SAUDAÇÃO AOS ACADÊMICOS LUSO-BRASILEIROS PARTICIPANTES DE INTERCÂMBIO MÉDICO-ACADÊMICO*
Sérgio Martins Pandolfo**
Ilustres confrades acadêmicos, prezados colegas, senhoras, senhores
Somente a proverbial gentileza do atual Presidente da Federação Brasileira das Academias de Medicina– FBAM, Dr. Waldenir de Bragança, poderá explicar a nímia deferência de me haver designado para dirigir a palavra em tão seleta e distinguida sessão, em nome dessa entidade federativa, cumprindo mais esta etapa do “Programa de Intercâmbio Médico-Acadêmico Portugal-França-Brasil 500 anos”, constantes das celebrações comemorativas da FBAM, pela passagem dos cinco séculos do descobrimento de nosso País, sendo eu representante de uma das federadas de não muito dilatada existência, a Academia de Medicina do Pará.
Talvez, quem sabe, possa isso ser devido – e certamente o será, em parte, ao menos – pelo ser eu oriundo de uma das regiões mais cercadas de mistérios, incógnitas e incertezas de todo o mundo, para a qual nem sempre sopraram os ventos favônios - o que a faz, também, foco de cobiça e cupidez de países potentados – e que detém igualmente, ainda hoje, laços assaz estreitos com esta Nação amiga-irmã, que ora nos acolhe, como sempre, de forma tão amável, quase maternal.
Com efeito, o fato extraordinário do achamento do Brasil – como preferem expressar nossos anfitriões portugueses -, comemorado oficialmente urbi et orbi a 22 de abril de 1500, sabe-se hoje, e disso já não há mais ponta de dúvida, foi em verdade precedido, dois anos antes, isto é, em 1498, pelo aporte em solo brasileiro do notável navegador lusitano Duarte Pacheco Pereira, expedido dissimuladamente pela Corte do Venturoso D. Manoel, e que viria mais tarde a integrar a esquadra de Pedr’Alvares, a do oficial descobrimento, certamente para servi-lo como orientador e conselheiro, posto que Cabral, como é sabido, não era dado às artes da navegação, sendo mesmo, nisso, jejuno.
E tal fato se deu, exatamente, na região de que provenho, a Amazônia brasileira, precisamente na Ilha de Marajó, que ele percorreu em parte, descendo em direção nordeste, até a certa altura do Maranhão, de que fez relato minucioso a El-rei em escrito codificado (Esmeraldo de Situ Orbis) – eis que era, então, de todo imperioso, manter segredo desse episódio aos especiosos concorrentes espanhóis -, documento que permaneceu por muito tempo indeclinado.
Pouco mais de um século passado do descobrimento (1637), outro evento auspicioso fez crescerem, de forma exponencial, as relações luso-amazônidas: a chegada, à região, do grande desbravador do setentrião brasileiro, Pedro Teixeira, que partindo da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará – fundada havia só vinte e um anos (1616), pelo capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco, chefe das tropas portuguesas, a partir de uma fortificação, o Forte do Presépio, que ele fez plantar em ponto eminentemente estratégico do estuário do Amazonas, verdadeira atalaia do Norte naqueles confins do solo brasileiro a proteger essas plagas da sanha conquistadora de corsários e flibusteiros ingleses, franceses e holandeses – subiu o costado brasileiro até quase atingir a extremidade superior do Amapá e, ao descer, enfurnou-se território adentro, seguindo o contracurso do rio-mar, até Quito, no Equador, garantindo a posse dessas planícies, na quase totalidade, para a Corte portuguesa.
Belém cresceu, expandiu-se em todas as direções, urbanizou-se, tornando-se um dos mais importantes entrepostos comerciais do Brasil, naquele então, o que lhe ensejou ser contemplada, anos passados, com a distinção de sede (ou capital) da província do Grão-Pará e Maranhão, que incluía, ademais, o atual Estado do Amazonas. Temos, ainda dessa época, monumentos arquitetônicos incomparáveis, que muito nos orgulhecem.
Mas há um fato histórico muito pouco conhecido e por isso escassamente divulgado, que muito contribuiu para estreitar os laços de luso-brasilidade, que muito nos favoreceu e que peço agora especial vênia para relatar, mormente por aqui se fazerem presentes representantes de vários estados brasileiros, que bem podem disso não se ter inteirado.
No reinado de D. José I, Portugal teve como Ministro Extraordinário um de seus homens mais lúcidos, realizadores e, atrevo-me a afirmar, reformadores, que lista entre seus grandes feitos a notável obra de refazimento da cidade de Lisboa após o devastador terremoto que quase a destruiu totalmente, em 1755, e a notável empreitada de reurbanização da parte mais nobre da cidade, hoje conhecida como a Baixa Pombalina, obra revolucionária para a época, que tantos reclamos suscitou.
