Almeida Garret: Viagens na Minha Terra: do contexto histórico às características do Romantismo de Portugal

Almeida Garret: Viagens na Minha Terra

O Contexto Histórico

A 1ª. metade do séc. XIX

As lutas liberais: a guerra civil entre absolutistas e liberais;

As invasões napoleónicas;

A mudança do regime político: o absolutismo versus o liberalismo.

O Título

O pluralismo do substantivo "Viagens":

A coexistência de múltiplas viagens:

A viagem real de Lisboa a Santarém;

A viagem sentimental: a história de Joaninha;

As viagens imaginárias:

ao passado do narrador;

reflexões críticas ao contexto histórico.

O determinante possessivo "minha":

O sentimento de posse;

A relação de intimidade;

O carácter subjectivo do discurso;

O estatuto do narrador: autodiegético.

O substantivo "terra":

A ligação telúrica do autor à Pátria;

O nacionalismo.

A viagem enquanto concretização de um objectivo

Fuga ao quotidiano;

Busca de prazer e de diversão;

Etc.

Viagem

Deslocação espacial de natureza física;

Interiorização;

Devaneios;

Voos de imaginação;

Viagem espiritual.

Viajar versus Sentir

Defesa de uma doutrina que fundamenta a existência no primado da sensação;

Concepção de um real multifacetado;

Viagem enquanto trajecto de experiência da aprendizagem e aperfeiçoamento;

Um acto consciente que visa o aperfeiçoamento.

Cap. I

Crónica (de chronos = tempo): relato de acontecimentos que é feito segundo uma ordem cronológica.

Viagens na Minha Terra

Viagem feita pelo autor de Lisboa a Santarém e regresso a Lisboa.

Intenção:

Conhecer o espaço geográfico de Portugal;

Fazer crónica do real nos seus elementos vistos, ouvidos, pensados e sentidos;

Fazer crónica do passado e a história do presente;

Reflexão e análise.

A marcha do progresso social

EU narrador: Pensar - reflexões de carácter histórico, político, moral, social e filosófico.

Mundo interior: Sentir - tristeza, mágoa, espanto e indignação.

Mundo exterior: Ver - paisagem (Charneca,Vale de Santarém, Vilas, Monumentos,etc.); Ouvir - a História de Joaninha.

Reflexão e análise real: A marcha do progresso social de Portugal

Antigo Regime Novo Regime

Absolutismo Liberalismo

D. Quixote Sancho

(Frade) (Barão)

Guerra Civil: A Marcha do Progresso Social

No domínio sócio-político:

A mudança do regime: Absolutismo - Liberalismo.

A guerra civil origina lutas e espalha a dor, a morte.

A substituição do Frade pelo Barão argentário.

O desenvolvimento da mentalidade materialista.

Crescimento das desigualdades e injustiças sociais.

O desprezo pelo trabalho agrícola em favor do desenvolvimento industrial.

No âmbito da história: a perversão do gosto artístico na arquitectura portuguesa dá origem:

À alteração do traçado original dos monumentos e igrejas antigas, resultando sem gosto ou estilo;

à construção de novos edifícios ao lado dos antigos "ridiculares, absurdas e vilãs";

ao abandono, à destruição, à demolição dos antigos monumentos;

à transformação de monumentos em quartéis, armazéns (substituição da arte pelo utilitarismo).

Cap. II, XIII

A Tese Garrettiana: A Concepção Dialéctica da História

O materialismo e o espiritualismo enquanto entidades motrizes do progresso social (visão filosófica).

A coexistência, numa época, destes dois tipos opostos que prevalecem um sobre o outro.

A polarização dos termos da antítese, numa nova síntese, mas em ordem inversa.

Consequências

A impossibilidade de progressão da civilização;

Situação de impasse e regressão (lutas civis, estagnação económica e cultural);

O simbolismo universal de Sancho Pança e D. Quixote;

A sua correspondência ao nível das personagens Carlos e Frei Dinis: paradigmas do Portugal Novo e Liberal e do Portugal Velho e Absolutista;

A perspectiva crítica de Garrett:

a defesa dos valores espirituais de uma nação e do indivíduo;

a condenação das atitudes materialistas responsáveis pelo atraso cultural, económico e social do Portugal oitocentista.

