Homilia na posse do Prefeito de Mara Rosa - Go., 01.01.2004
Homilia de posse do prefeito eleito de Mara Rosa – Otávio Aguiar Neto. Dia 30 de dezembro de 2004 – às 19:30 na Igreja Matriz de Mara Rosa – Goiás.
Por: Pe. Adair José Guimarães
Leituras: 1João 2, 12-17
Lucas 2, 36-40
Excelentíssimo Senhor Prefeito Otávio e distinta esposa, Senhora Dalva,
Excelentíssimos Senhores vereadores e demais autoridades presentes,
Prezada equipe de governo e funcionários públicos do município,
Senhores e Senhoras.
1. Estamos ainda no clima do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei da História e do Tempo. O tempo litúrgico do natal nos insere na contemplação do grande feito de Deus nos últimos tempos: a encarnação do Verbo Eterno do Pai no seio virginal de Maria Santíssima. A chegada do Menino Deus trouxe um novo brilho ao mundo, uma nova compreensão do mistério da vida e da realidade que nos circunda.
2. Jesus é a síntese e o resumo do verdadeiro Amor. Não há nenhuma filosofia humana ou outra expressão do saber ou da literatura universal capaz de esgotar o mistério do amor. Este não se explica com palavras, mas com a vida que se traduz em gestos de humildade, entrega, serviço, caridade e solidariedade com os excluídos e pobres deste mundo. A passagem do Filho de Deus, que é Deus, pelas estradas desta vida, foi a maneira pedagógica que Deus se serviu para restabelecer com a humanidade a Nova e Eterna Aliança. O significado desta missão divina está no nome. O nome JESUS significa “Deus Salva”(1) e salva porque ama e ama porque é Deus. A verdade é que Jesus nos salvou e quer a todos salvar.
3. Nesta vida somos todos sedentos de algo que preencha e satisfaça nossa permanente angústia que nos projeta para além dos nossos sentidos e do fenômeno da matéria que se estampa aos nossos olhos. Jesus Cristo é a única resposta ao permanente anseio do coração humano. Ele é a verdade que liberta, que edifica e transforma. Como disse o Evangelista João: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória...”(2). Podemos participar dessa glória e dessa alegria. Como, perguntam? A resposta é simples: Aderindo ao Dom de Deus, acolhendo-O no profundo de nossa intimidade pessoal e deixar que esta força Divina ilumine tudo que somos, tudo que fazemos e tudo que temos.
4. O Evangelho que acabamos de ouvir nos relata a presença humilde de uma viúva que servia o templo desde seus vinte anos, ocasião em que perdera seu esposo e esperava “ver” o Messias prefigurado nas profecias do Antigo Testamento. Tornara-se uma mulher servidora das coisas de Deus. Tinha a vida marcada pela oração e pelo jejum, virtudes indispensáveis para se alcançar a profunda união com Deus. Aquela mulher teve a graça de alcançar longos anos e contemplar o Menino Jesus, apresentado no templo pelos seus sacrossantos pais: a Beatíssima Virgem Maria e seu Castíssimo e Bem-aventurado esposo José. Não é esse também o nosso permanente desejo de cristãos: querer “ver Jesus, caminho verdade e vida”(3)?
5. Desejar “ver” Jesus é mais do que um ato físico e exterior, é nutrir no imenso de nossa intimidade uma união com Ele. Esta união transcende qualquer ato meramente material ou físico, mas se situa no nível da alma da pessoa humana, “espírito encarnado”(4) que ostenta em si uma “paixão pelo absoluto”(5) cujo finalidade última se encontra definitivamente em Deus.