Pois esse homem, de inexcedível visão futurista, um estadista que todo o Portugal reverencia hoje e imortalizou com a concessão de seu nome a obras e monumentos à altura de sua notabilidade – como é exemplo a cidade que hoje lhe é homônima, onde viveu seus últimos e amargurados dias -, esse arguto administrador, reforço, preocupado, àquela altura, com a exigüidade territorial do Reino, cerceado, de um lado pelo mar-oceano e de outro pelas fronteiras espanholas, fez ver, ao diligente monarca, a necessidade de mudar a sede da Coroa para sua nova colônia americana, de extensões continentais, a fim de que pudesse fazer crescer seu poderio imperial, já expressivo ao tempo.
Estudos realizados visando à concretização de tal proeza apontaram nossa região, o Grão-Pará, como a mais propícia, elegendo-se a cidade de Belém para sediar o governo real. Para tal, Pombal nomeou Governador do Grão-Pará e Maranhão nada menos que seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, incumbindo-o, dentre outros afazeres, da construção de obras imprescindíveis a tal mister. São dessa época, o notável e opulento Palácio Governamental (que seria Imperial), o Palácio Arquiepiscopal (que hoje abriga um Museu de Arte Sacra dos mais ricos e referenciados do País) e a Sé Catedral. Para lá foi enviado, também, experiente e renomado arquiteto bolonhês, dos mais cultuados do Reino, Antônio Giuseppe Landi, responsável pela construção do Palácio e que nos legou obras de indiscutível beleza e valor, religiosas e profanas, erigidas ao longo de sua frutuosa e longa existência, toda ela, quase, cumprida entre nós, posto que lá radicou-se, constituiu família e veio a falecer.
Quis o destino, contudo, que a morte prematura de D. José I e a conseqüente queda de Pombal pusessem um ponto final nesse tão ambicioso quanto extravagante projeto.
Mas ficaram as obras, os costumes, a profícua realização levada a efeito por Mendonça Furtado, máxime no que tange à legislação, à convivência com os silvícolas e a numerosa população de portugueses que lá jaziam. Consolidaram-se as relações diretas entre o Grão-Pará e a Coroa, que não passavam pela capital do Brasil. Havia avultado intercâmbio comercial, cultural, científico, entretido no eixo Belém-Lisboa.
A Universidade de Coimbra, das mais afamadas da Europa, era a meca de nossos estudantes, que para lá seguiam objetivando os diversos cursos superiores por ela oferecidos e de nossos profissionais formados na Bahia ou no Rio de Janeiro, ávidos de lá se aprimorarem. E muito mais ainda se poderia anuir, inclusive o fato de que fomos a última região a reconhecer e aderir à Independência.
A cidade de Belém é, no Brasil, sem ponta de dúvida, uma das que apresentam mais marcadas características portuguesas, representadas, mormente, por inúmeros casarões de fachada azulejada e varandas de ferro forjado nas janelas, muitas de típico padrão em guilhotina, a denunciar-lhes as origens. No Centro Histórico, o bairro da Cidade Velha constitui-se em precioso repositório evocativo de sua história.
O caldeamento luso-brasileiro se fez de forma tão soberba e consentida, que não tenho eu receios de incorrer em demasia ao afirmar que, parafraseando nosso vate tão querido em Portugal, Chico Buarque de Holanda: “Todos nós temos a correr nas veias um pouco de sangue lusitano”. Pessoalmente, muito me orgulhece a luso-descendência. Minha querida mãe, hoje com a provecta idade de 87 anos e gozando de plena lucidez e completa higidez física, teve como pai benquisto e próspero cidadão nascido na histórica cidade de Braga, o qual, com alguma dificuldade, embora, fê-la mandar junto com as irmãs, a esudar em Lisboa, onde passaram a meninice e parte da juventude, propiciando-lhes educação de qualidade e proficiência.
Mas, e na Medicina, que posso apontar em minha região, como legado expressivo do povo português?
Não bastassem os já referidos cursos de formação e aprimoramento de nossos médicos em centros eminentes da medicina lusa, suficiente seria acrescer, aqui, o já mais que secular Hospital D. Luiz I, da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará, ainda hoje um dos maiores, mais bem equipados e conceituados nosocômios da Amazônia, onde se pratica uma medicina de ponta, sem olvidar a assistência aos menos aquinhoados financeiramente, que conta, em seu corpo clínico, com alguns dos mais bem preparados e acatados profissionais da ciência hipocrática da região. Lá tive o ensejo e o privilégio de adestrar-me, no início de minha atividade clínica, com colega de larga experiência e prestígio no campo da cirurgia, pertencente a tradicional e abastada família lusitana, os Nicolau da Costa.