Cap. III e V

O Estatuto do Narrador

Perspectivas:

Autodiegético: enquanto personagem principal de uma crónica de viagem e herói de um drama romântico;

Omnisciente: detentor e controlador de toda a informação.

A Comunicação Narrativa

A relação dialógica narrador/narratário:

atitude coloquial;

tom irónico;

intenção formativa e informativa: a carta que Carlos escreve a Joaninha.

A Caracterização do Escritor Romântico:

A crítica à falta de originalidade, talento e cultura;

A atitude plagiadora em relação aos mestres da literatura estrangeira.

A obra e a Estrutura:

As atitudes dramáticas e sentimentalistas;

O carácter estereotipado do romance romântico;

A incoerência do enredo;

A inexpressividade das personagens.

A literatura romântica enquanto expressão incoerente de uma sociedade materialista:

A literatura "hipócrita": despropositadamente, excessivamente, absurdamente espiritualista.

A Novela Sentimental.

Cap. XI a XXV

I. Acção

1.ª Sequência:

O quotidiano da casa do Vale;

Apresentação dos protagonistas da acção;

Conhecimento de alguns antecedentes da acção:

a vida secular e religiosa de Frei Dinis.

A vida de Carlos antes da ida para Coimbra;

A notícia do acontecimento:

Crise: o mistério que envolve a família do Vale.

Cap. XXXII a XXXV

2.ª Sequência:

O quadro da guerra civil;

O idílio entre Carlos e Joaninha;

O ferimento de Carlos.

3.ª Sequência:

A convalescência de Carlos;

O reencontro de Carlos e Joaninha;

A revelação da paternidade de Frei Dinis;

A explicação dos homicídios.

Desfecho Trágico:

A morte de Joaninha;

A fuga de Carlos;

A entrada na vida religiosa de Georgina;

A agudização do sofrimento de D. Francisca e de Frei Dinis.

II. Espaço

Vale de Santarém Mistério

Aberto / Fechado Hospital Revelação

Exterior / Interior Convento Calma

Amplo / Reduzido Cela Emotividade

Tragédia

Conclusão: O espaço é o elemento condicionador da Tragédia.

III. Tempo

1832-1834

Analepses, Acção (recuos no tempo).

Antecedentes da acção

1.ª Sequência:

A vida de Carlos;

A vida secular e religiosa de Frei Dinis.

2.ª Sequência:

A paternidade de Carlos;

A autoria dos homicídios.

Caracterização das personagens

Joaninha

Cap. XII cor

harmonia

tom 16 anos

branca

rosto sereno

nariz aquilino

boca pequena e delgada

cabelos quase pretos

sobrancelhas quase pretas

olhos verdes-verdes

vestido azul escuro

pé breve e estreito

perna admirável

ideal e espiritualíssima figura

serena

pura

feliz protótipo da mulher-anjo

Francisca

Cap. XI velhinha

cega

martirizada

vítima do destino

paciente

resignada

"penélope"

autómato protótipo da vítima

Carlos

Cap. XX estatura mediana

bela organização da alma anulada 30 anos

corpo delgado

cabelos pretos

testa alta

olhos pardos

peito largo e forte

franco

leal

generoso

fácil no perdão

fácil na ira

dúvida

incerteza

vaidade

mentira

sentimental

poeta

descrente

acomodado

barão protótipo do homem social

D. Dinis Dinis de Atayde

Frei Dinis Corregedor

vida mundana

destruidor da família do Vale

encarnação do destino

pálido

enfiado

descorado

amarelo

atormentado

inflexível

austero

rígido

extraordinário protótipo do mal

protótipo do espiritualista

O papel desempenhado pelas personagens na tragédia familiar

D. Francisca

A cumplicidade na relação adúltera da sua filha com D. Dinis de Ataíde;

A culpabilidade (embora indirecta) nos homicídios.

Modo de expiação do pecado cometido: auto-punição.

