Discurso de Posse Cadeira nº 06 - Patrono Mario Quintana - Academia de Letras de São João da Boa Vista-SP - Parte 2
Pois bem, existem coisas que não entendemos, coincidências que simplesmente acontecem, e a nós cabe apenas a humildade de reconhecê-las, mas no mesmo ano de 1906 em que veio ao mundo o nosso Dr Palmyro, meses depois em 30 de julho nascia na gaúcha Alegrete o seu contemporâneo, Mario Quintana, ambos agora ligados à cadeira número 6 de nossa Academia. Vidas que se fizeram na distância do espaço, mas que escritas com as tintas da generosidade se encontram neste pedaçinho de tempo que quer desafiar a efemeridade.
Sim, o Quintana, que adotou por lar a sua querida Porto Alegre, e que acabou por ela adotado, já que em 1967 a sua Câmara de Vereadores lhe concede o título de Cidadão Honorário. E que no ano seguinte, 1968, talvez não querendo perder o filho da terra, recebe na praça central de Alegrete, em homenagem, uma placa de bronze na qual ficaria gravada uma frase sua, onde seu saber e humor interagem com profunda sobriedade, e que na maturidade dos seus 52 anos proferiu: "Um engano em bronze, um engano eterno", não mais que sete palavras, e quanto conteúdo sinteticamente implícito, como se trouxesse na sua essência o ditado popular: “para bom entendedor, meia palavra, basta”, e algo é certo o autor é considerado o “Poeta-Mor do Rio Grande do Sul”:
O homem e o poeta Quintana em parte parece constituído deste confronto entre o cidadão de pequena cidade e sua experiência de vida numa grande metrópole. É o tradicional gaúcho, homem da fronteira, e o cosmopolita auto-exilado na capital, contraste onde o recato interiorano interage com a dinâmica metropolitana. Este ponto parece ficar claro na fotográfica frase que Quintana escreve no prefácio do livro ‘No meio da rua’, do autor nela citado: “Pois eu estou é tomando ares no meio da rua de Nei Duclós, que é esta mesma rua de todos, tão poluída mas tão salutarmente viva de gentes e de cartazes reivindicatórios”, fica claro que o autor destas letras não se dobra aos maniqueísmos fáceis, consegue ver virtude e defeito integrando o mesmo espaço, vê poeticamente, mas com senso de realidade.
O menino Quintana nasceu prematuro, e depois ao longo da vida parece ter buscado se conciliar com o tempo. Também foi cedo que teve acesso ao ensino, aos sete anos, por intermédio de seus pais, o farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e a mãe Virgínia de Miranda Quintana, que ensinaram ao filho a escrita, o que foi feito através das páginas do jornal Correio do Povo. Além disto, recebeu ainda na fase infante o aprendizado da língua francesa, idioma muito usado em sua casa. Fez e concluiu o curso primário em sua terra natal, época em que trabalhou na farmácia da família para depois, com 13 anos, em 1919, passar a estudar em regime de internato no Colégio Militar de Porto Alegre.
A vida profissional fora do seio familiar tem início em 1924, quando por motivos de saúde deixa o Colégio Militar e vai trabalhar como atendente na Livraria Globo, no que contrariou o pai que queria ver o filho doutor. A perda prematura dos pais, o mãe em 1926, e no seguinte, o pai, possivelmente atuaram sobre sua decisão profissional, pois em 1929 começa a trabalhar na redação do diário O Estado do Rio Grande. É um período de relativo tumulto na vida do autor, que durante seis meses do ano de 1930 ficará no Rio de Janeiro, como voluntário do Sétimo Batalhão de Caçadores de Porto Alegre, por conta do seu entusiasmo com a revolução liderada, pelo também gaúcho Getúlio Vargas. Entretanto, em 1931 ele retorna à Porto Alegre para trabalhar no diário O Estado do Rio Grande.
Anos depois, em 1934 inicia uma atividade que virá a fazer parte da sua vida até 1955: a tradução de livros para a Editora Globo. São aproximadamente 120 títulos de autores como: Balzac, Fred Marsyat, Charles Morgan, Alessandro Varaldo, Emil Ludwig, Rosamond Lehman, Lin Yutang, Marcel Proust, Voltaire, Virginia Woolf, Papini, Maupassant e Conrad dentre outros. Em 1936, retorna à Livraria Globo, dirigida então por Érico Veríssimo. Em 1943, passa a publicar, em espaço diário na Revista Província de São Pedro, sua coluna diária “Do Caderno H”. Em 1953, ingressa no Correio do Povo, e lá reinicia a publicação dessa sua coluna, o que ocorrerá com breves interrupções até 1984, cujo nome é uma expressão de seu bom humor, pois assim chamava-se justamente por ser feita na última hora, na hora “H”.
