PERDENDO A PACIÊNCIA

Não! Não lhes farei coro nobres senhores. Não rasgarei minha cartilha, não a entregarei como um sapato comprado na loja mais chique. Ah! Seus aviltadores, seus enfadonhos seres vis e complacentes com a morte a rondar à pobre casa na beira da estrada. Peguem o código! Decorem leis que nada mais são que letras mortas quando vocês estão na mira, e se transforma em escudo de aço quando a vítima dessas letras são o negro, o pobre e a puta. Sabem muito do que estou falando, não podem negar essa verdade que lhe apresento sem rodeio e sem palavras bonitas. Zombem se quiserem, riem e mostrem seus brancos dentes mantidos à custa daqueles que mendigam o pão e dormem na fria calçada. Não me venham com campanhas exaustivamente exibidas no horário nobre, quando a única nobreza, se é que é ser nobre, vocês a mantém aguilhoados nas arquibancadas do poder igualmente vil. Bazofias, vaidades vernáculas, bazofias nefandas é o que saem das suas bocas; não lhes convém à verdade, não lhes agrada o povo. Então não me venham com suas regras, não lhes dou esse direito, quero-os fora. Quero-os encarcerados e enforcados, aliás, já fizeram isso antes, não foi? Como se sentem, nobres senhores, como se veem ao olharem-se no espelho? Não se reconhecem assassinos? Claro que não! Matar, eliminar e exterminar são suas palavras de ordem, não é mesmo? São assassinos educados e estudados, e negam ao povo o mesmo direito, por quê? Tens medo da revolta, tens medo de lhes faltar as benesses conquistadas ao custo de vidas, de crianças até, e depois fazem campanhas. Pra quê? O céu não está tão próximo assim. Na verdade nem existe. É uma invencionice. É tudo artimanha, é anedota. Não me venham com as sagradas escrituras, que de sagrado só tem a mentira, a mitomania sacramentada sob os auspícios divinos. Quem é ou o que é Deus? Vamos, respondam, respondam meus nobres senhores. Respondam se podem responder. Mas não podem. Não podem porque suas vidas se baseiam na mentira, no engodo, na falaciosa história difundida nas escolas e mesmo nos templos. Então já não podemos calar, já não devemos calar. Precisamos perder a paciência. Precisamos romper os alicerces e derrubar as pilastras seculares e mantidas a sangue. Só assim vislumbraremos novas possibilidades de sermos felizes. Sei que não lhes agrado, isso me agrada! Ouviram. Isso me grada pela simples razão que não lhes agrado. Sou a ovelha negra, o desgarrado do seu rebanho, não é isso que irão dizer no púlpito, no púlpito teatralmente preparado para o grande espetáculo, para a grande comédia ensaiada desde que se inventou a fantástica história de Adão. Ah, meus senhores, nobres e sapientes conhecedores da alma humana. Nobres e confidentes dos mais secretos pecados. Não. Não lhes confesso minhas intenções, elas são minhas, ouviram, minhas, somente minhas. Minhas mais secretas intenções só a mim dizem respeito. Queriam-me calado? Nunca! Queriam-se adestrado? Jamais! Sou a seus olhos a ovelha desgarrada, sou a alma atormentada e por isso me querem cativo, por isso me jogam sua moral. Falharão nessa tentativa. Sei o que quero e por que quero. Sei sobre Giordano Bruno, sei também sobre Joana D’arc, sei, ainda, sobre Galileu. Então não me venham com essas tolices, não me desfilam versículos. Já não suporto a mentira, já não mais aguento a encenação. Então aqui estou. Vivo minhas certezas e aprendo com os erros, não sinto vergonha, não sinto nem pena de mim, não sinto nada que se lhes saem da boca como passaporte para o paraíso. Aliás outra bela histórinha. Vocês conhecem o método, melhor, desenvolveram o método: basta inventar algo incomprovável e tudo se resolve, tudo se adequa conforme o plano. Nada mais efetivo que elevar ao metafísico tudo que não se comprova aqui. Sois os embusteiros do progresso. Sois o carrasco a transitar com o machado à procura de novas vítimas e se esquecem que o mal que querem eliminar está ao lado, confabula aos ouvidos os próximos passos. Sois os negadores da vida. Esqueceram-se dos Campos onde das chaminés saiam cinzas dos corpos, ou, ainda, dos milhões de seres confinados e que definhavam dia a dia, eram caveiras vivas? E o que vocês fizeram? Nada! Então já não me engano. Que decorem códigos. Que falem várias línguas. Que frenquentem os mais badalados ambientes. Não...não nos queiram cativos, não nos impõe regras e, nem, tampouco, estatísticas, nada disso vai funcionar, tudo será rompido senão por nós, hoje aqui, mas pelos que depois de nós virão. Será deles a vitória, a nossa vitória, nada terá sido em vão, mesmo os que tombaram, suas lutas serão lembradas. Ao fim e ao cabo, vencemos, milhões de nós ficaram pelo caminho, muitos nem os corpos foram encontrados, mas vencemos, vencemos não como o gladiador que na arena eliminava seu irmão para manter-se vivo, enquanto no posto de honra o imperador assistia tudo e se divertia. Nossa vitória não se destina ao deleite do imperador, ela o quer caído, ela o quer esquecido. Nossa vitória se destina a todos aqueles que acreditam na igualdade entre os seres. É isso.