Joaninha

A mulher angélica, pura e inocente;

A mulher marcada pelo destino.

Modo de expiação (por ser filha do pecado): a Morte.

Frei Dinis

A rigidez e a austeridade de princípios;

A defesa do liberalismo e das doutrinas constitucionais pelo excesso de materialismo que contêm, apesar de uma faceta exterior de espiritualidade;

Ligado ao mundo exterior pelo sofrimento:

paternidade em relação a Carlos;

cumplicidade no crime.

Modo de expiação do pecado praticado: torna-se Frade.

Carlos

Complexo por natureza;

Dividido por conflitos que corporiza:

Homem Natural/Espiritual vs Homem Social.

Condenado à vivência de uma problemática:

conflito Materialismo/Espiritualismo que o impede de partilhar o prazer de uma vida conjugal.

Subordinado a um fatalismo sentimental bem expresso na sua carta a Joaninha.

Modo de expiação do pecado praticado: torna-se Barão.

Carlos, representa, de certo modo, o auto-retrato do autor - Almeida Garrett:

Impulsivo;

Instável;

Apaixonado;

Capaz de morrer por um ideal político que, finalmente, atraiçoa ao aceitar o título de Barão.

Características Românticas

A. Nível Temático

O retrato de Carlos como herói romântico

A sobreposição do sentimento à razão;

A incapacidade de resolução dos problemas;

A atitude narcísica na manifestação de sentimentos;

A insegurança, o conflito psicológico;

A incapacidade de realização amorosa.

Joaninha o ideal feminino romântico

A mulher-anjo;

Vivência intensa do amor;

Entrega total à paixão;

A sobreposição dos sentimentos à razão;

A fragilidade física e psicológica;

A pureza, a ingenuidade;

O aniquilamento físico e psicológico:

A loucura;

A morte.

A concepção romântica do amor

A impossibilidade de realização de um amor sublime e puro:

ex: Carlos/Georgina; Carlos/Joaninha.

A ideologia de Rousseau

A recuperação do mito do "bom selvagem";

A nostalgia do paraíso perdido.

A temática da Natureza

O amor pelas coisas da terra.

A contextualização histórica da novela

O liberalismo.

A crónica de viagem

Com carácter literário.

Defesa do patriotismo

A concepção do escritor romântico

O homem culto, erudito, detentor e manipulador dos conhecimentos que pretende instruir os leitores.

B. Nível Formal e Estrutural

Linguagem corrente, por vezes familiar;

Estilo coloquial;

Teatralidade - ao nível da novela;

Liberdade na ordenação da narrativa - o seu carácter digressivo.

O Anti-Romantismo: Apreciação Crítica ao Romantismo

Cap. V

A estratificação na construção do universo actancial de um romance;

A falta de originalidade da literatura romântica nacional:

A importação dos modelos estrangeiros;

A adopção do esteriótipo, na criação de situações, na selecção de vocabulário, no traçado do perfil das personagens.

A imitação e a prática de plágio.

Cap. III

A descrição da estalagem de Azambuja;

O desajuste entre a época (materialista) e a literatura que a serve (espiritualista):

Hipocrisia da literatura.

A exploração de sentimentos fortes e emoções;

O recurso, em excesso, ao perigo e ao melodramático.

Conclusão

Almeida Garrett é um romântico, embora esteja consciente do estado da literatura romântica do seu tempo.

Linguagem e Estilo

Uso de termos populares e pitorescos "A ciência deste século é uma grandessíssima tola"

"o Dante (…) deu catanada que se regalou…"

"o pai Anquises e outros barbaças clássicos"

Uso de Estrangeirismos fashionável, élancée, demi-jour, boulevard, coquette, flartar

Criação de Neologismos regata

esquissa

macadame

Frases longas e harmoniosas "O Vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita…"

Frases curtas traduzindo emoções "Interessou-me aquela janela. Quem terá o bom gosto e a fortuna de morar ali? Parei e pus-me a namorar a janela. Encantava-me, tinha-me ali como um feitiço."