6. A missão do Filho de Deus não é outra senão a de nos salvar (6). Fazendo-se um conosco, deixou-nos seus ensinamentos. Jesus não fundou uma religião, mas sua Igreja (7). O Conceito de Igreja transcende a dimensão puramente religiosa, é mais abrangente e profundo e se assenta no íntimo desejo de seu Mestre. Igreja é assembléia que se reúne e celebra. Guardiã da doutrina e dos ensinamentos do Senhor Jesus, a Igreja, desde seus primórdios viu a necessidade de elaborar um esquema de pensamento e reflexão que pudesse fundamentar o pensamento cristão e inseri-lo na cultura dos povos e nas formas de dirigir o futuro dos povos. Nascia, assim, a Filosofia Cristã. Tal filosofia perpassou os séculos, amadureceu e aprofundou-se com as experiências da história. No final do Século XIX, em face ao materialismo tecnológico e à mentalidade socialista nascente, a reflexão cristã abria caminho para o nascimento da Doutrina Social da Igreja que lançaria as bases para a compreensão cristã das atitudes sociais para com as comunidades e o exercício da atividade política democrática (8). Muitos ainda continuam com uma visão errada acerca da Igreja e da política. A Igreja não é partidária, mas não se exime da responsabilidade de opinar sobre os caminhos que conduzem à perfeição do tecido social.
7. Engana-se quem pensa que o exercício da política deve ocorrer distanciado dos aspectos da fé. Aos cristãos cabe a tarefa de humanizar o exercício legitimo da atividade política. Hoje estamos celebrando essa missa em ação de graças pela posse do nosso irmão Otávio Aguiar Neto, eleito novo prefeito de nossa cidade, juntamente com vereadores eleitos e re-eleitos. Grande responsabilidade pesa sobre estes ombros.
8. A atividade política se fundamenta na racionalidade (9). Desde os antigos filósofos gregos a atividade de cuidar da “pólis”, a cidade, e zelar pelo seu bem comum teve mérito na racionalidade dos que meditam e propõem o progresso dos povos. No Séc. VI a. C. Platão na sua obra “A República” e Aristóteles no seu magistral ensaio “A Política” e no Séc. V da Era Cristã Santo Agostinho de Hipona também se preocupou com esse tema na sua importante obra “A Cidade de Deus”. Esses homens lançaram as bases da reflexão sobre a atividade em favor do bem comum, a atividade Política. No ano de 1497 coube a Nicolau Maquiavel de Florença dar início a ciência política. Sua importante obra “O Príncipe” ainda hoje é lida como iluminação para a arte de governar. Ele inaugurou um novo modo de pensar o exercício do poder(10).
9. Mesmo tendo passado séculos de reflexão sobre a atividade política e o seu conseqüente exercício, parece que ainda estamos estacionados, muito ainda há por fazer. O atual sistema democrático brasileiro é um corpo adoentado e precisa urgentemente de antídotos que possam sanar suas feridas e extirpar seus tumores. O principal remédio para combater tal patologia é a educação. A grande preocupação dos mandatários deve ser a educação do individuo. Padecemos da ignorância cultural e da falta de conhecimento do valor da pessoa humana e de seus direitos. O reflexo disso podemos ver no preço que norteiam as campanhas aos pleitos municipais da região e na visível e deplorável atitude da compra de votos da parte de candidatos que não tendo propostas de ação política, utilizam da ignorância e da miséria material de nossa gente para adquirir o poder. Quem compra o voto do eleitor não vale o valor monetário empregado nesse ato bestial e descabido. Mostra-me qual político que passou a vida comprando votos e que tenha terminado sua vida feliz. A maioria deles termina em estado deplorável. É a justiça de Deus que nunca falha. Por outro lado, o povo também é corrupto e moralmente ignorante, por isso continua a pratica delinqüente de compras de votos e a delonga dos maus políticos no universo do poder em nosso pais. Isso se deve à falta de educação e civismo. Ademais, a cada ano a campanha política se torna mais cara e onerosa. Quantos gastos, quantos exageros, quando desperdício! Essa falsa lógica precisa ser mudada. Limites éticos e morais precisam, urgentemente, serem impostos para o bem social e dos próprios concorrentes aos pleitos. As pessoas de bem e de certa cultura precisam influenciar a criação de regras para resguardar a honra e a dignidade que reveste o exercício honesto do poder.
