Denúncia Nônima
Denúncia Nônima
por: Leandro Villela de Azevedo
Nós professores sabemos que a educação no Brasil vai mal, vai muito mal por sinal. E arrisco a dizer que ninguém melhor do que nós, para saber a causa disso, assim como creio que motoristas de ônibus e táxis entendam mais de trânsito do que eu, e que, eu creio, médicos e enfermeiros saibam mais do que ninguém os reais problemas na questão da saúde no Brasil.
Devo conhecer pelo menos algumas centenas de professores, provavelmente esse número ultrapasse a casa do milhar, mas nunca conheci um único professor que seja que olhe para a questão da educação no Brasil e ache que tudo está ótimo. Veja bem, sei que a revista de maior circulação em nosso país tem muito mais visão do que eu, o próprio nome da revista já indica que eles sabem ver o que está acontecendo, mas bem que eu ainda queria saber onde eles acharam aqueles mais de 90 % dos professores que dizem que vai tudo bem na educação nacional. Se algum desses professores passar por aqui, por favor, deixe recado, gostaria muito de achar um professor que fosse que pensa assim (a não ser é claro professores universitários, ou teóricos da educação que não entram em uma sala de aula de fundamental e médio há mais de 15 anos.)
A culpa é do professor? Claro que temos uma parte da culpa, mas parte dessa culpa é da fraqueza de não desanimar quando vemos nosso carro recém comprado, e parcelado em anos, ser depenado pelo pessoal do tráfico por ter "atrapalhado" o seu revendedor em sala de aula, quando resolveu “invadir” o “espaço deles” e dar aulas, ou quando o professor não consegue seguir com rosto erguido após ser alvejado com ovos por um aluno que se irritou com a nota, e a escola teve como única atitude pedir para o professor compreender se tratar apenas de uma “criança” de 15 anos! O professor não tem "coragem" de enfrentar o seu aluno LA (liberdade assistida) só porquê recebeu ameaças de morte dele, e sabe que as últimas vezes que ele ameaçou, ele cumpriu.
Mas deixando o sarcasmo de lado, pelo menos uma culpa acho que vale a pena admitir. Muitos professores estão negando a si mesmo o direito de ter voz, e estão se calando, aceitando, ficando doentes, desanimados, morrendo por dentro, ao invés de levantar a voz e propagar a sua opinião. Durante alguns anos trabalhei em uma escola onde denúncias anônimas era algo frequente. Todo e qualquer professor que ousava discordar de qualquer atitude tomada por parte da direção e coordenação eram demitidos. Era uma escola familiar, destas que cresceu muito rápido e não estava preparada para ser escola grande. Certa vez uma professora foi demitida por em seu orkut fazer um comentário negativo a outra professora, alguém da escola viu, pronto: "a porta da rua é serventia da casa". Então, nesta escola, onde éramos humilhados pela direção diante dos alunos, no meio da aula (e eles queriam depois que os alunos nos respeitassem) era comum fazermos denúncias anônimas no sindicato, dividíamos entre nós quem faria que denúncia a cada semana.
Quase uma década se passou. Aprendi alguns anos atrás que denúncias anônimas não adiantam de nada, denúncias precisam ser nônimas, e arca-se com as consequências. Daquela escola, por exemplo, além de ser demitido, fiquei "queimado" no mercado por más referências por um ano, mas valeu a pena, hoje trabalho em uma escola com a qual me identifico, e o que parece mais mais incrível, toda vez que discordo de algo posso falar abertamente. Mas falar dentro de uma escola onde as coisas estão, na maior parte das vezes, funcionando, não é o suficiente, é necessário dar uma força maior a essa voz. É preciso que ela seja nacional! O Brasil está precisando de denúncias nônimas. Outros profissionais estão tomando a nossa voz falando sobre educação. Está vindo de políticos, teóricos da educação, psicólogos e às vezes até de jornalistas as opiniões sobre o que está errado na educação e as tentativas de mudança. Vejam, assim como é fácil para alguém querer pôr a culpa da saúde pública nos médicos, pôr a culpa do transporte público nos motoristas de ônibus, também é fácil por a culpa da educação brasileira nos professores.
Mas pelo menos uma diferença se destaca. A função do professor é ensinar o aluno a interagir com o mundo, a se expressar, a argumentar, a ter e saber usar ferramentas para fazer valer seus sonhos nesta vida. Assim como é inconcebível um protesto de motoristas não ocorrer por falta de alguém que digija ônibus para levá-los ao lugar do protesto, ou um protesto de artistas que não utilize formas criativas de manifestação, é impossível ter de aceitar que não haja um protesto dos professores pelo simples calar-se. Agora é a hora das denúncias nônimas, da resposta a cada crítica e do demonstrar os problemas que estão ocorrendo na nossa educação, sejam quais forem, para que algo seja feito, tanto por nossa parte, professores, como pelos outros que podem e precisam contribuir. Afinal melhorar o futuro de nosso povo não é algo que será benéfico apenas para nós.
E espero que esse canal que estabelecemos aqui, o Opinião, possa receber muitas participações de muitos professores, ainda que, e especialmente se, pudermos ter divergências de opiniões, pois só assim poderemos crescer.