presenciaremos várias outras discussões. Porém, mesmo com todas estas eventualidades, particularidades e atritos, caminhamos, lutamos e vencemos juntos.

É por este motivo que estar aqui hoje representa um enorme privilégio. Tivemos o que a maioria das pessoas não tem: a oportunidade de termos estudado em uma Universidade Pública. De termos conseguido nos ‘formar’ nesta universidade. Mas, acima de tudo, o privilégio de termos sido transformados. Pois éramos sujeitos normais. Hoje, somos diferentes: críticos, pensantes, errantes. Talvez estranhos para alguns. Mas, inegavelmente conscientes.

Lembro-me dos nossos primeiros dias de aula na graduação quando os professores no indagaram por qual motivo(s) escolhemos este curso, por que estávamos ali. Não tínhamos a menor ideia do rio de incertezas que iríamos atravessar. É provável que não soubéssemos exatamente por que a vida tinha nos levado até ali.

E nestes anos, vivemos muitas experiências construtivas, mas também restritivas. Crescemos como ser humano, amadurecemos. Sobretudo, aprendemos a discutir aspectos da sociedade, da cultura, da política. Aprendemos, a questionar o mundo em que vivemos, a buscar respostas e soluções para os problemas que assolam a sociedade, apesar de nem sempre as termos.

Muito desses aprendizados devemos aos nossos professores. Nossos orientadores, guias e amigos. É imensurável a contribuição de cada aula, cada texto, discussão, trabalho pesquisado e apresentado. Reconhecemos a importância dos professores do curso de História e Pedagogia, os quais provavelmente inspirarão nossas posturas como historiadores e professores. E para jamais esquecermos: prova oral de História Antiga, os textos de Braudell, Pesavento, Hobsbawn, Caio Prado Jr, os Pepinos da professora Renata, o Casa Grande e Senzala, os melhores congressos de Jataí e também as infindáveis discussões sobre a mídia e a educação no Brasil.

O curso de História nos despertou a noção de que não há como nos contentar em passar a vida reclamando dos problemas educacionais. Percebemos que, para realizar algo concreto para modificar esta realidade, precisaremos lutar, mesmo diante das incertezas que assolam a educação em nosso país.

Por isso escolhemos ser professores de História e, consequentemente, pesquisadores. Há entre os alunos dos cursos, pessoas que renunciaram a empregos públicos, que poderiam ter cursado Medicina ou alguma Engenharia, pessoas que abandonaram o curso de Direito e outras carreiras tão prestigiadas (em detrimento das licenciaturas) para, como já dizia Carlos Drummond de Andrade: “[...] ressucitar o tempo [...] [...] contar o que não faz jus a ser glorificado e se deposita grânulo no poço vazio da memória.”

Não somos superiores, inferiores, missionários ou vocacionais, somos profissionais! E, mesmo sabendo de todos os problemas que o professor enfrenta, escolhemos esse ofício.

É hoje um dia de muita alegria, um momento esperado e de grande significância para os perseverantes que passaram 4, 5 ou mais anos dentro desta Universidade, acreditando nesta vitória. Destacamos ainda, que a felicidade não é diretamente proporcional ao tamanho da conta bancária. A felicidade é medida em outros valores, alguns quase incompreensíveis ao homem, valores que nos transcendem e nos direcionam pelos caminhos dos nossos sonhos. Como resultado desse percurso hoje nos tornamos historiadores!

Jataí, 27 de março de 2012.

Fabi Rodrigues
Enviado por Fabi Rodrigues em 16/04/2013
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