No que se refere à evolução da sua obra literária, aos 17 anos publica um soneto em jornal de Alegrete, com o pseudônimo JB. É a partir de 1919 que passa a escrever regularmente e publica seus primeiros trabalhos na revista Hyloea, da Sociedade Cívica e Literária dos Alunos do Colégio Militar. Em 1925 tem seu texto ‘A Sétima Personagem’, premiado em concurso promovido pelo jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre; posteriormente, em 1927, a revista Para Todos, do Rio de Janeiro, publica um poema de sua autoria.
Ainda no mesmo ano, então com 24 anos, tem os seus versos publicados na Revista do Globo e no Correio do Povo. A publicação de seu primeiro livro será em 1940, então com 34 anos. Trata-se de” A Rua dos Cataventos”, pela Editora Globo, que tem ótima repercussão. O segundo será “Canções”, publicado em 1946 pela mesma editora, pela qual também publicará, em 1948, outros dois títulos: “Sapato Florido” e “O Batalhão de Letras”. O quinto livro, “O Aprendiz de Feiticeiro” será publicado em 1950, editado pela Fronteira, o qual terá grande repercussão nos meios literários.
O sexto livro será de 1951, quando o autor retorna à Globo. Este livro tem uma história que se refere à encomenda feita anos antes , em 1939, por Monteiro Lobato, que é quem acaba por fazer os comentários na orelha do mesmo. Trata-se de “Espelho Mágico”. O sétimo será:” Inéditos e Esparsos”, por uma editora de Alegrete. Outros livros lançados foram: em 1975, “Pé de Pilão” (de poesia infanto-juvenil), “Quintanares” (1976), “Apontamentos de História Sobrenatural” (1976), “A Vaca e o Hipogrifo” (1977), “Prosa e Verso” (1978),” Na Volta da Esquina” (1979), “Objetos Perdidos Y Otros” (em 1979, este na Argentina), “Esconderijos do Tempo” (1980), “Poemas Baú de Espantos” (1986), “Preparativos de Viagem” (1987), “Porta Giratória” (1988), “A Cor Invisível” (1989), “O Velório sem Defunto” (1990). Tais produções entremeadas por várias antologias (poéticas de 1962,1966, 1983 e 1984 e do caderno H em 1973 e 1987) . E por fim, as publicações póstumas: “Sapato Furado” (1994) e “Anotações Poéticas” (1997).
São inúmeros os prêmios e homenagens recebidos pelo autor. Em 1966, ano do sexagésimo aniversário o Prêmio Fernando Chinaglia para o "melhor livro do ano", com Antologia Poética, publicada no mesmo ano, também será homenageado na Academia Brasileira de Letras saudado por Augusto Meyer e Manuel Bandeira. Este último recita o seguinte poema de sua autoria em homenagem a Quintana:
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.
São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.
São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.
E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares
Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.
Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.
Outras homenagens viriam; já citadas, em 1967 recebe o Título de Cidadão Honorário de Porto Alegre, conferido pela Câmara de Vereadores e em 1968 o poeta é homenageado pela Prefeitura de Alegrete com placa em bronze na praça principal de cidade. Em 1976, agora septuagenário, recebe a medalha Negrinho do Pastoreio, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Em 1977 recebe o Prêmio Pen Clube de Poesia Brasileira, pelo livro “Apontamentos de História Sobrenatural”, de 1976. Em 1980 recebe o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra literária.
O ano de 1982 será consagrador, pois recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mostrando o reconhecimento à sua importância, por aprovação unânime da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o prédio do antigo Hotel Magestic, onde o autor viveu de 1968 a 1980 foi tombado como patrimônio histórico do Estado, passando a denominar-se Casa de Cultura Mário Quintana. Em 1986, então octagenário, recebe mais dois títulos de Doutor Honoris Causa pela UNISINOS e pela PUCRS. Em 1989 recebe mais dois títulos de Doutor Honoris Causa, agora da UNICAMP e da UFRJ. Ainda neste ano é eleito o Príncipe dos Poetas Brasileiros, entre escritores de todo o Brasil.
