Deus, a futilidade e a necessidade

O homem estava com uma grande dúvida. Compraria uma Mercedes ou gastaria um pouco mais na compra de uma Ferrari? A dúvida era cruel. Tratava-se de um homem de fé. Deixaria nas mãos do seu deus. Esperaria um sinal para ver qual dos veículos compraria.

Outro homem não tinha dúvida. Queria condições para comprar um pouco de comida. Sua família passava por dificuldades. Faltava dinheiro para tudo, até para a comida. Seu pedido era um só e para aquele momento. Comida! Podia ser arroz e feijão, poderia ser apenas um destes ou qualquer outro alimento. Lutou e orou. Deixou o assunto nas mãos do seu deus.

O primeiro homem recebeu o sinal! Sonhou com uma mulher em vestes vermelhas. Era o bendito sinal! Comprou a Ferrari! O outro homem passou perto de uma feira livre. Alimentos estragados misturados com alimentos bons estavam sendo lançados no lixo. Era a resposta. Pegou o que prestava e levou para casa. Conseguira o alimento!

Às vezes eu me deparo com cenas assim. Seriam hilárias, caso não fossem reais. Pedidos dirigidos à divindade. Pedidos fúteis e pedidos necessários. Alguns enxergam as mãos do seu deus numa aquisição de bens, que pelo ponto de vista da necessidade e praticidade se mostram fúteis. Outros sentem as mãos do ser todo poderoso dentro de um depósito de lixo.

Seria mesmo a ação de um ser onipotente? Penso sempre em algo curioso que é o seguinte: sendo verdadeira a ação divina por que não atender apenas os pedidos necessários? Se as bênçãos auferidas e que resultam em bens supérfluos fossem destinadas aos miseráveis que querem apenas o “pão vil” não haveria muito mais milagres? Quantos pratos de comida seriam servidos e muitos seriam alimentados atendendo somente os pedidos necessários? Existiriam milhares de pessoas felizes e agradecidas, vendo diariamente a multiplicação dos pães e peixes em suas vidas de sofrimentos.

Partindo do pressuposto que esse ser maravilhoso atende pedidos fúteis e necessários eu passo a imaginar cenários diferentes: benesses fúteis não sendo concedidas e comida não sendo colocada na mesa do pobre. O que teríamos, nesse imenso mundo de alienação em massa? É possível que muitos ricos e pobres se irmanariam numa única frase “meu deus não quis assim”. “Ele me disse não ou, quem sabe, aguarde um pouco...”

As respostas dos alienados são invariavelmente as seguintes: “deus não quis ou não permitiu ou me pediu paciência”. “Deus atendeu minha prece”. Como sói acontecer sempre haverá uma resposta. É o velho argumento de que tal deus atende concedendo, negando ou pedindo paciência.

Enquanto isso muitos morrem de inanição no mundo enquanto outros compram carros, roupas, jóias, palácios (...), armazenam dinheiro e mais dinheiro. Todos repetem dizendo que “deus quis assim ou assim permitiu”. Dizem mais: “as diferenças sociais e a fome no mundo são consequências do pecado...

Pecado? Ele entrou no mundo? Quem quis? Quem permitiu? Seria hilariante, caso não fossem reais: a ausência da convicção e a presença da alienação...