DISCURSO E SUBJETIVIDADE
DISCURSO E SUBJETIVIDADE
Todo o tipo de produção linguística pode ser considerada discurso, todavia, a Análise do Discurso é um método de análise elaborado a partir dos anos 60 (MUSSALIM F., 2001). Nesse sentido, quais foram as influências que contribuíram para seu surgimento? Quais seus principais teóricos? Como se caracteriza o sujeito ao longo do seu desenvolvimento teórico?
Se se observar A Análise do Discurso na linha do tempo ver-se-á que seu desenvolvimento foi marcado por rupturas, continuidades e descontinuidades. Sobre isso, T. S Kuhn (1961) expõe esse processo como algo natural dentro das realizações e do fazer científico. Segundo ele, o meio científico constrói seus paradigmas, e quando estes não oferecem respostas as suas pesquisas, tornam-se apenas objetos de pesquisa, sendo, pois, substituídos por novos paradigmas (KUHN, 1962 apud CASTANHO e NASCIMENTO, sd).
Com essa explicação, infere-se que o Estruturalismo foi um paradigma legitimado, pelo Curso de linguística Geral de Ferdinand Saussure. Porém, na medida em que não atendia mais aos anseios de pesquisadores Funcionalistas, oriundos do próprio Estruturalismo, buscaram novos modelos. Em consequência disso, dentro desses novos paradigmas, em rompimento com o anterior, surge A Análise do Discurso, embora se possa notar no início desse processo continuidades e descontinuidades (CASTANHO e NASCIMENTO, sd).
O marco inicial da Análise do Discurso foi lançado por Michel Pêchaux com a edição de sua obra Análise Automática do Discurso (AAD-69), que introduz a noção de máquina discursiva . Essa obra foi considerada a concretização das ideias de Louis Althusser oriundas do materialismo histórico, segundo o qual, concluiu que a ideologia de um determinado grupo inscreve-se na materialidade do discurso. Nesse sentido, a AAD-69 tinha como propósito a análise do conteúdo discursivo a fim de determinar com precisão as condições de produção desse discurso. Segundo Mussalim (2001), por causa disso, essa fase é mais estável, menos polêmicas e menos conflitante entres os discursos. Para determinar as condições de produção de um discusro, Pêcheaux propôs duas etapas: uma linguística e outra discursiva (COSTA, 2005; MUSSALIN, 2001).
Além da influência do Materialismo Histórico e do Estruturalismo, a tese de Pêcheaux foi também influenciada pela psicanálise lacaniana. A contribuição da psicanálise está relacionada com a questão do sujeito. Dessa forma, ao observar a tese de Pêcheaux, nota-se que o sujeito é histórico e ideológico, ou seja, não é o centro daquilo que diz, por isso pensa e age por meio do viés ideológico do grupo a que pertence. Em última instância, o filósofo denomina isso de assujeitamento ideológico . Semelhante a Pêcheaux, para Lacan, o indivíduo é o inconsciente do outro, ou seja, é formado pelos discursos do pai, da mãe, e das pessoas próximas, não sendo, portanto, essa pessoa dona de seu dizer e nem o controla (COSTA, 2005; MARCUSCHI, 2008; MUSSALIN, 2001).
Em uma segunda época desse método, Michel Faucoult introduz a noção de formação discursiva (FD) e, com isso, começa-se a implodir a ideia de máquina discursiva. Isso porque, segundo Faucoult, um discurso não é homogêneo, como na máquina discursiva, mas é heterogêneo, atravessado por vários discursos ou formações discursivas. Nesse sentido, pode-se perguntar: como fica a questão do sujeito uma vez que o discurso não é mais homogêneo? Na perspectiva de Faucoult, o sujeito não pode ser mais assujeitado, inserindo-se a ideia de sujeito em dispersão. Embora um espaço discursivo seja atravessado por várias formações discursivas, isso não implica em dizer que o sujeito seja livre. Isso porque, exerce vários papéis que se originam das formações discursivas que o constitui em detrimento a si próprio. Essas formações discursivas exercem coerções sobre o sujeito regulando-o no espaço discursivo naquilo que deve dizer e em que momento dizer (CASTANHO e NASCIMENTO, sd).
