Homilia na missa de ordenação diaconal de Jamel Carlos de Andrade
Mozarlândia - Goiás, 30 de julho de 2011
Amados sacerdotes, religiosas, consagrados (as), seminaristas e familiares do ordinando. Diletos irmãos e irmãs leigos, amados radiovintes e internautas.
“Onde eu estou, aí estará o meu servo”(Jo. 12,26)
01.Nossa Igreja Diocesana se rejubila neste 18º. Domingo do Tempo Comum com a ordenação diaconal do Seminarista Jamel Carlos de Andrade. As ordenações são sempre o ponto alto na programação da Igreja Diocesana. Hoje estamos felizes pelo sim do Seminarista Jamel. Nesta Eucaristia queremos agradecer a Deus pelos pais e familiares do novo diácono que o deram ao serviço da Igreja; bem como agradecer a todos e todas que tem colaborado, direta e indiretamente, com o processo formativo, no seminário e fora dele, deste bom servo que temos a satisfação de ordenar.
02.A liturgia deste Domingo apresenta-nos o convite que Deus nos faz para nos sentarmos à mesa que Ele próprio preparou, onde nos oferece gratuitamente o alimento e a água que sacia a nossa sede e fome de vida, de felicidade, de eternidade.
03.Na primeira leitura, Deus convida o seu Povo a deixar a terra da escravidão e a dirigir-se ao encontro da terra da liberdade: a nova Jerusalém, marcada pela justiça que leva ao amor e à paz. Aí, Deus eliminará definitivamente a fome e a sede do seu Povo e oferecer-lhe-á gratuitamente a vida em abundância, a felicidade sem fim. Para acolher os dons que Deus oferece, é preciso desinstalar-se, abandonar os esquemas de comodismo e de preguiça que impedem que no coração haja lugar para a novidade de Deus e para os desafios que ele lança. Estamos disponíveis para deixar cair nossos preconceitos, seguranças, esquemas organizados, egoísmos, e para nos deixar questionar por Deus e pelas suas propostas?
04.O Evangelho apresenta-nos Jesus, o novo Moisés, cuja missão é realizar a salvação do seu Povo. No contexto de uma refeição, Jesus mostra aos seus discípulos que é preciso acolher o pão que Deus oferece e reparti-lo com todos os homens. É dessa forma que os membros da comunidade do Reino fugirão do apego que escraviza e alcançarão a liberdade do amor. Mateus indica que Jesus se retirou para o deserto, seguido por uma “grande multidão”; e que, impressionado pela fome de vida de toda essa gente, Se encheu “de compaixão e curou os seus doentes”. Para Mateus interessa mostrar a semelhança de Jesus com Moisés. Ele é o novo Moises que vem para salvar e libertar o Povo de Deus, mergulhado na dor da escravidão e dar-lhe o sentido do novo. Esta liberdade e vida plena implica uma ida ao deserto.
05.O deserto é, para Israel, o tempo e o espaço do encontro com Deus. No deserto se aprende a renunciar às falsas seguranças humanas e às vaidades. Cada pedaço de pão caído do céu, cada gota de água que brota de um rochedo, é um “milagre” que é preciso agradecer ao amor de Deus. Tudo é um dom de Deus, que o Povo deve acolher com o coração agradecido. Longe de ser infértil, o deserto pode ser o lugar do encontro com o recomeço de uma nova etapa de vida.
06.A segunda leitura é uma invocação do amor que Deus tem por nós. É esse amor – do qual nenhum poder hostil nos pode afastar – que explica porque é que Deus enviou ao mundo o seu próprio Filho, a fim de nos convidar para o banquete da vida eterna. “Se Deus é por nós, quem será contra nós”? – pergunta Paulo (Rom 8,31). A verdade é que nada pode derrotar aquele que é objeto do amor imenso e imortal de Deus – amor manifestado nesse movimento que levou Cristo até à entrega total da vida para nos colocar na rota da salvação e da vida plena. Na esteira desse amor o cristão caminha e encontra sentido para sua vida; na força desse amor o ministro ordenado configura sua vida a Cristo e vive na Igreja esse amor, plasmado sacramentalmente na Divina Liturgia Eucarística. Na Igreja os ordinandos são chamados a serem “servos por amor”. Jesus se faz presente nos seus servos ao afirmar: “onde eu estou, aí estará o meu servo” (Jo. 12,26).
