" GENTILEZA "...

cuidado: GENTILEZA

Arquivado em: Artigos — angelogustavovenanciodelima @ 2:34 pm Editar

Em meados de 2005, eu, estudante do 3º periodo do curso de Psicologia, frequentava semanalmente uma instituição asilar conveniada com a faculdade. Para mim, era sempre um prazer imenso passar aquelas tardes com aquelas idosas. Era uma via de mão dupla, eu as atendia e aprendia muito. Mas algo começou a me incomodar. Esse algo se chamava gentileza. Voce deve estar se perguntando, como assim? Gentileza? Sim. Uma fria, amarga e enganosa gentileza. E essa “entidade” aparecia sempre que uma nova senhora ia visitar o asilo, levada pelos filhos, para uma possível hospedagem até a morada final. Bom, deixe-me ser mais claro. Acontecia uma especie de ritual macabro nesses momentos. Primeiro, uma enfermeira, com um lindo sorrizo no rosto abria a porta. Segundo, a ADMINISTRADORA da instituição, aparece com uma voz extremamente suave e diz: Seja bem vinda a nossa família, aqui voce se sentirá em casa. Nesse momento ocorre um pequeno, quase imperceptível brilho nos olhos dessa idosa que esta sendo recebida. E por fim, ocorre o cheque -mate. A familia foi convencida! Ha aí um misto de alegria e relaxamento. Eles se acham alegres pela segurança que encontraram no lugar, e relaxados por conseguirem abafar a possível culpa pelo abandono.

Agora leia e imagine a cena:

A família vai para o seu lar e deixa a idosa no seu “gentil” mais novo lar. Como por um passe de mágica, aquela gentil administradora recolhe a carteira de identidade da nova moradora dizendo: Aqui voce não precisará dela! Bom, perceba como essa frase tem força! Aqui, voce não precisará ter identidade. Agora voce é uma a mais, mais um copo, mais uma cama, mais um corpo que deve ser alimentado, limpo e adestrado para que não incomode as possíveis novas moradoras que estão a chegar para conhecer o ambiente “harmonico” e silencioso do asilo.

Agora aquela senhora terá seu cabelo cortado, aliás com o mesmo corte das outras iguais e ganhará uma xícara de plastico da cor bege, igual a das outras.

Tudo agora se tornou igual, a mesma cara, a mesma xícara, a mesma vida, a mesma morte e o mesmo esquecimento. Ali, a identidade retirada talvez faça até um favor a essa senhora. O favor de se esquecer na marra. Esquecer que teve uma vida, uma casa, um lar, um filho. O processo é lento mas em breve, quem sabe o senhor Alzeimmer possa dar-lhe uma mãozinha nesse processo.

Angelo Gustavo Venancio de Lima

Psicólogo Angelo Gustavo Venâncio de Lima
Enviado por Psicólogo Angelo Gustavo Venâncio de Lima em 10/05/2010
Código do texto: T2248329
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