10. A finalidade da pessoa humana sobre a terra é “fazer o bem e evitar o mal”(11). As formas de poder, nas suas esferas legislativa, executiva e judiciária, devem colaborar para a formação da pessoa na busca do bem. Enfim, todos que são investidos de autoridade não podem furtar-se à honra do dever e na colaboração com tal finalidade. “A autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo em questão e se, para atingi-lo, empregar meios moralmente lícitos” (13). Cada um deve averiguar sua consciência e saber que no final da vida o indivíduo terá, diante de Deus, seu julgamento particular. A Justiça Divina é o princípio natural do Direito e se manifesta eqüitativa; é a mesma justa medida para todos, indistintamente. Aliás, o final da vida será sempre uma síntese, um resumo do que fomos, do que fizemos ou covardemente deixamos de fazer. Triste hora aquela que nos espera. Seremos todos apresentados diante do Tribunal Divino. Aquele Tribunal não segue os esquemas dos tribunais deste mundo que não poucas vezes são volúveis, parciais e até corrompidos pelo ácido do dinheiro sujo. Ninguém ficará fora do Tribunal de Deus. Daí ser importante a autoridade examinar sempre sua consciência e se colocar diante da luz de Deus para ter a ciência da verdade e da liberdade no seu agir. A conclusão que se tira é que não vale a pena agir contra o bem e a sã consciência.
11. Senhor Prefeito, Vereadores e Secretários, não manchem suas consciências no trato com o bem público. No Brasil a conclusão que se tira é que não existe nenhuma administração que não pratique corrupção. Isso é uma triste realidade. “O alheio chora seu dono”, nos alerta o ditado popular. Os desvios de dinheiro e as maquinações em proveito próprio atentam contra os mais pobres e excluídos. Não vale a pensa negar aos pobres o que é deles em favor de outros objetivos de ordem subjetiva. Eles, os pobres, serão nossos juizes no Julgamento Final e Universal. Naquele dia e hora tremendos, Jesus Cristo não será mais nosso advogado, mas sentará no trono da Justiça Divina para nos julgar. Será o famoso “dies irae”, ou dia da ira.
12. Os senhores podem mudar esse conceito injurioso que impera contra a administração pública. Basta pactuar consigo mesmos que não haverá lugar para nenhuma irregularidade e que o reinado da transparência, da probidade e da seriedade chegou. Esperamos muito dos senhores vereadores e do senhor prefeito. Mara Rosa precisa avançar. A Igreja quer ser apenas uma voz de apoio e de incentivo ao correto, mas não se furtará ao acovardamento de não chamar a atenção de possíveis desvios, mesmo que isso possa causar indigestão. A Igreja não existe somente para rezar, mas também para cumprir uma finalidade histórica em favor dos povos e da pessoa humana. Nossa paróquia não quer de maneira alguma ser um peso para a prefeitura prefeitura, mas que os pobres possam usufruírem do bom atendimento na saúde, na educação e no serviço social. A Igreja deve sempre manter sua isenção em relação ao Estado. É triste quando vemos “igrejas” que se sujeitam ao poder para construir ou para adquirir patrimônio.
13. Analisando os nove pontos das principais metas do Plano de Governo da Coligação eleita para a próxima gestão, podemos concluir, sem sombra de dúvidas que são propostas importantes, embora algumas praticamente impossíveis de se realizar. Creio que alguns pontos precisam ser realmente perseguidos a todo custo: a saúde, a educação e a assistência social. Não podemos esquecer o homem do campo que muitas vezes padece com a falta de conservação das estradas e da construção e reformas de pontes. Sabemos, outrossim, que os recursos que os municípios recebem da União não são volumosos. Mas esses recursos se bem aplicados e administrados com equidade são suficientes para atender bem o povo e conservar o patrimônio já existente. À qualquer administração pública se aplica o principio universal da boa conduta econômica: “nunca gastar mais do que se arrecada”. Uma das piores desgraças administrativas de nosso pais, inclusive da quase totalidade das prefeituras, está na prática ignóbil de comprar fiado “ad infinitum”.. Dificilmente vai pra frente quem compra fiado. É comum os prefeitos deixarem dívidas no comércio e com os funcionários que causa grandes transtornos ao comércio e às famílias em geral, redundando em prejuízo à coletividade.