Atualmente podem-se enumerar algumas tendências da Análise do Discurso cujos estudiosos são M. Bahktin, O. Ducrot, J. Althier-revuz e D. Maigueneau. Bahktin baseado nos princípios dialógicos da linguagem introduziu o conceito de polifonia (a constatação da existência de várias vozes no discurso), a partir da análise das obras de Dostoiesviski. Ducrot, ao ler as obras de Bahktin, enxergou a possibilidade de trazer os estudos da polifonia do âmbito da literatura para a linguística. Tais estudos feitos por Ducrot permitiu-lhe fazer as seguintes diferenciações: 1) Sujeito falante: é empírico ou instituição que assina o discurso materializado no texto; 2) Locutor: indivíduo que detém ou porta os vários discursos materializados no texto pelo sujeito falante; 3) Enunciador: não se responsabiliza pelas palavras do enunciador, mas apenas pelo ponto de vista sobre ele (CASTANHO e NASCIMENTO, sd).
Percebe-se nessas tendências atuais que o discurso funciona por meio de duas noções: a de polifonia, pois nenhum texto pode ser concebido sem que se tenha no seu interior diversas vozes; a segunda é a heterogeneidade, preconizada por Althier-Revuz ao referir-se a materialidade de outras vozes no discurso. A autora classifica a heterogeneidade de duas formas: 1) Heterogeneidade constitutiva: que torna implícita a voz do sujeito; 2) Heterogeneidade mostrada, aquela que deixa transparecer a voz do outro que é parte constitutiva no discurso (CASTANHO e NASCIMENTO, sd).
Avançando sobre os estudos semânticos de Ducrot e sobre a aplicação do conceito foucaultiano de formação discursiva, Maingueneau elabora o primado do interdiscurso sobre o discurso. Nessa nova tendência da Análise do Discurso, constata-se algumas características adotadas das anteriores e outras renovadas. Por exemplo, nota-se que “a hipótese do primado do interdiscurso inscreve-se nessa perspectiva de uma heterogeneidade constitutiva, que amarra, em uma relação inextrincável, o Mesmo do discurso e seu Outro” (CASTANHO e NASCIMENTO, sd). Outra particularidade é a noção de formação discursiva que deixa de ser justaposta, de acordo com a teoria de Foucault, tornam-se formações discursivas imbricadas ou “invadidas” entre si. Além disso, a proposta de Maingueneau aproxima-se mais de um olhar heterogêneo sobre os fenômenos da linguagem (CASTANHO e NASCIMENTO, sd; POSSENTI, 2007).
O termo interdiscurso pode ser mais bem entendido ao se conceber três outros elementos que o complementa: 1) Universo discursivo; 2) Campo discursivo; 3) Espaço discursivo. O primeiro é onde se concentra todas as formações discursivas existentes, portanto um campo muito vasto; Dentro deste encontra-se o campo discursivo que se refere às formações discursivas concorrentes; ainda dentro deste, acha-se o espaço discursivo em que dialogam entre si pelo menos duas formações discursivas, quais mantém relações privilegiadas e cruciais para compreensão do discurso (CASTANHO e NASCIMENTO, sd; POSSENTI, 2007).
Ao longo desse dessa pesquisa, pode-se observar os diversos viés teóricos de Michel Pêcheaux a D. Maingueneau e a característica dos sujeitos em cada um. Em resumo a essa evolução, nota-se que a metáfora da “máquina discursiva” é um meio de determinar uma formação ideológica na formação discursiva de um sujeito assujeitado pelo meio em que vive cujo discurso é estável e homogêneo. Ao contrário, Michel Foucault introduz a noção de “formação discursiva como paralela, ou seja, são invadidas constantemente por outras oriundas do ambiente externo. Nesse sentido, o discurso torna-se heterogêneo, polêmico e o sujeito passa a ser disperso, embora regulado pelas FD’s dos diversos papéis que representa. M. Bakhtin introduz a ideia de polifonia no discurso literário. O. Ducrot apropria-se desse conceito de polifonia, dando-o um tratamento linguístico. Nesse contexto, notam-se duas características sem as quais o discurso não pode ser concebido: a polifonia e a heterogeneidade, esta, enfatizada por J. Althier Revuz que a classificou em duas: heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva. Na esteira desses estudos anteriores D. Maingueneau introduz o primado do interdiscurso sobre o discurso. Dessa forma, implode completamente a não de máquina discursiva, como bloco fechado, e modifica-se a noção de formação discursiva paralelas, uma vez que para Maingueneau, o embate entre as FD’s não acontece de por invasão externa (não é por paralelismo), mas no interior dos próprios discursos (por imbricação).
Referências
BRANDÃO, H. N. Introdução à Análise do Discurso. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1991.
CASTANHO, E. G., NASCIMENTO, J. V. Continuidades e descontinuidade históricas em Análise do Discurso (xerocopiado).
COSTA, N. B. da. Práticas discursivas: exercícios analíticos. Campinas, SP: Portes Editores, 2005.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gênero e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MUSSALIM, F. Análise do Discurso. In.: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2001.
POSSENTI, S. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (org’s). Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 2007.