PRECISAMOS DE OUTROS FRANCISCOS
PRECISAMOS DE OUTROS FRANCISCOS
Hoje, noite de sábado, enquanto monge, me permiti um recreio, um pequeno lazer dentro de meu mosteiro e assisti pela enésima vez o filme “Irmão Sol, Irmã Lua” de Franco Zeffirelli.
É um filme que agrada a gregos e troianos, cristãos de todas as denominações e membros de outras crenças. Um clássico do cinema, e quem de nós, nunca se rendeu a um deles?
A vida de Francisco de Assis é por demais conhecida e dispensa maiores apresentações, mas vale uma reflexão sobre esta película tão maravilhosa, sobre a mensagem que este jovem deixou a nós e que sobrevive ao tempo.
Nem vou falar da questão ecológica muito atual, muito em voga. Francisco de Assis é a ecologia personificada. E mais, ele vê a Deus manifesto na natureza, de uma forma que nos escapa ao entendimento. Enquanto os politeístas querem dar nomes diferentes a tudo o que o cosmos nos apresenta, Francisco com uma simplicidade ímpar, diz que tanto o sol como a lua são manifestações do mesmo Deus criador de todas as coisas, o mesmo Deus de Abraão, Isaac e Jacó.
A vida de Francisco é cheia de idealismo, beirando a utopia. Poderia ser um belo romance cavaleiristico ou saído das páginas de Cervantes. A mensagem de Francisco está no sobrenatural, mesmo que no imaginário de cada um de nós, é quase uma lenda, ficamos confusos entre os limites do real e do imaginário. Visitar Assis poderia ser entrar num conto de fadas, mas esta mesma mensagem é dura, crítica e inquietante, para aqueles que querem ver Francisco, confrontando-se com o franciscanismo de hoje e, sobretudo com a Igreja de hoje.
Deus escreve certo por linhas tortas, diz o dito popular. Ele escreve de “A a Z”, escreve com F de Francisco, C de Calvino e L de Lutero e nos deixa indicativos muito claros, através daquilo que devemos ler como “Sua Vontade” para a Igreja. Que bom seria que novos franciscos, calvinos e luteros, através dos séculos, viessem à vida. A Igreja é um corpo vivo e precisamos mesmo desses profetas.
Nosso Francisco é radical. Tudo em sua vida de frade e cristão indica essa radicalidade. Embora não tenha sido mártir, podemos metaforicamente dizer que Chico deu seu sangue por aquilo que acreditava e que nunca depois dele, na Igreja, houve alguém de seu quilate entre os seus frades.
A fé de Francisco é tudo ou nada, não tem meio termo. Diz a lenda que a Cruz (da igreja) de São Damião lhe teria dito: “Francisco, reconstrói a minha Igreja”. Ficou a ele muito forte esse mandato do Senhor. Em primeiro momento pensou ele em uma construção física, estrutural e ele foi mesmo colocar pedras nas ruínas da que seria sua capela, mas sua visão interior mostrava algo muito mais profundo e definitivo, reconstruir e costurar o tecido rompido do Corpo de Cristo.
No presente, escândalos rasgam a cristandade, a Igreja Católica e a Igreja Anglicana, para não citar outras denominações. Onde está Francisco? Onde estão aqueles que se levantem para reconstruir a Igreja de Cristo?
Não se deixar corromper. Não aceitar o erro, o pecado, a corrupção de si e de toda a congregação, lutar até o fim para defender o Evangelho de Cristo, a ortodoxia, e ser fiel às pegadas do Senhor.
Felizmente, em ambas as Igrejas levantam-se vozes contra o pecado e a corrupção.
Foi exatamente o que fez Francisco. Também o que fez Lutero.
Mesmo que as atitudes sejam diferentes, e que possa parecer que Francisco cedeu, obedeceu e foi fiel ao Papa de sua época, sua mensagem foi inaudita. Ele não falou por palavras, mas por gestos, gestos fortes, que talvez, nem os seus confrades de hoje saibam bem compreender. Ainda se perdem no erro.
Não estou aqui para julgar. Pretendo apenas mostrar Francisco como um modelo de cristão. Em teoria, ao menos, seus seguidores deveriam repetir seus gestos.
O Evangelho e o seguimento de Cristo é radical. Francisco foi a uma palavra a radicalidade.
A pobreza franciscana nunca foi tão necessária em um mundo de estruturas capitalistas e injustas. Ele foi pobre. Hoje os seus seguidores tem sido? Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. Francisco levou isso ao pé da letra, algo absolutamente radical.
A fraternidade universal de Francisco nos lembra que somos todos irmãos, filhos de um Pai amoroso que se importa com o que sucede a seus filhos, mesmo os dispersos. O amor que faz buscar a ovelha perdida fazendo-a a primeira das outras noventa e nove.
O amor aos renegados pela sociedade, o beijo no leproso, são provas de que o amor cristão se faz em gestos concretos, se faz em testemunho, não em palavras.
Mesmo o amor carnal em Francisco foi levado à sublimação. Seu amor por Clara está posto em serviço aos irmãos e não no egoísmo de si mesmo. É um amor generoso e desinteressado, neste tempo em que nossa sociedade não sabe discernir entre amar e “fazer amor”. São coisas completamente diferentes! Uma amplia outra restringe.
Durante a vida de Francisco fica claro o discurso. Não se pode pregar uma coisa e agir de modo diverso. Mentira, hipocrisia. Ele ficou nu para ser livre, libertou-se das coisas deste mundo para a liberdade do evangelho. Ser pobres do Evangelho hoje tem parecido ofensa.
Muitas são as cenas deste filme que podemos trazer à reflexão. Muitos exemplos, muitos desafios do tempo de Francisco que se repetem em nossa época. Francisco não mudou. Nosso franciscanismo talvez.
Francisco morre deixando um legado. Equivocam-se aqueles que pensam que o fundamental é seguir Francisco. Não. Ele ensina que o fundamental é seguir à Cristo.
Os santos não são o fim. Foram o meio. O alvo é Cristo, o verdadeiro Caminho, Verdade e Vida.
Mas a mensagem franciscana ultrapassa a fé católica romana, não pode caber dentro dos muros do Vaticano. A mensagem de Francisco é para todos que se deixam impregnar por ela.
Nossa Igreja Anglicana não sem motivos segue os passos do Velho Chico através da Ordem Franciscana Anglicana. Faço votos que o nome de Francisco sobressaia e transforme nossas vidas com seus ideais cristãos.
Francisco reconstrói a minha Igreja, teria dito Jesus.
O mandato serve a todos os cristãos e homens de boa vontade. Começamos por reconstruir a Igreja a fim de construir o Reino de Deus.
Precisamos urgentemente de outros Franciscos!
Irmão Emmanuel-Maria.
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