Os verbos que derrubam É preciso tomar cuidado ao conjugar termos que são verdadeiras armadilhas para redatores e oradores

Conjugação

Os verbos que derrubam

É preciso tomar cuidado ao conjugar termos que são verdadeiras armadilhas para redatores e oradores

Josué Machado- autor do artigo

FONTE: http://revistalingua.uol.com.br/textos/65/artigo249058-1.asp

Talvez a mais complexa das dez classes gramaticais da língua, verbo é a palavra que exprime e situa temporalmente ações, estados ou mudanças de estado dos seres e fenômenos da natureza. Tempo, modo, pessoa, número são os instrumentos gramaticais do verbo.

A teoria é entediante, mas pode-se dizer aqui rapidamente que os verbos se classificam de acordo com:

• Flexão - regulares, irregulares, anômalos, defectivos e abundantes;

• Função - na frase, auxiliares ou principais;

• Significado ou aspecto - aumentativo, diminutivo, frequentativo, incoativo, conclusivo e imitativo;

• Formação - primitivos, derivados, simples e compostos, segundo o radical.

Como o estudo do verbo abrange um universo muito amplo, o que mais interessa aqui são exemplos de formas capazes de induzir ao erro na flexão. E considerar que os verbos irregulares são os mais usados.

Nestas descrições um tanto aleatórias, fragmentárias, sobre temas verbais, o ponto comum são as dificuldades na conjugação. Não se consideram, portanto, questões referentes a regência e concordância.

Mediar

Siga o caminho azul para entender os verbos irregulares com final inar .

O redator se esqueceu de que o verbo mediar é um dos irregulares entre os regulares terminados em -iar . Há 4 verbos irregulares com final -iar : mediar ,ansiar , incendiar eodiar .

Para lembrar que entre os verbos em -iar há 4 irregulares, recorde que eles formam as iniciais do mês de maio.

M ediar

A nsiar

I ncendiar

O diar

Ao anunciar debate televisivo, o jornal publicou:

"Bonner media o programa". O redator teria escrito melhor:

"Bonnermedeia o programa". Os 4 se conjugam como "ODIAR":

o de io, me de io, an seio, incen de io. Ganham um e nas formas rizotônicas (tônica na raiz).

Há uma tendência brasileira à regularização dos verbos e à simplificação geral da língua, o que explica em parte o "media" do texto. INTERMEDIAR e REMEDIAR são derivados de "mediar" e como ele se conjugam: intermedeio e remedeio.

Mobiliar

É proparoxítono (tônica na antepenúltima sílaba), nas formas rizotônicas: mobílio, mobílias, mobília, mobiliamos, mobilieis, mobíliem; mobílie, mobílies, mobílie, mobiliemos, mobilieis, mobíliem. Verbos regulares em -iar

São regulares os outros verbos em -iar:adiar, afiar, agenciar, arriar, comerciar, desfiar, diligenciar, premiar, sentenciar etc.: adio, afio, agencio, arrio, comercio, desfio, diligencio, licencio, premio, sentencio

Polir e sortir

A irregularidade de "polir" (lustrar) e "sortir" (prover) traz formas homônimas de "pular" e "surtar" (entrar em surto psicótico) na 1a pessoa do presente do indicativo:

Pular - Eu Pulo

Polir - Eu Pulo

" Eu surto no trânsito "

(enlouqueço)

x

" Eu surto a despensa "

(abasteço)

Ver e vir

Confusão frequente entre os dois verbos dá a tônica no cotidiano

• Ver e vir confundem-se no futuro do subjuntivo.

• O mesmo ocorre com os compostos:

Antever, prever, rever etc.; Convir, intervir, revir etc.

• A aparente mudança de identidade provoca escorregões formais até de pessoas escolarizadas, muito comuns na fala.

Futuro do subjuntivo

VER VIR

Se eu vir Se eu vier

Se tu vires Se tu vieres

Se ele vir Se ele vier

Se nós virmos Se nós viermos

Se vós virdes Se vós vierdes

Se eles virem Se eles vierem

Qual é o futuro do subjuntivo adequado?

Há um jeito simples de saber. Tira-se o futuro do subjuntivo do pretérito perfeito do indicativo , 3ª pessoa do plural .

Verbo "ver": eles viram ; tira-se o sufixo (am) e obtém-se a 1ª pessoa do futuro do subjuntivo: "vir".

