Dos direitos de sonhar e de sorrir

(Discurso referente à terceira atividade da disciplina de acompanhamento processual do Curso de Direito da UFRN)

Boa tarde a todos aqui presentes, senhores e senhoras, colegas de profissão e amigos por vocação,

Inicialmente, agradeço a oportunidade de compartilhar um pouco das experiências e histórias vividas dentro do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Esta é, verdadeiramente, uma ocasião de comemoração, como atesta sua mais verdadeira semântica, que remonta ao sentido de co-memorar, isto é, rememorar em conjunto, em comunhão partilhar as lembranças, os acontecimentos e as experiências que se destacam na minha breve passagem pelos bancos da universidade.

E assim inicio, sendo impossível me furtar da lembrança do estudante que me recebeu no primeiro dia de aula no “Glorioso Curso de Direito”, como ele gostava de chamar. Ubirajara de Holanda, advogado recém-formado da casa, cuja vida foi brevemente interrompida em decorrência de um acidente de trânsito. Este, certo dia, falou que “antes de ser um homem de sucesso, desejava ser um homem de valor”.

E ser um homem de valor significa, nos dias de hoje, concretizar na integridade e na personalidade a retidão, a honestidade, a lealdade, a solidariedade e a fraternidade que se revelam como pilares do que se intenta conceber como Justiça.

Não aquela Justiça, entretanto, que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com floreios de vã retórica. Não há espaço para a Themis, deusa romana da Justiça, que permitiu se vendar os olhos e alterar os pesos da balança. Muito menos para a deusa grega Diké, cuja espada corta sempre mais de um lado que do outro.

Mas sim se está a falar daquela Justiça que representa sinônimo rigoroso do ético, tão indispensável para a felicidade do espírito como o é o alimento do corpo para a vida, emanação espontânea de um imperativo moral de respeito pelo direito a ser que assiste a cada ser humano.

Charles Chaplin, no filme “O grande ditador”, em seu discurso final pronuncia palavras que hoje, mais de meio século depois, permanecem atuais – e salutares para o Direito e seus protagonistas: “Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, o mundo será de violência e tudo estará perdido”.

Por compreender como vital para o profissional do Direito o senso humanitário de justiça que se revela na indignação em face das negações e das violações aos direitos de cada ser humano, gostaria de, brevemente, agradecer àqueles que se revelaram meus maiores professores na academia: Seu Renilson, Cícero, Cazuza, Dona Tatinha, Dona Ruth e Dona Noêmia.

Moradores da zona oeste, cuja realidade destoa completamente da cidade que

conhecia e em que conjuntamente vivemos, que a partir do projeto de Extensão Lições de Cidadania tive a possibilidade de conhecer e com quem aprendi muito mais do que saberia ser capaz de ensinar.

Na Extensão da universidade conheci Dona Noêmia, senhora de 72 anos, que se alfabetizou aos 65 para poder escrever seus poemas, que tinha natural vocação em declamá-los.

Aprendi também que o Direito só é entendido plenamente quando deixamos de olhar para o espelho e lançamos os olhos à janela e, então, tive a oportunidade de entender que a Constituição é um cajueiro.

Isto mesmo, a Constituição Federal é um cajueiro, cuja raiz vem da construção de outros tempos, de outras mãos e, principalmente, de outras lágrimas; cujo tronco é a sua força e sua integridade e; que seus frutos são os direitos, que somente alimentarão aqueles que diariamente os regarem.

O trabalho realizado no Conjunto Habitacional Leningrado rendeu acompanhar a criação de um CMEI e suas atividades, a vinda de transporte escolar, iluminação na entrada do conjunto, o projeto da criação de um posto de saúde e a criação de uma linha de ônibus que há oito anos era uma promessa do governo.

Com todos esses moradores aprendi que a Dignidade da Pessoa Humana, tal qual inscrita na Carta Magna de nosso país, somente será realidade no cotidiano de todos os cidadãos brasileiros se for possível garantir dois direitos que não estão, contudo, inscritos na Lei Maior, quais sejam o direito de sonhar e o direito de sorrir.

Sem estes, todo o aparato judicial perde seu sentido e, por esse aprendizado, a eles dedico meus agradecimentos e meu carinho, pois são eles meu orgulho e sua amizade é minha íntima vaidade.

Quero, ainda, compartilhar a primeira vez que, em sala de aula, citei o velho barbudo vestido de vermelho: o Papai Noel. Certo dia, um professor me disse, diante de todos os meus colegas de classe, quando não entreguei um trabalho de avaliação em razão de uma enfermidade que contraíra, que, “é claro que eu não tinha feito o trabalho, já que sequer fazia a barba”.

Com 20 páginas a mais, jurisprudência, direito comparado e legislação esmiuçada, entreguei na aula seguinte a atividade solicitada com um adendo essencial: “Não é preciso fazer a barba para fazer um trabalho bem feito – assinam esta declaração Aristóteles, Sócrates, Platão, Marx, Nietzsche, Paulo Freire, Mestre dos Magos e Papai Noel”.

Brincadeiras à parte, este episódio, a partir do exemplo negativo, me ensinou a importância da docência e a certeza de que os melhores professores são aqueles que potencializam sua vocação de ser mais e, com este papel formador, ajudam a construir o conhecimento e o caráter de seus estudantes.

Não por outra razão, Paulo Freire afirma que a educação é um ato de amor, motivo pelo qual agradeço a todos os professores que me desafiaram a ser mais, nesta caminhada.

Na primeira palestra que assisti como universitário, me recordo de uma citação que merece ser reproduzida nesta ocasião: “Em uma palestra, você deve: falar de pé, para ser visto; falar alto, para ser ouvido; e falar pouco, para ser aplaudido”.

Não nutro qualquer ambição de palmas ou congratulações, apenas ressalto minha necessidade da síntese, bem como a importância da brevidade, que aqui se anuncia igualmente salutar.

Por esta razão, concluo agradecendo novamente pela oportunidade e pela atenção, dizendo que o Glorioso Curso de Direito estará sempre comigo e que, em minha trajetória profissional, buscarei honrá-lo em todos os espaços que me encontrar.

Como mantra de esperança, perseverança e confiança no amanhã possível, que será feito certamente de poesia, carregarei no peito e demonstrarei nos gestos a certeza que alimenta o Glorioso Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte há mais de 50 anos, de que “até que tudo cesse, nós não cessaremos”. Obrigado!

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 25/01/2013
Reeditado em 25/01/2013
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