Homilia na missa de instituição de Leitor do Seminarista Jamel Carlos de Andrade
Seminário Arquidiocesano de São José
Rio de Janeiro, 09 de junho de 2010
Estimado Reitor deste Seminário, Monsenhor Hélio,
Estimados padres da equipe de formação desta casa e demais sacerdotes,
Amados seminaristas e demais irmãos e irmãs,
Dileto Seminarista Jamel Carlos.
Para mim é uma enorme satisfação presidir a Divina Liturgia neste Seminário que tem servido diversas dioceses do Brasil e de outros países através da solida formação de homens para o exercício do ministério presbiteral desde quando abriu suas portas aos 05 dias de setembro 1739 por Dom Frei Antonio Guadalupe, 4º. Bispo Diocesano que governou a então Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro de 1725 a 1740. Aqui também recebi minha formação sacerdotal de 1982 a 1986.
Neste dia que a Igreja do Brasil recorda a Memória do Beato José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, tenho a grata satisfação de confiar ao Seminarista jamel, de nossa Diocese de Rubiataba/Mozarlândia, no Estado de Goiás, o Ministério de Leitor.
“Aquele que praticar e ensinar os mandamentos, este será considerado grande.”
Que maravilha, irmãos! Jesus está nos promovendo, nos elogiando e nos prometendo que se nós praticarmos e ensinarmos os seus mandamentos seremos considerados grandes no Reino dos Céus. Seja qual for o nosso estado de vida como fiéis batizados e nossa ação no seio de nossa amada Igreja, alegremos hoje, pois seremos grandes no Reino do Céu! Foi Jesus quem o disse. Isso não é para ninguém que evangelize se sinta melhor que os outros. Pelo contrário, devemos sempre bater no nosso peito e dizer ao Pai: Senhor tende piedade de nós porque somos pecadores! Porque a qualquer instante, a qualquer momento, poderemos estar do outro lado, daí a necessidade de vigiar para não cairmos em tentação e perdermos o estado de graça, perdermos o título de grandes no Reino do Céu. Portanto, é preciso que estejamos atentos ao que Jesus nos adverte no Evangelho de hoje: “quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus.”
Diante do mandato missionário do Senhor, “ide e anunciar” (Mt 28,19) somos despertados por uma situação próprio do nosso tempo que deve nos inquietar e interpelar sobremaneira: um grande número de batizados não são evangelizados. A Igreja é Mater et Magistra, nela somos chamados à obediência, a acolhimento do ensino e nos dispor a ensinar. Há uma multidão de pessoas que tem o direito a receber o anúncio da Palavra de Deus e espera de nós esta tarefa. Como é importante e urgente a tarefa de anunciar e proclamar a Santa Palavra de Deus. O Ministério do Leitorato é um incentivo na vida do futuro presbítero para que seja o servidor do Evangelho.
A Palavra de Deus tem ganhado um destaque especial na vida e missão da Igreja de nossos tempos a partir do Concílio Vaticano II, evento impar da Igreja do Século XX, um impulso objetivo do Espírito Santo para um tempo específico para nossa missão evangelizadora.
A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos (DV 21). É preciso que os fiéis tenham acesso patente à Sagrada Escritura (DV 22).
O futuro sacerdote deve deixar-se moldar pela Palavra de Deus se quer realmente viver a obediência que liberta. "Só quem sabe obedecer em Cristo, sabe como requerer, segundo o Evangelho, a obediência de outrem"( PV 28).
A Palavra de Deus deve ser um permanente elemento profético em nossas vidas para nos corrigir, exortar e formar na Justiça (2Tm 3,16). O sacerdote, o fiel batizado, o seminarista deve abrir-se a ser um servidor da Palavra e não um mero ouvinte. A Igreja está repleta de mestres da Palavra, mas carente de servidores da Palavra. Quantos que buscam no Estudo das Sagradas Escrituras motivo de fama e o maldito academicismo que tem sido a causa de tantas desgraças na vida de clérigos e religiosos que, imbuídos de uma visão positivista da Sagrada Escritura perderam o foco do próprio ministério.