Parágrafos cheios de pausas, de reticências, etc. "Pareceu-me entrever uma cortina branca… e um vulto por detrás… Imaginação decerto! Se o vulto fosse feminino!… era completo o romance."

Pontuação com função emotiva "Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão - vestido branco - oh! branco por força… a fronte descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente, os olhos alçados…"

Utilização de construções sintácticas defeituosas "Mas a água ali é beber quartãs"

"Já me não importa guardar segredo"

"… e recorta a gente (…) as figuras que precisa"

Adjectivação carregada de novos sentidos metafóricos "logração grande e gorda"

"vida maçuda e grossa"

"literatura cava e funda"

"o ponderoso velador rolou pesado e baço pelo pavimento"

Personificações "o rodar grave mas pressuroso de uma carroça"

"um barco sério e sisudo"

"vinho atroz"

Adjectivação que traduz uma intenção humorista "É o desapontamento mais chapado e solene… na minha vida"

"uma leal goela britânica"

"o pescoço entalado na inflexível gravata"

Adjectivação de tipo impressionista "a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo"

"o branco terso duro, marmóreo das ruivas"

Diminutivos irónicos "Que cara que fez o marquês a um finadinho que lhe foi…"

"… e veríamos os acídulos versinhos, os destemperados raciocininhos que faziam"

"com uma roseirinha pequenina, bonitinha, que morreu, coitadinha"

Metáforas ousadas e de matiz irónico "A benemérita companhia que tem o exclusivo desses caranguejos de vapor que andam e desandam no rio"

"Uma única vez que vi dos tais olhos verdes, senti abalar-se pelos fundamentos o meu catolicismo"

Superlativo pela repetição "Os olhos de Joaninha… eram verdes-verdes"

"Mas ainda espero melhor todavia, porque o povo, o povo povo, está são"

Repetição da terminação adverbialmente e da copulativa e "A sociedade é materialista; e a literatura, que é a expressão da sociedade, é toda excessivamente e absurdamente e despropositadamente espiritualista"

"Joaninha… lentamente e silenciosamente se retirou para detro de casa"

Sinestesias "a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo"

"o branco terso duro, marmóreo das ruivas"

Hipálages "Um príncipe alemão encoberto, forte no soco britânico, imenso em libras estrelinas"

"A guerra parecia cansada"

"subúrbio democrático"

"inflexível gravata"

Características Românticas

A paisagem que conduz ao sonho: o Vale de Santarém (cap. X); charneca ao pôr do sol (cap. VIII); a casa antiga mas não delapidada (cap. X); a janela da Casa do Vale (cap. X); os rouxinóis (cap. X e XX); a paisagem que serve de enquadramento ao reencontro de Carlos e Joaninha (cap. XX);

O isolamento, a solidão ou a morte como solução para os problemas amorosos (Georgina e Joaninha);

É ao pôr do Sol que acontecem alguns factos importantes:

encontro de Carlos com Joaninha (cap. XX);

as visitas de Frei Dinis à Casa do Vale;

a entrada de Carlos no hospital de Santarém, gravemente ferido (cap. XXXII).

A opção de Carlos pelo liberalismo que o leva ao exílio em Inglaterra;

O subjectivismo;

O nacionalismo;

A figura de Joaninha (mulher-anjo);

O individualismo;

A intervenção crítica;

A auto-análise e a autopunição (carta final);

Os sentimentos das personagens:

o remorso (Frei Dinis);

o amor inconstante (Carlos);

o amor puro que leva ao sofrimento, à loucura e à morte (Joaninha);

a angústia e o sofrimento (a cegueira) trazidos pela vida passada (a Avó);

a paixão arrebatadora que leva à clausura (Georgina).

Características Modernas

O plano aparentemente desordenado;

O estilo coloquial e digressivo;

A relação narrador/narratário;

A crítica (a ironia e a sátira) à sociedade em especial à exploração do homem pelo homem, ao materialismo e à corrupção (Cap. III);

A expressividade da pontuação;

A linguagem: a mistura de níveis de língua; o valor da adjectivação; o uso de estrangeirsmos e neologismos.