O fato é que Quintana conquistou o respeito da elite intelectual brasileira já na década de 40. Mais do que isto, em que pese o seu apego a Porto Alegre, desenvolveu amizade com outros autores, e seus trabalhos eram elogiados por Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto, além de Manuel Bandeira. Basta um rápido olhar às origens de suas homenagens para se ter uma percepção clara de sua importância. Neste sentido, acaba sendo marcante a homenagem ausente, por conta de seu quilate literário, pois por três vezes concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, não sendo eleito em nenhuma das vezes: não alcançou os vinte votos necessários. Em outra, que seria a quarta vez, sendo convidado, mesmo com a promessa de unanimidade em torno do seu nome, recusou, é em torno deste acontecimento que ele produz o seu genial “Poeminha do Contra”:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
E este é o ponto que parto para observar não sua biografia, mas o ser humano Mario Quintana. Observemos: se é que a suavidade pode ser forte, o quão incisivo é um golpe com luvas de pelica; com a força de um guerreiro convida em seu favor o tempo, evoca-o no futuro, mas a ação do verbo profere a sentença do esquecimento. Não disputa, reconhece a própria fragilidade momentânea e se corporifica na imagem de um vulnerável, mas liberto passarinho, uma pequena ave a vencer os empecilhos do caminho, o fraco a vencer os fortes, para mim lembra-me a passagem evangélica narrada por Matheus onde Jesus ensina o desapego na parábola em que diz: “Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta”.
Vou além, lembrando ainda do Cristo, no seu senso filosófico, também em Matheus, falando sobre o desapego: “Não queirais entesourar para vós tesouros na Terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no céu, onde não os consomem a ferrugem nem a traça, e onde os ladrões não o desenterram nem roubam. Porque onde está o tesouro, aí está também o teu coração”, ou seja, quem quiser ganhar a vida eterna que saiba renunciar. Poucas palavras, uma estrofe, e tanto foi dito, talvez nos ensine que a imortalidade não é um ato institucional, mas meritório, não será constituída por rituais externos, mas pelo reconhecimento silencioso dos corações de nossos semelhantes.
Percebe-se que mesmo aparentemente ferido, há algo de ajuste com tempo, uma essência que parece construir um destino, ao contrário, por exemplo, do existencialismo ateu do grande pensador francês Jean Paul Sartre, que conclui que trabalha com a ideia de que o “inferno são os outros”, à medida que, embora criem limitação para a liberdade total do indivíduo, porém sem eles o seu projeto deixa de ter sentido, Quintana no seu saber filosófico cotidiano parece tornar as coisas mais simples quando diz: “há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e ... os amigos, que são os nossos chatos prediletos”; percebmosa o confronto de individualidades presentes, mas mergulhado pela mágica da cordialidade.
Não é querer inventar, existe neste autor uma generosidade nata quando diz: “a coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você quando você não pretende fazer o mesmo”, um amor por si, que começa no amor pelo outro, seria um “amar ao outro como a ti mesmo”? Se for, não se trata de alguém na posição de mestre a ensinar, mais de aluno em meio a outros tantos querendo aprender.
São frases delicadas deste dedicado aprendiz do amor que diz: “nunca diga te amo se não te interessa”; “nunca fale sobre sentimentos se estes não existem”; “nunca toque numa vida se não pretende romper um coração”; “nunca olhe nos olhos de alguém se não quiser vê-lo se derramar em lágrimas por causa de ti”, é um amar-se amando ao outro, e que se acresça mais uma frase: “a amizade é um amor que nunca morre”. E que tal sintetizar isto tudo numa frase de realismo invejável?:“A arte de viver é simplesmente a arte de conviver... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!” .
É um realismo livre, que pode muito bem conviver com o sonho, conforme está em Da Utopia: “Se as coisas são inatingíveis... ora!/ Não é motivo para não querê-las.../Que tristes os caminhos, se não fora/ A presença distante das estrelas!”. E para não ter dúvida: “Sonhar é acordar-se para dentro”. Neste sentido, impunha para si um ideal quase ingênuo, pois tem algo de pureza infante, quando ao falar sobre o seu nascimento, vida e poesia, em 1984, já famoso e consagrado, este senil senhor de 78 anos diria: “creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”.
O pensar de Quintana tem a humildade de partir do cotidiano para então abstrair-se em reflexões cada vez mais profundas, e é o que percebemos no texto “O tempo”:
“...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...”