Alegra mais o coração da Igreja os padres pastores e servidores do que de doutores que assentam em suas cátedras para ensinar, mas não vivem o que ensinam. Caros seminaristas existem sinais evidentes em nossos seminários, de um clima de aburguesamento de muitos futuros sacerdotes: afeição exagerada aos apetrechos tecnológicos, uso sofisticado de perfumes e vestimentas, apegos às fantasias do carreirismo e um conseqüente esquecimento dos pobres. O seminarista não pode ser um mero ouvinte da Palavra, mas precisa antes de tudo ser um praticante da Palavra. O modo de praticar a Palavra está no “modus vivendis” do próprio Senhor. O sonho do futuro padre não deve ser como será servido, mas como, onde e a quem servir. A Palavra deve nos favorecer a obediência, a confiança na Divina Providência e fundamentar em nós o princípio e o fundamento de nossa missão que é o Próprio Deus.
O padre de nosso tempo precisa retomar na prática diárias os aspectos da Sagrada Escritura que temos esquecido, a saber: a pobreza, a simplicidade, o seguimento a Jesus e a humildade. Não é nada agradável ao coração do bispo ouvir do padre que subjetivamente renega uma paróquia pobre e distante. Esse padre não se deixou conduzir pela Palavra e sua conversão foi empalidecida pela mentira na direção espiritual, pela falsidade e pelas máscaras acopladas ao seu ser durante o tempo de sua formação. A estes que se esquivam de serem seguidores do Cristo e usam do ministério para seus caprichos recaem as conhecidas exortações do Profeta Exequiel, de Santo Agostinho e de Santa Catarina de Sena.
O tempo do seminário em nossas vidas deve ser um tempo especial de graça e aprofundamento na “seqüela Christi”. É o tempo da Palavra que nos molda e instrui. Não deve a exegese ser uma ferramenta que tira nosso amor à Palavra de Deus. O futuro padre deve fugir às propostas exegéticas de um estudo bíblico sem Deus e sem a ação do Espírito Santo. Grandes exegetas, protestantes e católicos do Século XX prestaram um desserviço à humanidade ao apresentar a Sagrada Escritura como um livro de cunho cultural e simbólico apenas e, pior ainda, quando tantos manipularam o Santo Livro para fins ideológicos. Ainda temos presente os resquícios desse inglória peleja que tanto mal fez aos nossos seminaristas e ao povo. Isso facilitou ainda mais a prática do fundamentalismo bíblico da parte do mundo protestante neopentecostal e sectário que representa o extremo da exegese capciosa.
Em meio ao fogo cruzado de tantas propostas que bifurcam os caminhos da real conversão e do amor à missão, o bom sacerdote, o bom fiel batizado e o bom seminarista não tem dúvida: Jesus é o modelo, o arquétipo e o ícone de nossa esperança. O padre diocesano encontra nele a motivação de sua espiritualidade e missão. Seguir a Cristo na obediência a sua Palavra deve ser o imperativo determinante em nossas vidas.
O bem-aventurado José de Anchieta, cuja memória hoje celebramos, é de todos nós conhecidos. Ele é um exemplo para nós que estamos vivendo nosso ministério e para vocês que estão a caminho. A vida de Anchieta e seu apostolado é extremamente relevante para nós hoje. Em 1553, fez sua profissão perpétua. No mesmo ano, partiu para o Brasil. Estabeleceu-se no Colégio de São Paulo, no planalto de Piratininga, contribuindo para a fundação daquela que se tornaria a grande metrópole de São Paulo. Isto ocorreu no dia 25 de Janeiro de 1554. A sua atividade apostólica foi intensa: professor de latim, catequista, dramaturgo, escritor, poeta, gramático, estudioso da fauna e da flora, adiantou-se no conhecimento de medicina, da música … Esteve sempre ao lado dos índios, defendendo os seus interesses e mediando a paz entre as tribos. Foi um homem pobre, despojado, ardoroso e macerado pela Palavra do Deus Altíssimo. Viveu da Palavra e dela tornou-se servidor e anunciador.
Deste modo, a exemplo de Anchieta, com a leitura e estudo dos livros sagrados, «a palavra de Deus se difunda e resplandeça (2 Tess. 3,1), e o tesouro da revelação confiado à Igreja encha cada vez mais os corações dos homens. Assim como a vida da Igreja cresce com a assídua frequência do mistério eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso de vida espiritual, se fizermos crescer a veneração pela palavra de Deus, que «permanece para sempre» (Is. 40,8; cfr. l Pedr. 1, 23-25). (DV 26).
Que as Sagradas Escrituras encontrem sempre um terreno fértil em nossos corações e a exemplo da Santíssima Virgem Maria, deixemos nos interpelar sempre pela Palavra de Deus e com ela possamos expressarmos ao bom Deus: “Fiat voluntas tua”.