O Tosco e o Bom são, necessariamente, inimigos?
Como é de praxe em textos de blog, começa-se uma crônica definindo, nos termos do Dicionário Aurélio, o vocábulo-objeto das divagações. Como a minha intenção não é inovar um modelo tão funcional, vou me resumir a reiterá-lo. "Tosco" pode ser entendido como algo "pouco polido", "rude", "mal-feito". Mas não é preciso ser um filólogo para entender profundamente o sentido da palavra: quem quer que já tenha assistido ao programa Hermes e Renato, na MTV, sabe bem o que é isso.
O programa é um convite às gargalhadas, mas apenas para quem admite um padrão de qualidade que não seja necessariamente ISO-9000. Aliás, os defensores mais ortodoxos da semi-divindade Boni, e do seu "Padrão Globo de Qualidade", possivelmente vilipendiarão o programa, e correrão ao banheiro mais próximo, aos vômitos.
Como esse não é o meu caso, e como estou aprendendo a enxergar frutos de genialidade nessa árvore tão incompreendida, que é a tosquidão, apenas integro um número crescente de pessoas que admiram tal gênero.
Aliás, o Tosco, que vem se firmando como gênero (tão influente e elegante quantos outros mais universalmente respeitados, como o Romance e a Ficção Científica), atribui sua gênese, possivelmente, aos filmes "B", como os de Ed Wood, que, entregue às baratas em seu tempo, hoje é lembrado como um gênio da cinematografia do século XX.
Sim, gênio. Pois é fácil fazer algo ruim, mas fazer algo tão ruim que seja bom é tarefa para os muito capacitados. Aqueles que produzem o tosco são visionários da metalinguística, conseguindo fazer de suas criações caricaturas de si mesmos, e mexendo com todos os aspectos do que se admite como qualidade. São a negação de tudo que tem a pretensão de ser bem-feito.
Talvez por isso, poucos sejam os tosco-makers verdadeiramente imortais. Principalmente em uma época onde a informação é farta, e a polarização do dinheiro é evidente (produções milionárias de Hollywood, contra filmes caseiros do Nepal; cidades cenográficas exuberantes da Globo, contra o mini-estúdio do programa Pânico na TV; CDs da Britney Spears produzidos a custo de rios de dólares, contra o bom e velho Zumbi do Mato), muitos oportunistas tentam vender seu produto como o rude legítimo. Mas são meras criações ruins, fétidas, e merecem, essas sim, ser esquecidas.
Um dia, finalmente o tosco será reconhecido por sua espantosa criatividade, e o mundo entenderá que o rude nada mais é que uma pérola escondida em uma ostra, nada atraente para os menos avisados. E que o tosco e o bom, longe de serem antônimos, podem caminhar juntos para a reformulação de um modelo de mídia que tende a valorizar muito mais o dinheiro que a originalidade.