Espaço especial há que ser reservado \à nossa Santa Casa de Misericórdia do Pará, tradicional instituição de acolhimento a enfermos de origem portuguesa e que em nosso meio, demais de assistência aos carentes e desafortunados serve, igualmente, de Hospital-Escola para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará, por onde me diplomei, em cujas enfermarias disponíveis aos indigentes exerci, por muitos anos, a medicina, nos campos da cirurgia e da tocoginecologia. Um dos hospitais mais queridos pela população paraense e de maior proficuidade assistencial.
Outro legado a merecer registro é o Grêmio Literário e Recreativo Português, igualmente centenário, que dispõe de uma Biblioteca contendo notável acervo de obras raras, dentre as quais muitas de interesse na área médica.
Nossas Academias de Medicina, presentemente espalhadas e atuando por quase todo o território pátrio, vêm buscando, com especial denodo, a elevação constante dos padrões éticos, científicos e técnicos da medicina brasileira, hoje a desfrutar, no contexto das nações desenvolvidas, elevada conceituação. Dentre as Federadas, umas há como a Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, originalmente Academia Imperial de Medicina, já quase bicentenária, pois fundada em 1829, de invulgar longevidade; outras com bem menor tempo de existência e três em formação – ou constituição -, mas todas, sob a coordenação da FBAM, vêm envidando esforços, arrostando dificuldades de toda sorte, para bem cumprir seu desiderato maior.
Presentemente, sendo propósito da Federação estimular o congraçamento médico com centros internacionais de reconhecida expressão, logo se nos planteou o recurso ao intercâmbio primeiro com as Academias de Medicina de Portugal, assim pela excelência de sua medicina, como, também, pelas afinidades cultural e lingüística, escopo maior da viagem que empreendeu esta delegação, que tenho a honra de integrar, à airosa pátria de Camões.
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(*) Alocução proferida em 6/4/2000 na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal, aos participantes do Programa de Intercâmbio Médico-Acadêmico Portugal-França-Brasil 500 anos promovido pela Federação Brasileira das Academias de Medicina - FBAM.
(**) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES. Da Academia de Medicina do Pará.
serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com
Sérgio Martins Pandolfo**
Ilustres confrades acadêmicos, prezados colegas, senhoras, senhores
Somente a proverbial gentileza do atual Presidente da Federação Brasileira das Academias de Medicina– FBAM, Dr. Waldenir de Bragança, poderá explicar a nímia deferência de me haver designado para dirigir a palavra em tão seleta e distinguida sessão, em nome dessa entidade federativa, cumprindo mais esta etapa do “Programa de Intercâmbio Médico-Acadêmico Portugal-França-Brasil 500 anos”, constantes das celebrações comemorativas da FBAM, pela passagem dos cinco séculos do descobrimento de nosso País, sendo eu representante de uma das federadas de não muito dilatada existência, a Academia de Medicina do Pará.
Talvez, quem sabe, possa isso ser devido – e certamente o será, em parte, ao menos – pelo ser eu oriundo de uma das regiões mais cercadas de mistérios, incógnitas e incertezas de todo o mundo, para a qual nem sempre sopraram os ventos favônios - o que a faz, também, foco de cobiça e cupidez de países potentados – e que detém igualmente, ainda hoje, laços assaz estreitos com esta Nação amiga-irmã, que ora nos acolhe, como sempre, de forma tão amável, quase maternal.
Com efeito, o fato extraordinário do achamento do Brasil – como preferem expressar nossos anfitriões portugueses -, comemorado oficialmente urbi et orbi a 22 de abril de 1500, sabe-se hoje, e disso já não há mais ponta de dúvida, foi em verdade precedido, dois anos antes, isto é, em 1498, pelo aporte em solo brasileiro do notável navegador lusitano Duarte Pacheco Pereira, expedido dissimuladamente pela Corte do Venturoso D. Manoel, e que viria mais tarde a integrar a esquadra de Pedr’Alvares, a do oficial descobrimento, certamente para servi-lo como orientador e conselheiro, posto que Cabral, como é sabido, não era dado às artes da navegação, sendo mesmo, nisso, jejuno.
