Ora, o orador não ora?

Magnífica reitora da Universidade Severino Sombra, Profª Drª Ana Maria Severiano de Paiva, demais autoridades presentes, prezados formandos, paraninfos, professores, parentes e amigos, boa noite!

Em primeiro lugar gostaria de agradecer efusivamente o comparecimento dos senhores e das senhoras à nossa cerimônia de colação de grau. Existe algo mais chato que cerimônia de colação de grau? Comparativamente, digamos que, em uma escala de chatice, a cerimônia de colação de grau compete mano a mano com reunião de condomínio, posse de político e certos saraus de poesia. A fim de atenuar um pouco vosso sofrimento durante as próximas horas, proponho aos presentes um exercício bastante simples: imaginemos que, logo após a cerimônia, entrarão no salão vários homens trajando camisas brancas e gravatas-borboleta, carregando bandejas com saborosos acepipes e bebidas de todos os gêneros. Os alto-falantes vibrarão com o vozeirão da Ivete Sangalo e vai rolar a festa... Infelizmente, isso não vai acontecer, todavia, acredito que a prática desse exercício reduzirá consideravelmente o número de bocejos.

A notícia de que havia sido o escolhido para representar a turma na qualidade de orador me deixou bastante feliz e honrado, mas não surpreso. Afinal, segundo os colegas formandos, sou o escritor da turma. Alguns contos mal-acabados, alguns poemas toscos carentes de lirismo me elevaram a esse patamar aos olhos da turma. Contudo, após três anos de trabalhos, resenhas, provas, relatórios, monografia, leituras, leituras e outras leituras, pergunto aos presentes e, especialmente, aos colegas: serei eu o único escritor da turma? Ou somos todos escritores? Pablo Neruda assim define o ato de escrever: “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias.” Em nossa graduação o que não faltou foram ideias. Ideias teóricas, metodológicas, pragmáticas, sintáticas, semânticas, morfológicas, gramaticais, literárias... Ideias em abundância, uma verdadeira enxurrada de ideias para todos os gostos, idades, apetites de saber e classes sócio-culturais. Ideias alheias que estimularam nossa reflexão e fizeram surgir novas ideias. Se aqui estamos é porque soubemos tirar proveito dessas ideias, criamos, recriamos e crescemos intelectualmente por meio delas, tornando-nos o que somos a partir de hoje: professores de língua portuguesa, espanhola e inglesa. Mas, daí, vem a recorrente e famigerada pergunta: por que licenciatura em Letras? Por que ser professor em um país que, historicamente, atribui tão pouco valor a esse profissional? Estaremos loucos? Temos tendências masoquistas? Ou acreditamos que essa situação, um dia, possa mudar? Cada um dos formandos tem suas razões para haver escolhido essa carreira, seja vocação, conveniência, valor da mensalidade ou reminiscências da infância quando brincava-se de dar aulas, influenciados por aquela professora inesquecível do primeiro ano, que não se limitava a transmitir conhecimentos mas demonstrava paixão por seu ofício.

Paixão. Segundo o dicionário Houaiss, dentre outras definições, paixão é “sentimento, gosto ou amor intensos a ponto de ofuscar a razão”

Se fôssemos movidos pela razão, teríamos feito Economia, Direito, Engenharia, ou qualquer outro curso que nos descortinasse horizontes mais promissores e confortáveis, do ponto de vista capitalista-consumista de nossa sociedade burguesa. Mas optamos pelo mister de professor pois acreditamos no poder da palavra e que somente por meio da educação um país pode se tornar uma nação. Embora seja um discurso batido, que de tanto ser repetido por candidatos a cargos políticos, já virou quase um clichê, nós, formandos do curso de letras de 2011, acreditamos nele. Somos professores. Somos emoção. Somos paixão.

Antes de ingressar na USS, um amigo me disse que Letras era um curso fácil. Hoje, após três anos de muitas noites mal-dormidas, tenho dúvidas se esse amigo era realmente meu amigo ou um tremendo gozador. Não, definitivamente o curso de Letras não é um curso fácil. Para nós, que apreciamos a riqueza e beleza de nosso idioma, com todas as suas nuances e variações, o curso foi deveras prazeroso. Porém, para aqui estarmos, tivemos que ralar, “afundar a cara” em volumosos e aparentemente indecifráveis livros, navegar até os confins do mundo “internético” à caça de informações para nossas pesquisas; tivemos de enfrentar, ansiosos e trêmulos, platéias pouco receptivas e até mesmo hostis nas intermináveis horas de estágio supervisionado. Não, não foi fácil. Mas, hoje, nessa celebração que laureia o final dessa caminhada, creio poder falar por todos que valeu à pena. Hoje lemos um livro de uma maneira diferente, lemos o mundo de uma maneira diferente. Tornamo-nos mais observadores, mais críticos, mais cidadãos.

Sabemos que este evento marca o final de uma fase e o início de outra; não devemos e não podemos parar por aqui. Deixemos Macunaíma e seu “Ai, que preguiça!” na Literatura. Ainda que não tenhamos pernas para acompanhar o ritmo frenético dessa era da informação, tentemos, ao menos, manter o compasso, para não ficarmos perdidos no mundo nem perder o mundo de vista.

E o que nos resta é somente agradecer, pois, decerto, não conseguiríamos chegar até aqui sozinhos. Aos professores e coordenadores que nos conduziram com paciência e zelo, aos nossos pais, esposos, esposas, companheiros e companheiras que toleraram nossos arroubos de mal-humor, a falta de tempo e atenção, a todos aqueles que de uma forma ou de outra nos ajudaram nessa jornada, nosso sincero muito obrigado!

Carlos Cruz - 20/01/2011