os que nunca quiseram ir embora
trazem flores, muitas delas. Não que você seja capaz de vê-las, claro que não. Mas é aquilo que te acorda no meio da noite e você acha que é só o vento, a janela batendo, a porta escancarada. Trazem lírios de algum vale lindo que você choraria de ver, eu te juro. Eles não olham para trás com medo de voltar no momento que vêem a luz batendo do lado contrário, com medo de ver o que tanto evitaram sentir. Não te fazem cair, mas não te levantam; é que eles acreditam demais em você e acham que você consegue seguir em frente sozinho. Eles te trazem biscoitos quentinhos e frases poéticas que você vê no vidro embaçado do boxe por causa do banho quente. Mas você não consegue ler porque a letra é pequena demais, doída demais, chorosa demais e o demais te faz dormir. E você dorme tão intensamente que fica mais acordado ainda, acho que é efeito reverso. Não importa. Tudo deve ter um lado ruim, só que a gente não percebe porque está ocupado demais contando as gotas da chuva que o parabrisa limpou. Os que nunca quiseram ir embora não te dão beijo na bochecha porque sabem que não somos belas adormecidas e que a qualquer momento podemos acordar e eles teriam de explicar que estão partindo, talvez para sempre ou só um ou dois anos. Mas nós imploraríamos que ficassem mais cinco minutinhos e esses minutinhos durariam uma vida. E é bem essa vida que nos separa de nós mesmos. Então eles falam que te amam mentalmente enquanto passam a chave na porta e saem pra algum lugar longe demais de você. E o demais te faz dormir e você decide nunca mais acordar.