VIRAM - AM = VIR

Verbo "vir": eles vieram ; menos a terminação (am) e obtém-se a 1a pessoa do futurR Vo do subjuntivo: "vier"

VIERAM - AM = VIER

ERRADO

É preciso tomar cuidado então para não dizer coisas como se pode perceber nos:

Se ela me "ver"

Quando ela me "ver"

CORRETO

Deve ser "vir", futuro do subjuntivo de "ver":

Se ela me "vir"

Quando ela me "vir"

Prover

Prover difere do modelo de ver .

• Conjuga-se como ver em presente do indicativo (provejo, provês, provê, provemos, provedes, proveem).

• Mas se torna regular no pretérito perfeito, de modo que sua 3ª pessoa plural éproveram : provi, proveste, proveu, provemos, provestes, proveram (-am) =prover .

• Em prover , o futuro do subjuntivo e o infinitivo pessoal têm a mesma forma, como todos os verbos regulares: prover, proveres, prover, provermos, proverdes, proverem.

Pôr e querer

Embora "ver" e "vir" sejam os verbos em que há mais dificuldades na conjugação do futuro do subjuntivo, elas ocorrem também em outros verbos irregulares, como "pôr" e "querer".

Quando eu PÔR as mãos naquele sujeito...

Ameaçadora, a frase seria mais respeitável se fosse:

Quando eu PUSER as mãos naquele sujeito

Vale para "pôr" a regra (verbo - AM) de "ver" e "vir": Quando ele(s) puser(am).

PUSERAM - AM = PUSER

Querer e requerer

• Assim como "pôr", "querer" segue a regra de ver e vir:

"Quando eu (/eles) quiser(am)".

• Já "requerer" não segue o padrão no futuro do subjuntivo. O perfeito do indicativo, 3ª pessoa do plural é requerer(am); daí, quando eu requerer, requeres, requerer, requerermos, requererdes, requererem.

• Segue, portanto, o padrão dos verbos regulares, em que o futuro do subjuntivo coincide com o infinitivo flexionado. Como em "amar".

Infinitivo: amar, amares, amar, amarmos, amardes, amarem.

Futuro do subjuntivo: quando eu amar, quando tu amares, quando ele/ela amar, quando nós amarmos, quando vós amardes, quando eles/elas amarem.

Sem z

Em textos de pessoas distraídas, aparecem coisas como "puzer" ou "quizeste", formas válidas só até 1943. O dicionário de Moraes e Silva, de 1813, por exemplo, registra: "Puz de parte a tradução que fazia". Coisa dos tempos do Brasil imperial, como se vê. Desde 1943, com a uniformização da grafia, não há mais z em formas assumidas pelos verbos "pôr", "querer" e seus derivados.

É sempre s : pus, pôs, puser, pusesse, antepuser; quis, quiser, quisesse, benquiser, desquiseram etc.

s

Parir, um verbo bizarro

Apesar da estranheza, certas formas de "parir" podem ser usadas à vontade, até a 1ª pessoa do presente do indicativo e as do presente do subjuntivo. "Parir" já foi tratado como defectivo a que faltavam tais formas, mas não há razão para isso:

Presente do indicativo - pairo , pares, pare, parimos, paris, parem.

Presente do subjuntivo - paira, pairas, paira, pairamos, pairais, pairam.

Portanto, se a grávida tiver programado uma cesariana em data a escolher, pode anunciar:

"Eu pairo no dia que quiser, de amanhã a uma semana."

E o parceiro, compreensivo:

"Que ela paira à vontade, porque eu já fiz o que podia."

Parir x Pairar

Não confundir "parir" com "pairar", voar vagarosamente, sustentar-se no ar, entre outras coisas relacionadas. Os dois verbos coincidem apenas na 1ª pessoa do presente do indicativo:pairo , pairas, paira, pairamos, pairais, pairam. Presente do subjuntivo: que eu paire, paires, paire, pairemos, paireis, pairem.

Duplicidade enganosa

Como escolher entre os particípios do mesmo verbo e com que auxiliar

Verbos abundantes são aqueles em que se registra mais de uma forma de igual valor e função.

"Haver" tem para a 1ª pessoa do plural do presente do indicativo as formas havemos/ hemo s e, para a 2ª do plural, haveis / heis ; assim também:

• "Construir": constrói/construi;

• "Comprazer": comprouve/comprazi;

• "Entupir": entupe/entope;

• "Ir": vamos/imos;

• "Querer":0 quer/quere;

• "Valer": vale/val.

Várias dessas formas são raras e pouco usadas. De todo modo, o que mais caracteriza os abundantes são os particípios duplos, como "aceso" e "acendido".

ACENDIDO

Regular, mais longo e invariável, em -ado (1ª conj.) ou -ido (2ª e 3ª) no infinitivo: aceitado, acendido, erigido são particípios regulares de seus verbos.