E tal fato se deu, exatamente, na região de que provenho, a Amazônia brasileira, precisamente na Ilha de Marajó, que ele percorreu em parte, descendo em direção nordeste, até a certa altura do Maranhão, de que fez relato minucioso a El-rei em escrito codificado (Esmeraldo de Situ Orbis) – eis que era, então, de todo imperioso, manter segredo desse episódio aos especiosos concorrentes espanhóis -, documento que permaneceu por muito tempo indeclinado.
Pouco mais de um século passado do descobrimento (1637), outro evento auspicioso fez crescerem, de forma exponencial, as relações luso-amazônidas: a chegada, à região, do grande desbravador do setentrião brasileiro, Pedro Teixeira, que partindo da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará – fundada havia só vinte e um anos (1616), pelo capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco, chefe das tropas portuguesas, a partir de uma fortificação, o Forte do Presépio, que ele fez plantar em ponto eminentemente estratégico do estuário do Amazonas, verdadeira atalaia do Norte naqueles confins do solo brasileiro a proteger essas plagas da sanha conquistadora de corsários e flibusteiros ingleses, franceses e holandeses – subiu o costado brasileiro até quase atingir a extremidade superior do Amapá e, ao descer, enfurnou-se território adentro, seguindo o contracurso do rio-mar, até Quito, no Equador, garantindo a posse dessas planícies, na quase totalidade, para a Corte portuguesa.
Belém cresceu, expandiu-se em todas as direções, urbanizou-se, tornando-se um dos mais importantes entrepostos comerciais do Brasil, naquele então, o que lhe ensejou ser contemplada, anos passados, com a distinção de sede (ou capital) da província do Grão-Pará e Maranhão, que incluía, ademais, o atual Estado do Amazonas. Temos, ainda dessa época, monumentos arquitetônicos incomparáveis, que muito nos orgulhecem.
Mas há um fato histórico muito pouco conhecido e por isso escassamente divulgado, que muito contribuiu para estreitar os laços de luso-brasilidade, que muito nos favoreceu e que peço agora especial vênia para relatar, mormente por aqui se fazerem presentes representantes de vários estados brasileiros, que bem podem disso não se ter inteirado.
No reinado de D. José I, Portugal teve como Ministro Extraordinário um de seus homens mais lúcidos, realizadores e, atrevo-me a afirmar, reformadores, que lista entre seus grandes feitos a notável obra de refazimento da cidade de Lisboa após o devastador terremoto que quase a destruiu totalmente, em 1755, e a notável empreitada de reurbanização da parte mais nobre da cidade, hoje conhecida como a Baixa Pombalina, obra revolucionária para a época, que tantos reclamos suscitou.
Pois esse homem, de inexcedível visão futurista, um estadista que todo o Portugal reverencia hoje e imortalizou com a concessão de seu nome a obras e monumentos à altura de sua notabilidade – como é exemplo a cidade que hoje lhe é homônima, onde viveu seus últimos e amargurados dias -, esse arguto administrador, reforço, preocupado, àquela altura, com a exigüidade territorial do Reino, cerceado, de um lado pelo mar-oceano e de outro pelas fronteiras espanholas, fez ver, ao diligente monarca, a necessidade de mudar a sede da Coroa para sua nova colônia americana, de extensões continentais, a fim de que pudesse fazer crescer seu poderio imperial, já expressivo ao tempo.
Estudos realizados visando à concretização de tal proeza apontaram nossa região, o Grão-Pará, como a mais propícia, elegendo-se a cidade de Belém para sediar o governo real. Para tal, Pombal nomeou Governador do Grão-Pará e Maranhão nada menos que seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, incumbindo-o, dentre outros afazeres, da construção de obras imprescindíveis a tal mister. São dessa época, o notável e opulento Palácio Governamental (que seria Imperial), o Palácio Arquiepiscopal (que hoje abriga um Museu de Arte Sacra dos mais ricos e referenciados do País) e a Sé Catedral. Para lá foi enviado, também, experiente e renomado arquiteto bolonhês, dos mais cultuados do Reino, Antônio Giuseppe Landi, responsável pela construção do Palácio e que nos legou obras de indiscutível beleza e valor, religiosas e profanas, erigidas ao longo de sua frutuosa e longa existência, toda ela, quase, cumprida entre nós, posto que lá radicou-se, constituiu família e veio a falecer.
Quis o destino, contudo, que a morte prematura de D. José I e a conseqüente queda de Pombal pusessem um ponto final nesse tão ambicioso quanto extravagante projeto.
Mas ficaram as obras, os costumes, a profícua realização levada a efeito por Mendonça Furtado, máxime no que tange à legislação, à convivência com os silvícolas e a numerosa população de portugueses que lá jaziam. Consolidaram-se as relações diretas entre o Grão-Pará e a Coroa, que não passavam pela capital do Brasil. Havia avultado intercâmbio comercial, cultural, científico, entretido no eixo Belém-Lisboa.