Percebam, a vida precisa ser vivida, ele diria: “Vale a pena viver - nem que seja para dizer que não vale a pena...”. Para ele a dor faz parte da busca da felicidade. Para ser feliz há que se correr o risco de enfrentar as tristezas. Existe um franco realismo, mas uma decisão heróica de enfrentar as vulnerabilidades humanas. Sua sensatez, é uma espécie de temperância afetiva, é a razão tingida pela emoção: “o jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...”. E há que se ter cuidado nesta busca , é o que deixa claro em seus versos em “Da Felicidade”: “Quantas vezes a gente,em busca da ventura/ Procede tal e qual o avozinho infeliz:/ Em vão ,por toda parte, os óculos procura/ Tendo-os na ponta do nariz!”
Mario falou da saudade: “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”, e disse mais: “O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...”, e acresceu com um pedido delicadamente sedutor: “Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho”. Homem atento ao mundo, mas capaz da seguinte sentença sobre a evolução tecnológica: “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”. Ou ainda: “O mais triste da arquitetura moderna, é a resistência do seu material”, mostrando o seu encanto pelas mudanças.
Homem contemporâneo, identificando o stress do cotidiano e fazendo pirraça com o tempo: “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família”. O observador das mudanças de costumes: “Quando guri, eu tinha de me calar, à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem”. A visão atenta ante à atual civilização: “O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro”.
Com seu pensar reflexivo comenta sobre a discussão sobre a existência de Deus: “Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente...”. Quintana vê um Deus Poeta, e a poesia como expressão da criação conforme se expressa na seguinte reflexão: “Se alguém te perguntar o quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...”, e entre Deus e o poeta uma pitada de loucura: “- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver! - Você é louco?- Não, sou poeta”.
Homem poeta, ou poeta homem que descreveria um bom poema como: “aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente e não a gente a ele!”, e indo além refletindo sobre a poesia:
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
E como o seu amor pela poesia vai além, observa que ela pode ser como um remédio para alma, e diz:
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Não há com não concluir uma espécie de pré-destinação que faz com que em Quintana tudo seja poesia, o vento é o “pastor das nuvens”, o luar é “a luz do sol que está dormindo...”, o enigma da vida é resolvido na seguinte frase: “O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você”, para ele o transcendental parece estar ali pertinho, percebam como explica a idéia da alma: “A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe”.
O poeta passou pela grande prova da vida, ou seja, se quer conhecer um homem, lhe dê a fama, pois esta estimula o orgulho e a vaidade, assim como desperta o interesse do público. Quanto à fama, o poeta esclarece: ”quem pretende apenas a glória não a merece”, e na sua simplicidade do vivente comum mostra toda sua autenticidade ao falar dos que querem saber da vida dos que ficaram famosos: ” Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas.../ Aí vai !/ Estou com 78 anos, mas sem idade,/ Idades só há duas : ou se está vivo ou morto./ Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade”, eis o expressar que sempre nos induz à contínua reflexão.
Enfim, Mario Quintana não precisa de muito para filosofar poeticamente, com poucas letras faz filosofia poética, é como se nele a própria análise já se ajustasse à síntese. Não uma síntese objetiva, mas de profundo conteúdo subjetivo. Suas letras têm alma, seu pensar é reflexivo, como se isso fizesse parte de seu cotidiano. Ele expressa bem a diferença entre ser poeta, e fazer-se poeta: ele é poeta se expressa em poesia, que vem carregada de saber, que somente as almas maduras parecem ter.
E a poesia simplifica a filosofia, o filósofo que é poeta, educa, ensina aos outros brincando. Quintana deixou sempre viva a pureza do menino, a criança que alimentou ao longo de sua vida, o adulto que, senil de corpo, se despediu da vida em 1994, aos 87 anos, e que convenhamos, tinha razão: muitos passarão, ele ficou passarinho, e seu cantar ainda ecoa com a delicadeza do afeto, e a força do saber, como nestes versos musicais:
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
Eis o passarinho Mario Quintana que agora tem por um de seus ninhos e morada a sua memória imortalizada de forma mais do que justa em nossa Academia local.
Agradeço pela atenção e paciência e espero de coração ter-lhes proporcionado momentos de satisfação. Neste momento que a minha própria felicidade só tem sentido pelos que compartilharam comigo deste momento de minha vida. Ele não é meu, é nosso. Meu muito obrigado!
Gilberto Brandão Marcon – 21/08/2010
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