Discurso como oradora da turma de psicologia 2010/2 UVA - RJ - Os Singulares
Antes de qualquer coisa eu quero agradecer a oportunidade de estar aqui e embora me pareça difícil ocupar esse lugar e não tremer, tenho certeza que é impossível estar aqui e não me emocionar.
Quando recebi esse presente de ser a oradora da turma e ocupar esse lugar de prestígio, mas também de grande responsabilidade, perguntei a mim mesma sobre o que eu gostaria de falar, encontrei algumas respostas. Hoje, a partir do entrecruzamento da minha história particular com a história coletiva representada por esta turma, espero produzir algo que ousarei denominar: singularidade. Fazendo isso corro o risco de ao final vocês me dizerem que tudo isso foi uma grande bobagem, mas me puseram nisso, eu aceitei, e confesso gostei. Manoel de Barros, grande poeta, diz “Aonde eu não estou as palavras me acham”, muitas me acharam, e hoje trago algo escrito que gostaria de compartilhar com todos.
Nossa turma tem algo de muito diferente, por isso o nome: Os singulares. Segundo o dicionário a palavra singular significa: “relativo ou pertencente a um só; único; especial; privativo; distinto; que é original nos atos ou nas palavras”. E é o que caracteriza cada um dos meus colegas sentados aqui nessa noite que estão vivendo esse ritual de passagem. Não subo aqui para falar de como foram os cinco anos dessa turma, mesmo porque temos aqui várias turmas, e o que marca essa diferença que hoje vos anuncio é que mesmo vivendo num mundo onde os grupos se fecham e se refecham, essa turma num movimento contrário busca uma junção que não precisa passar pela igualdade, pois sabemos que só nos fazemos singulares quando estamos em meio a diversidade.
Eu quero parabenizar a comissão de formatura que nunca participou de um discurso de exclusão, pelo contrário, sempre procurou incluir, e o que temos nessa noite são pessoas que têm em comum uma luta travada durante esses cinco, seis anos e estão aqui hoje para celebrar essa grande vitória que com certeza não foi fácil, mas certamente foi única e como nada acontece por acaso, se os nossos destinos se cruzaram nesta noite é porque de alguma maneira tínhamos que passar pelas vidas uns dos outros.
A comissão de formatura vocês que foram incassáveis... Ju Benter, você transpira organização e essa festa linda tem muito de você. Tenho grande orgulho em tê-la conhecido, você é uma vencedora.
Fernanda Anástacia Boechat Chaves Bertolini, com tantos sobrenomes te arrumei mais um: Amiga. Sorte a nossa ter você por perto.
Miguel nosso estrangeiro, muitas vezes o bendito o fruto, sorte que chegou o Thiago para equilibrar. E quando você foi para Londres, quantas saudades, mas você voltou e hoje é parte dessa festa.
Let o que dizer de você? Tantos encontros e desencontros nessa nossa caminhada, você com seu jeito tão seu, eu com meu jeito tão meu e uma possibilidade de um nós.
Beta tão amável, tão querida, tão delicada... Ombro amigo sempre presente, escuta cuidadosa e uma alma de menina. Professora... com uma lição de afeto sempre a nos ensinar.
Agradecemos a vocês por toda dedicação e brilhantismo na organização dessa cerimônia, em cada precioso detalhe vemos a marca de um cuidado para que tudo fosse perfeito.
Gostaríamos de agradecer a Universidade Veiga de Almeida, universidade que tanto amamos e se pudéssemos fazer tudo de novo a escolheríamos novamente. Se o princípio da UVA é formar valores, esse objetivo foi atingido, pois hoje temos aqui 35 PESSOAS que saem de lá muito melhores do que quando entraram e saímos daqui honrados em receber um diploma com o brasão dessa universidade que acrescentou em nossas vidas não apenas um diploma, mas valores éticos e morais, cidadania e uma ampla compreensão de nosso papel enquanto cidadãos do mundo, sujeitos de nossa própria história. Os profissionais que lá encontramos são um caso a parte. Nossos professores, como os amamos e como aprendemos com eles, os que hoje estão aqui sendo homenageados representam com louvor os muitos que encontramos nesse percurso. Professores tão exigentes, que esperavam nada menos que o nosso melhor.
Sobre o outro nada sabemos até que ele comece a falar, e é com essa fala que trabalhamos e nas aulas de psicologia aplicada com Maria Amélia, aprendemos que um interesse genuíno e uma compreensão empática fazem toda diferença, e que as pessoas antes de serem alguém a consertar, são pessoas a aceitar.
Fátima Cavalcante, o que aprendemos com você? Certamente que a maior deficiencia não é aquela que nos impõe um limite fisico.
Sônia Moura quantos pesadelos nos causou com a psicopatologia geral e depois com a psicopatologia especial, quantos casos de dificílimo diagnóstico e compreendemos a importancia deste para que o tratamento seja o mais adequado.
Lucia Helena, querida. Quantos testes e quantas verdades, mas sempre a certeza que um teste é só um teste...
Eunice Madeira quantos textos para ler e sua matéria era sempre na segunda-feira, quantos finais de semana passamos lendo psicologia escolar, psicopedagogia.. Piaget, Vigotsky... Cabeças pensantes.
