Deus na visão de um homem comum (4ª Parte)
Mas o que significa desenvolver a consciência de si?
O que, ou quem, afinal, essencial e Verdadeiramente somos?
Embora muitos sejam os que escamoteiam a importância deste questionamento, para nós e nosso propósito esta deve ser considerada uma questão filosófica importante, abordada não apenas pelos mais renomados pensadores da antiguidade e da contemporaneidade, quer simpatizantes do espiritualismo ou do materialismo, mas também por artistas-poetas como o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), um dos grandes escritores do século XX, grande entusiasta das investigações metafísicas: “Nas misteriosas disposições da profundidade, quem é deveras Czar, quem é rei, quem se pode jactar de ser um mero criado?”, escreveu ele. “Não há na Terra um ser humano capaz de declarar quem é com certeza. Ninguém sabe o que veio fazer neste mundo, a que correspondem seus atos, seus sentimentos, suas idéias, nem qual é seu nome Verdadeiro, seu imperecível Nome no registro da Luz”.
Fazendo um paralelo entre escritores, gostaria de citar os autores de ficção-científica Arthur C. Clarke (1917 - ), Isaac Asimov (1920–1992) e Aldous Huxley (1894-1963), cujas idéias, muitas delas tendo sido expressas por seus personagens em seus romances, também muito influenciaram gerações de neo-filósofos.
Um dos contos mais interessantes de Arthur C. Clarke (também um cientista para quem “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica”), diz respeito a uma pesquisa realizada por grupos de monges, que se revezam por gerações seculares à busca do Verdadeiro e imperecível Nome de “Deus”.
Para tanto, já na modernidade eles contratam uma empresa de informática, que instala um supercomputador no mosteiro e acelera o processo desta lenta e absurda investigação agilizando seu resultado final para o início da noite, num momento anterior a chegada dos técnicos de volta ao pé da montanha, onde se situa o mosteiro.
A conseqüência imediata do rápido término da pesquisa é que – observam os técnicos – uma a uma, todas as estrelas do firmamento começam a desaparecer.
Qual o significando simbólico disso?
A metáfora que é tal conto apenas quer nos dizer que, uma vez descoberto o “Verdadeiro Nome de ‘Deus’”, deve realizar-se o propósito substancial, primeiro e último da Existência de todas as coisas: em primeira e última instância, a descoberta do Sentido essencial da Vida.
Outro de seus contos, A estrela, trata de uma questão mais inquietante, porque diz respeito não apenas ao sentido da existência de tudo – a partir da criação ou destruição e/ou transformação das estrelas em super-novas (que inesperadamente dão origem a nebulosas e/ou “buracos-negros”) – mas basicamente busca entender a moral e a ética do Amor divino quando flagrado em Suas paradoxais atitudes de provocar destruições e mortes monumentais – como as recentes catástrofes climáticas que andam dizimando, principalmente, crianças e outros dentre nós (eventos, contudo, considerados insignificantes diante da grandiosidade de outros tantos, que agora mesmo andam ocorrendo em vários pontos do Universo).
No conto de Clarke, há 3.000 anos-luz do Vaticano uma expedição espacial, chefiada por um astrofísico jesuíta, busca eventos que conduzem a catástrofes cósmicas para, se possível, aprender suas causas. Entre questionamentos metafísicos e investigações científicas, a equipe de astronautas exploradores descobre que a estrela que guiou os reis magos até o local do nascimento de Jesus, a “Estrela de Belém” foi, na Verdade, o brilho resultado da explosão de uma super-nova, que “pode brilhar brevemente mais que todos os sóis reunidos na galáxia”. Tal super-nova de Belém destruiu vários planetas a sua volta ao explodir, tendo sido um deles habitado. “Seus mundos, contudo, eram adoráveis e suas cidades erguidas com uma graça que iguala qualquer coisa já feita pelo homem”, observa o personagem-narrador do conto. “Nós os observamos no trabalho e nas diversões, ouvimos sua linguagem musical soando através dos séculos. E uma cena permanece ante meus olhos. Um grupo de crianças numa praia de estranha areia azul, brincando nas ondas como as crianças brincam na Terra. Há uma fileira de árvores exóticas, que lembram chicotes, ao longo da praia e algum animal muito grande aparece, atravessando os baixios, sem atrair atenção”.
“Mergulhando no mar, ainda cálido e generoso, vemos o sol que logo se tornaria traidor, apagando toda essa felicidade inocente” – observa o personagem astrofísico jesuíta de Clarke. “Essa tragédia era única. Uma coisa é uma raça falhar e morrer, como nações e culturas já o fizeram na Terra. Mas ser destruída tão completamente, em pleno ápice de seu desenvolvimento, sem deixar qualquer sobrevivente – como tal coisa poderia conciliar-se com a misericórdia divina?”.
“Sei o quanto essa super-nova, cujo cadáver agora se apaga atrás de nossa nave em aceleração, deve ter brilhado nos céus da Terra. Sei como deve ter fulgurado, baixa sobre o horizonte do leste, antes do nascer do Sol, como um farol na alvorada oriental. Não pode haver mais dúvida. O mistério ancestral foi finalmente solucionado. E, no entanto, ó Deus, havia tantas estrelas que poderias ter usado! Qual a necessidade de lançar essas pessoas ao fogo para que o símbolo de sua morte pudesse brilhar acima de Belém?”.
CONTINUA