07.O Diaconato na Igreja, ao longo da história do seu desenvolvimento, sempre foi muito valorizado e promovido. É um sacramento, em primeiro grau da Ordem, destinado ao serviço eclesial em estreita colaboração com o Bispo e os presbíteros. O novo diácono que dentro de alguns instantes vamos ordenar, não exercerá seu ministério de forma perpétua, mas temporária, já que é também candidato ao presbiterato, segundo grau do Sacramento da Ordem.
08.Há os que perguntam: qual o papel do Diácono na Igreja? Esta resposta se torna conveniente no dia de hoje. A Igreja nos ensina que “pela imposição das mãos, feita desde os Apóstolos, os Diáconos são ordenados para cumprirem eficazmente o seu ministério, por meio da graça sacramental. E assim, a Igreja católica tem a sagrada Ordem do Diaconato em grande apreço já desde os inícios da era apostólica” (Pontifical Romano, n.173).
09.No interior da Igreja temos os diáconos temporários, no caso do Seminarista Jamel, que exercerá o ministério diaconal por um tempo em vista da ordenação presbiteral; temos os diáconos permanentes que o são de modo perpétuo, geralmente são casados. Nossa Diocese ainda não dispõe dos diáconos permanentes, mas já estamos amadurecendo com o clero a possibilidade de iniciarmos o processo da criação da Escola Diaconal Diocesana para acolher as vocações que tem se manifestado de maneira sobeja.
10.“Conforme lhes for marcado pela autoridade competente, os Diáconos devem administrar solenemente o Batismo, conservar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimônio em nome da Igreja, levar o Viático aos moribundos, levar a Eucaristia aos fiéis, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e às orações dos fiéis, administrar os sacramentais, oficiar as exéquias e enterros. Dedicados aos ofícios de caridade e administração, lembrem-se os Diáconos do conselho de São Policarpo: Misericordiosos e diligentes, procedem de harmonia com a verdade do Senhor, que se fez servidor de todos” (Pontifical Romano, n. 174)
11.A caridade para com os pobres é uma característica exemplar da ação do Diácono, chamado a ser servidor dos pequenos e humildes, a exemplo do próprio Senhor. A caridade cristã não é uma opção apenas de palavra e, muito menos, com um sotaque ideológico que instrumentaliza a ação e a pessoa dos pobres. A caridade é o amor que Deus manifesta em nós e, visivelmente manifestou ao longo da história da salvação. Na condição de diácono, isto é, ministro de Jesus Cristo, que se manifestou como servidor dos seus discípulos, nosso ordinando é chamado a cumprir generosamente a vontade de Deus na caridade, servindo a Deus e aos irmãos com grata alegria, sendo impossível servir a dois senhores.
12.O diácono é um servidor da liturgia, não preside a celebração do Mistério Eucarístico, mas serve às condições externas da organização do culto para que esse se manifesta na sua exuberante pujança. A liturgia é o coração da ação da Igreja na História. Todo zelo que dispensarmos à celebração litúrgica ainda é pouco. O Cura D’Ars foi exímio no zelo pela Casa de Deus e pela liturgia. Nada reservava à sua pessoa, mas à liturgia dedicava tudo que tinha com os melhores paramentos, as melhores alfaias, os melhores vasos sagrados e, o mais importante, dedicava tempo ao Mistério e era exímio na acolhida ao povo, especialmente aos mais necessitados. Suas celebrações eram profundas manifestações de fé e dedicava horas a fio em adoração diante de Jesus Sacramentado. É um testemunho que perpassa os séculos e sempre nos toca e motiva. Aliás, os nossos santos são sempre atuais.
13.O ministro ordenado é chamado a amar a Igreja, a amar o povo e a viver do Mistério. Vivemos tempos difíceis para a fé e para a Igreja que é hostilizada pelo laicismo militante nos meios de comunicação, nas universidades e nos ambientes de promoção cultural. São os tempos da “ditadura do relativismo”, como nos atesta nos seus discursos e escritos o Santo Padre Bento XVI. O relativismo de que nos fala o Papa é amplo e abrange a vida moral das pessoas, a política, o conceito de verdade, a ética e a moral e a prática religiosa. Na base deste dilema está uma visão desacertada da verdade. O relativismo aboliu o conceito de verdade, delegando ao livre arbítrio de cada um a busca do caminho de sua própria compreensão da verdade. Enfim, cada um faz de sua vida, de seu corpo, de seus atos o que melhor lhe convier. O conceito de verdade absoluta é jogado fora; assim, Deus, torna-se um conceito relativo, sem importância frente ao que o “eu” deseja realizar. A pessoa basta a si mesma e os limites de consciência são desprezados em vista do gozo pessoal que deve a todo custo minimizar o sofrimento. O resultado disso é um abismo que se abre no coração da pessoa e a desloca para o fosso da solidão, pois o relativismo forja a pessoa a uma ilusão de que é possível viver sem sofrer. Quando chega o sofrimento, o relativista enfrenta a derrota de sua própria singularidade.