14. Lembro que os dois poderes, executivo e legislativo, devem trabalhar em favor do bem do município e em plena liberdade de exercício. A Câmara Municipal não pode obstruir o processo administrativo utilizando de caprichos contra os projetos do executivo, mas tampouco pode tornar-se capacho do executivo, aprovando tudo e não investigando e acompanhando o que específico do exercício da vereança. A função dos vereadores e serem fiscais do povo e ajudar o direcionamento do progresso do município. O papel do vereador não é ser um agente social, mas um legislador e defensor do patrimônio público do município. O vereador deve agir com a consciência e a responsabilidade, cumprindo o seu dever para o qual foi eleito. O prefeito para governar bem não precisa ter a Câmara a seu favor. É sintomático quando a Câmara se torna, na maioria de seus componentes, aliados fidedignos ao prefeito. Isso não é bom. É contra a ética e o bem comum quando ocorre por conveniências. Interesses pessoais ou familiares deverão ser colocados de lado no processo administrativo a fim de evitar favorecimentos. É o que esperamos da nova gestão que se inicia em Mara Rosa e de todas da região.
15. A pessoa humana não pode viver a verdade e a verdadeira liberdade fora de Deus. Tudo deve começar com Ele e terminar n’Ele. É o que desejamos ao novo e prefeito, aos vereadores e a todo o secretariado. Vale lembrar o velho adágio popular: “O pouco com Deus é tudo e o tudo sem Deus é nada” – Que o pouco que Mara Rosa dispõe possa ser multiplicado por Deus a fim de que o nosso povo possa usufruir de melhores dias. Creio que todos estão com o coração cheio de boa vontade e interesse em dar ao nosso Município o melhor de si. Não perca isto de vista. Não se dobrem à rotina do trivial do dia-a-dia, mas procurem inovar no zelo pelo bem público. Evite as retaliações aos adversários e aos que votaram na outra coligação. O bom senso moral e humanitário deve estar acima do orgulho e da soberba que volta e meia reacende dentro de nós e azeda a alma dos que velejam pelo mar da atividade político-partidária.
16. Termino minhas palavras com uma oração de autoria do Papa São Clemente de Roma, Século III, em favor da autoridade política: “Concedei-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade para que exerçam sem entraves a soberania que lhes concedestes. Sois vós, Mestre, rei celeste dos séculos, quem dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, seu conselho segundo o que é bom, segundo o que é agradável a vossos olhos, a fim de que, exercendo com piedade, na paz e na mansidão, o poder que lhes destes, vos encontrem propício. Amém.(14)” Deus abençoe cada um de vocês que de ora em diante irá exercer o poder; que seja em favor de todos e para todos, sem distinção e com muito amor e fé. Assim Seja!
Referências:
(1) – Dicionário Enciclopédico Bíblico, Editora Vozes - RJ, 1981, Verbete “Jesus”.
(2) – João 1, 14
(3) – Tema do Projeto de Evangelização da Igreja no Brasil, Doc. 71 da CNBB, 2003.
(4) – Homem: espírito encarnado, Ramon Lucas Lucas, Roma, 1999.
(5) – Expressão do filósofo existencialista alemão Martin Heiddeger
(6) – Cf. João 3, 16
(7) – Cf.Mateus 16,16
(8) – Cf. Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão III de 1891.
(9) – Marilene Chauí, Convite à Filosofia, Ática Editora, SP, 1999, pg. 380.
(10) – Nicolau Maquiavel, O Príncipe, Editora Martin Claret,
(11) – Ética a Nicômacos, Aristóteles.
(13) – Novo Catecismo da Igreja Católica, no. 1903
(14) – Clemente de Roma, Carta aos Coríntios 61, 1-2, Século III