Astrose: a neurose astrológica
A questão da moral vem sendo empobrecida pelo tratamento dado pelo senso comum. Geralmente considerada baixo os conceitos iluministas, que dominam o pensamento moderno, apresenta-se assim: a moral é uma construção social, ou seja, a moral é puramente natural. Antes disso a moral era vista como uma construção natural e social, em alguns casos, mas também como um código de conduta divinamente revelado. Daí que o inferno era a resposta aos que não observavam a moralidade. Como se sabe, isto é inaceitável para a mente moderna; ninguém quer aceitar a existência do inferno que é tido como fábula ou resultado de perversas conspirações clericais. Mas, sinceramente, o inferno pode ser percebido como uma construção individual que está assentada em relações humanas deturpadas e egocentradas.
Tenho visto muita gente boa viver muito tempo dependente de terapias simplesmente em conseqüência da dominação do pensamento freudiano, em que a transgressão moral foi substituída pela neurose como categoria puramente natural e eminentemente caracterizada por uma disfunção psicológica do indivíduo.
Esclarecendo: para a moral, o indivíduo sedutor é tão reprovável
quanto o indivíduo ciumento. Hoje já não há mais a conduta tipificável como um caráter cafagestocrático; constatar que um indivíduo está assumindo tal conduta é tido como um julgamento e um preconceito, em outros termos, uma caretice. Por outro lado, os consultórios dos terapeutas, entre eles os alternativos, estão cheios de ciumentos ou ciumentas (o ciúme é normalmente visto como mais condenável quando afeta a mulher e como uma característica eminentemente feminina). O ciúme é patologicamente classificado com a maior naturalidade, sem que nenhuma suspeição de "julgamento" haja nisso (note-se a afinidade do conceito modernoso de neurose com as classificação das diversas transgressões morais originárias dos compêndios dos moralistas medievais; o terapeuta atual exerce função muita próxima ao padre e confessor medieval; em suma, a neurose hodierna guarda equivalência com o pecado de antanho). Vejamos o caso daquele que causa o ciúme e que várias vezes o faz por se sentir vazio, por uma compulsão para estar se assegurando de que é querido e outras carêncais mais; ele conta com a legitimação de sua conduta segundo uma visão psicológica unilateral. Na moral daqueles tempos medievais, a coisa era bilateral - seriam reprováveis tanto a conduta do ciumento quanto a do sedutor.
A Astrologia futricante já não se preocupa tanto com essas questões, mas está permeada pelo senso comum vigente. Senão vejamos como o nativo de Escorpião é, em geral, estigmatizado com a pecha de ser "chupa-gente", alguém cujo anseio de profundidade é tamanho que "seu aspecto negativo" se manifesta no ser como compulsão antropofágica de devorar o outro. Assim, Escorpião se torna o vilão do zodíaco, ele incomoda invasivamente em atropelos à tranquilidade do espaço alheio.
A atual criminologia tem como uma de suas disciplinas a Vitimologia, cuja pesquisa indica que a vítima tem um certo perfil simbiótico ao do criminoso. Geralmente não reagem mesmo quando poderiam fazê-lo com facilidade; há uma certa perversão na relação de vítimas de estrupo e estrupador - não estou generalizando, estou dizendo que isso tem sido observado e monitorado nos estudos criminológicos. Afinal, entre os signos há algum que se deixa invadir por não ter domínio de si mesmo, ou ainda, por viver na periferia de sua própria essencialidade e assim na completa superficialidade?, ... cuja autonomia e conexão consigo e com suas escolhas é permanentemente perturbada ou apenas frívola?... Estará Escorpião sem um antípoda zodiacal?
Esse estigma de transgressor atribuído a Escorpião é muito antigo. Em Satiricon, romance escrito no primeiro século de nossa era e que focaliza a vida na Roma decadente, um boçal novo rico, de nome Trimalquio, em um banquete que oferece para ostentar sua riqueza, emite os conceitos negativos sobre Escorpião, signo de assassinos e envenenadores. No entanto, o mais estranho é que alguns detratores de Escorpião, que nele colocam toda a responsabilidade quando alguma coisa vai mal nas relações, são assíduos sedutores de ou contumazes seduzidos por escorpianinos. Então, estamos diante de um fenômeno de estigmatização astrológica, em que a pecha de algoz aplicada a Escorpião não tem olhar crítico para a compulsão à vitimização daqueles supostamente atingidos pelo domínio escorpiônico ou daqueles que têm prazer em estar a provocar escorpianinos em suas fraquezas, ainda que tenham total conhecimento das mesmas. Tal neurose astrológica, a astrose, termo cunhado por um filósofo e astrólogo notável, não é bem identificada.
Já no caso da avaliação da conduta moralmente orientada, esta tem como pressuposto o amor ágape, aquele amor que os gregos conceituavam como dirigido ao mundo inteiro. E é justamente este amor que deve ser privilegiado quando o indivíduo opta por
respeitar a fragilidade do outro e espera respeito à sua própria: a via de mão dupla da avalliação moral, sustentada pela livre opção de privilegiar a vivência do amor ágape, está em desuso no mundo psicologizado e psicoterapeutizado de hoje, o que se reflete também na Astrologia.
É muito duro para escorpianinos se enamorar e estar sempre com o flanco aberto para receber insultos ou desqualificações daqueles que se beneficiam de sua tremenda sensibilidade erótica, como solidamente tipificado pela Astrologia. Seus detratores dão sinal de que desejam apenas usufruir de seu lado positivo, mas ignorando sua vulnerabilidade.
O teólogo espanhol Faus interpreta essa história do tradicional insulto masculino à mulher como p... e a outro homem como filho da p... como sendo a manifestação da vulnerabilidade masculina ao poder da sexualidade feminina; e o recurso masculino de desqualificação insultuosa da feminilidade na busca de mitigar seu próprio descontrole e impotência. Já testemunhei um caso em que uma vênus em escorpião (que é astrologicamente tipificada como destinada a desenvolver uma personalidade de cortesã) quase recebeu publicamente a pecha de... bem vocês sabem bem, de um professor de astrologia que estava sendo incomodado pelos questionamentos daquela mulher, aliás, extraordinariamente perspicaz. E o fato não se consumou porque ela, decidamente, não se permitiu ser desqualificada.
É muito duro mesmo e algumas vezes se clama aos céus para que os astros parem de girar em reverência ao amor e às lágrimas vertidas pelo amante abandonado e ainda mais, insultado. Especialmente quando o é porque o amado está "astrosicamente" orientado e absorvido pelos movimentos cíclicos das esferas celestiais - e não se costuma pesquisar os seus motivos: se para suprir uma falta de orientação, conviver com uma astrose galopante ou, simplesmente, dar vazão à leviandade de um sedutor que atira aos céus toda sua crueldade e não tem forças para conter sua própria perversão.