A Universidade de Coimbra, das mais afamadas da Europa, era a meca de nossos estudantes, que para lá seguiam objetivando os diversos cursos superiores por ela oferecidos e de nossos profissionais formados na Bahia ou no Rio de Janeiro, ávidos de lá se aprimorarem. E muito mais ainda se poderia anuir, inclusive o fato de que fomos a última região a reconhecer e aderir à Independência.
A cidade de Belém é, no Brasil, sem ponta de dúvida, uma das que apresentam mais marcadas características portuguesas, representadas, mormente, por inúmeros casarões de fachada azulejada e varandas de ferro forjado nas janelas, muitas de típico padrão em guilhotina, a denunciar-lhes as origens. No Centro Histórico, o bairro da Cidade Velha constitui-se em precioso repositório evocativo de sua história.
O caldeamento luso-brasileiro se fez de forma tão soberba e consentida, que não tenho eu receios de incorrer em demasia ao afirmar que, parafraseando nosso vate tão querido em Portugal, Chico Buarque de Holanda: “Todos nós temos a correr nas veias um pouco de sangue lusitano”. Pessoalmente, muito me orgulhece a luso-descendência. Minha querida mãe, hoje com a provecta idade de 87 anos e gozando de plena lucidez e completa higidez física, teve como pai benquisto e próspero cidadão nascido na histórica cidade de Braga, o qual, com alguma dificuldade, embora, fê-la mandar junto com as irmãs, a esudar em Lisboa, onde passaram a meninice e parte da juventude, propiciando-lhes educação de qualidade e proficiência.
Mas, e na Medicina, que posso apontar em minha região, como legado expressivo do povo português?
Não bastassem os já referidos cursos de formação e aprimoramento de nossos médicos em centros eminentes da medicina lusa, suficiente seria acrescer, aqui, o já mais que secular Hospital D. Luiz I, da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará, ainda hoje um dos maiores, mais bem equipados e conceituados nosocômios da Amazônia, onde se pratica uma medicina de ponta, sem olvidar a assistência aos menos aquinhoados financeiramente, que conta, em seu corpo clínico, com alguns dos mais bem preparados e acatados profissionais da ciência hipocrática da região. Lá tive o ensejo e o privilégio de adestrar-me, no início de minha atividade clínica, com colega de larga experiência e prestígio no campo da cirurgia, pertencente a tradicional e abastada família lusitana, os Nicolau da Costa.
Espaço especial há que ser reservado \à nossa Santa Casa de Misericórdia do Pará, tradicional instituição de acolhimento a enfermos de origem portuguesa e que em nosso meio, demais de assistência aos carentes e desafortunados serve, igualmente, de Hospital-Escola para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará, por onde me diplomei, em cujas enfermarias disponíveis aos indigentes exerci, por muitos anos, a medicina, nos campos da cirurgia e da tocoginecologia. Um dos hospitais mais queridos pela população paraense e de maior proficuidade assistencial.
Outro legado a merecer registro é o Grêmio Literário e Recreativo Português, igualmente centenário, que dispõe de uma Biblioteca contendo notável acervo de obras raras, dentre as quais muitas de interesse na área médica.
Nossas Academias de Medicina, presentemente espalhadas e atuando por quase todo o território pátrio, vêm buscando, com especial denodo, a elevação constante dos padrões éticos, científicos e técnicos da medicina brasileira, hoje a desfrutar, no contexto das nações desenvolvidas, elevada conceituação. Dentre as Federadas, umas há como a Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, originalmente Academia Imperial de Medicina, já quase bicentenária, pois fundada em 1829, de invulgar longevidade; outras com bem menor tempo de existência e três em formação – ou constituição -, mas todas, sob a coordenação da FBAM, vêm envidando esforços, arrostando dificuldades de toda sorte, para bem cumprir seu desiderato maior.
Presentemente, sendo propósito da Federação estimular o congraçamento médico com centros internacionais de reconhecida expressão, logo se nos planteou o recurso ao intercâmbio primeiro com as Academias de Medicina de Portugal, assim pela excelência de sua medicina, como, também, pelas afinidades cultural e lingüística, escopo maior da viagem que empreendeu esta delegação, que tenho a honra de integrar, à airosa pátria de Camões.
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(*) Alocução proferida em 6/4/2000 na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal, aos participantes do Programa de Intercâmbio Médico-Acadêmico Portugal-França-Brasil 500 anos promovido pela Federação Brasileira das Academias de Medicina - FBAM.
(**) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES. Da Academia de Medicina do Pará.
serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com