ACESO

Irregular, mais curto, varia em gênero e número e tem natureza adjetiva. Daí aceito, aceso e ereto, correspondentes às formas regulares.

O problema é que, dada a duplicidade de formas, costuma haver dúvidas em relação a qual delas usar e em que circunstância.

Quando incendiaram um índio em Brasília, o jornal publicou:

"O índio morreu porque os rapazes tinham aceso o fogo."

O redator se enganou; deveria ter usado a forma regular: " tinham acendido "

A dificuldade de ordem prática que às vezes surge é: que verbo auxiliar usar com que particípio?

Usa-se o particípio regular para formar tempos compostos com os auxiliares ter ehaver (voz ativa) :

Tinham acendido, haviam matado, têm gastado, haviam prendido.

O particípio irregular , formado do latim ou de nome tornado verbo, vem com ser eestar (passiva) :

O fogo foi aceso; o índio estava morto; eles foram presos e, depois, soltos.

Não é definitiva a regra de que a forma regular é usada só com os auxiliares ter ehaver , e a irregular , com ser e estar , pois há oscilação no uso dos particípios duplos.

Duplicatas

Estas são as principais formas duplas e triplas (raras) de particípio.

Infinitivo Particípio regular Particípio irregular

Aceitar aceitado aceito, aceite

Acender acendido aceso

Anexar anexado anexo

Assentar assentado assento, assente

Benzer benzido bento

Corrigir corrigido correto

Dispersar dispersado disperso

Distinguir distinguido distinto

Eleger elegido eleito

Emergir emergido emerso

Encher enchido cheio

Entregar entregado entregue

Envolver envolvido envolto

Enxugar enxugado enxuto

Erigir erigido ereto

Expressar expressado expresso

Exprimir exprimido expresso

Expulsar expulsado expulso

Extinguir extinguido extinto

Findar findado findo

Fixar fixado fixo

Fritar fritado frito

Ganhar ganhado ganho

Gastar gastado gasto

O caso de "adequar"

A maioria dos gramáticos e dicionaristas considera "adequar" comodefectivo

Defectivos são verbos que não se conjugam em todos os modos, tempos e pessoas.

Sendo defectivo, não se conjugam as formas de "adequar" em que a vogal tônica é u .

É o que ocorre em quase todo o presente do indicativo (a) e, portanto, nos tempos e pessoas derivados: o presente do subjuntivo (b) e o imperativo negativo (c), além da 3ª pessoa do singular, da 1ª e da 3ª do plural do imperativo afirmativo.

a) Presente do indicativo: adequamos, adequais .

b) Presente do subjuntivo: adequemos, adequeis . Imperativo: adequemos, adequai .

c) Imperativo negativo: não adequemos, não adequeis.

Busque alternativas

• Troque formas inexistentes pelas de verbos "próximos": acomodar, adaptar, amoldar e ajustar . Eu me acomodo , me adapto , etc.

• Nem todos concordam em que "adequar" seja "defeituoso". O Houaiss traz conjugação completa, no presente do indicativo: adéquo, adéquas, adéqua, adequamos...

O acento diferencial

1 Morto é particípio de morrer, ao lado de morrido , e também de matar, ao lado dematado :

Ele havia matado um homem e depois morrido . Foi morto . Estava morto e ressuscitou.

2 Expresso é particípio de "expressar" ( expressado ) e do sinônimo "exprimir" (exprimido ):

Ele havia se expressado mal. A ordem não foi expressa com clareza. Não tinha exprimido sua opinião.

3 Rompido é também usado com o auxiliar "ser": Foram rompidos os contratos. Também de "romper", roto se usa mais como adjetivo:

O Arrudão deu desculpas rotas para a bufunfa.

4 Muitos particípios irregulares agem como adjetivos após o substantivo:

Amigo correto , carne frita , garota distinta (= distinguida), governante isento , boate cheia (= enchida), campo seco.

5 Pegar é usado só na forma regular: pegado , embora pego apareça informalmente como particípio irregular de pegar e seja registrado por Aurélio e Houaiss:

Eu havia pegado o caso.

6 Muitos usam " chego " como particípio (Eu havia "chego" cedo).

O único particípio de chegar é chegado . Chego é 1ª pessoa do presente do indicativo de chegar .

Eu chego cedo.

7 As irregulares ganho, gasto e pago são mais usadas do que as regulares ganhado, gastado e pagado (em desuso) com auxiliares.

Luís havia ganhado.

Luís havia ganho.