14.A ditadura do relativismo ganhou terreno também na experiência religiosa. Em nossos dias virou moda fundar “igrejas”, com “i” minúsculo. Por que com “i” minúsculo? Porque tais igrejas não estão ligadas à tradição apostólica e não possuem a eucaristia válida. Temos que admitir que esse fenômeno carregado de superficialidade e fundamentalismos desconexos é um duro golpe na prática cristã. Estes movimentos cristãos, na verdade seitas, facilitam o terreno para o crescimento da indiferença religiosa e do ateísmo. Não pregam o verdadeiro cristianismo, mas mascaram a fé e querem impor uma prática cristã ligth, pautada na prosperidade e desprovida da mística da cruz. As seitas cristãs de nossos tempos representam um tipo de neo paganismo religioso com fachada cristã. Ademais usam os termos da tradição da Igreja Católica como “bispo”, “apóstolo”, “diácono”, “presbítero” e tantos outros, um plágio para enganar os simples e desavisados. As seitas, enfim, tem “propostas religiosas que oferecem o encontro com Deus sem o efetivo compromisso cristão e a formação de comunidade”(DGAE, Doc.94 da CNBB, n. 17). Lamentavelmente as seitas escondem sua real intenção: promover negócio com a divindade. O que está em jogo é a lã das ovelhas. Notadamente há aqui um comércio da fé em flanco expansão.
15.O ministro ordenado tem o dever de ter presente no exercício de seu ministério este fenômeno assustador das seitas, tão presente na nossa Diocese. É um desafio que temos que enfrentar com o bom atendimento ao nosso povo, acompanhado do expressivo testemunho de amor e desprendimento. Precisamos valorizar elementos que a secularização pós conciliar nos levou a perder: as bênçãos da saúde, dos objetos, das pessoas e o atendimento espiritual e a proximidade responsável dos pastores com suais comunidades e pessoas. Devemos ter em conta a dimensão existencial e até sentimental do nosso povo, mas com critérios de responsabilidade. Isso as seitas não possuem e exploram criminosamente os sentimentos de nossa gente.
16.A identidade do ministro ordenado sempre foi uma exigência na caminhada eclesial. O clérigo não dispõe de si, pois pertence a Deus e à sua Igreja. É o homem da entrega sem reserva, pois seu coração é indiviso. Não se trata apenas de algo jurídico e canônico, mas teológico, pois a pessoa de Nosso Senhor é o fundamento desta entrega. “Em seu modo de viver, os clérigos são obrigados por peculiar razão a procurar a santidade, já que, consagrados a Deus por novo título na recepção da ordem, são dispensadores dos mistérios de Deus a serviço de seu povo”(CIC, cân. 276 § 1)
17.Dentro do universo pagão que estamos vivendo, mais do que nunca, o ministro ordenado deve maturar em si a consciência do testemunho, ser sinal, onde quer que vá, não ter vergonha de mostrar-se com a vida, expressar o relevante significado da sua missão através dos gestos e atitudes de oração, serviço e integridade. A força da identidade do clérigo vem de dentro e se externa no “modus vivendis” que o faz diferente dos demais homens deste século. O distintivo clerical, longe de ser algo que segrega é reflexo positivo desta identidade, pois a sabedoria da Igreja nos lembra que os “clérigos estão a ele obrigados” (CIC, cân. 284).
18.Ao Diácono em via do sacerdócio, vale ressaltar a importância de dedicar-se ao serviço da igreja, sem reserva, em obediência ao Santo Padre e ao seu Bispo, tendo presente na sua vida a paz que advém desta obediência que se alimenta na recitação ordinária da Liturgia das Horas, na prática alegre do celibato que o une mais a Cristo e no zelo pela liturgia e na vivência da mesma. O itinerário do caminho diaconal é extremamente louvável para os que desejam alcançar o segundo grau do Ordem Ministerial. Desejo que o nosso ordinando viva o tempo do seu diaconato com intensidade, como um momento da teofania do Mistério da Santíssima Trindade em sua vida.
19.A comunidade eclesial tem a obrigação de acompanhar com as orações e incentivos o novo diácono. Exorto a todos para que ajudemos o Jamel nesta nova missão.
20.Que a Santíssima Virgem, Nossa Senhora da Glória, Padroeira da nossa Diocese com o título de modelo de servidora, assista com sua maternal intercessão nosso novo diácono e a todos nós. Amém.