Liane, o que foi a sua matéria Psicofarmacologia???? 90% dos que estão sentados aqui padecemos com tantos antipsicóticos, antidepressivos, benzodiazepínicos, estabilizadores do humor, efeitos colaterais, mas fica a certeza: você é muito mais que uma excelente professora, é um exemplo de comprometimento e responsabilidade com o que se faz.
Beth Paiva, e suas aulas de Clinica com Adolescentes que nos confrontou com a realidade dos adolescentes em conflito com a lei e fez com que nossas opiniões saíssem do senso comum e dessem alguns passos rumo a conscientização que o nosso julgamento pessoal pouco importa em questões tão complexas que muitas vezes nos ultrapassam.
Lincon Poubel, o professor mais amado... Quantas cadeiras reservadas na primeira fileira e viva a técnica cognitvo comportamental.
Mônica Dias e sua tentativa de nos fazer entender como funciona um sistema, fica para nós a certeza que casal e família são dois temas que precisam de muuuuitas leituras.
Chegamos na Veiga sonhando em sermos psicólogos e termos todas as respostas para o sofrimento das pessoas, pensávamos que a psicologia nos ofereceria uma fórmula quase mágica de solucionar problemas e descobrimos, não sem muita angustia, que a psicologia não era apenas uma psicologia, eram psicologias, muitas áreas, muitas teorias, poucas respostas e um mundo de perguntas. Passamos então a questionar as racionalizações que pareciam explicar tão bem o sofrimento, mas em nada contribuíam para diminuí-lo e como se estivéssemos “espremendo furúnculos”, revolvendo nossas vísceras fomos nos tornando outros.
Para falar do que representaram esses cinco anos aproprio-me do conceito lacaniano de tempo lógico, (não podia subir aqui e não falar de Lacan) No tempo lógico o desafio é concluir apesar de uma falta de saber. Articularei esse conceito com essa travessia realizada. Assim, temos três tempos, onde o primeiro tempo caracteriza-se pelo instante de ver que articulo com nossa entrada na faculdade quantos sonhos, quantos planos... Quantas matérias, tantas que nem ousávamos imaginar que estudaríamos: neuroanatomia? Psicofisiologia? Genética?
Quantos que nos criticaram e disseram: “vai fazer psicologia vai morrer de fome”. “Psicólogo é tudo louco”, quem nunca ouviu essa máxima? “Psicologia? Não tinha nada melhor para estudar não?” Os que nos criticaram ficaram lá do outro lado e não puderam acompanhar nossa travessia e é provável que não estejam aqui para assistir nossa vitória, ou quem sabe estejam e tenham mudado de opinião e hoje acreditem tanto quanto nós que tudo o que fazemos orientados pelo nosso desejo já é meio caminho andado para o sucesso. Sorte que tínhamos também muitos para nos incentivar, pessoas que nos amam e que se dispuseram a compreender nossas ausências quando precisávamos estudar e ler textos intermináveis, ou então escrever... Que sofrimento escrever em nome próprio. Dedicármo-nos a algo que havíamos escolhido. Déram-nos verdadeiras provas de amor. E assim num primeiro momento pudemos ver muitas coisas...
No segundo tempo temos o tempo para compreender que é sempre o acontecimento de alguma coisa que vai vir a ser, de algo que não é, o que relaciono a nossos estágios profissionais, nossos primeiros atendimentos, quanta angústia ao nos depararmos com um outro que nos procurava em busca de ajuda... Estágio e supervisão, quantos erros cometemos, quantos pacientes foram embora, e para nossa felicidade e muitas vezes espanto, quantos concluiram o tratamento. Como tropeçamos, como caímos, como lutamos e levantamos.. Os amigos foram fundamentais nessa etapa, e eu sou imensamente grata pelas pessoas adoráveis que pude encontrar ao longo desse percurso. Pessoas que acrescentaram em nossas vidas não apenas força, não apenas sonhos, não apenas confiança, nos acrescentaram seu proprio ser e nos possibilitaram ir muito mais longe. Quantas conversas na praça de alimentação, quantos choros, quantas risadas... Abraços intermináveis, brigas e discussões dolorosas, rompimentos, reconciliações... Tristezas e alegrias foram permeando todo o nosso caminho. Vontade de desistir? Às vezes. Impossibilidade de fazê-lo: certamente.
E por último temos o terceiro tempo, momento para concluir que se presentifica nessa cerimônia e com esta etapa de nossas vidas que aqui se encerra. Chegou a hora de finalizar, elaborarmos o nosso luto, fecharmos um ciclo para que possamos abrir tantos outros que partirão sempre de todo ensino que nos foi transmitido nesses cinco anos. O psicólogo que seremos levará muitas marcas dos psicólogos que aqui encontramos, ganhamos nesses cinco anos raízes, hoje é nos dado asas e se acreditármos poderemos voar. Pegaremos nosso diploma e alçaremos voo, com a certeza de que tudo o que vivemos contribuiu para que sejamos hoje tão diferentes do que pensamos que éramos, mas tão igual ao que estamos nos tornando. Singulares. Muito amor e sucesso profissional a todos!