Apologias antes das Cinzas ...
Apologias antes das Cinzas ...
Há luz do Sol e escrevo, velas e lamparinas resguardo aos que se foram, aos que virão e aos recém chegados , que possa algo acrescentar antes do apaga das velas ...
Foi-se uma inigualável voz, uma grande mulher; Mercedes, de morte natural, afinal adoecemos embora matou-se outra por desilusão de amor e da sua luta, foram-se mais outros, chegaram Marias, Luizas, Josés, Terezas , Josefinas, Floras, Cristinas, Luizes, Joãos... Serão cantantes, Poetas, militantes, escravos do vil metal, livres guerreiros, guerrilheiros, que escolhas farão ?
A natureza não se apieda, reage, a lei da vida é luta pela conservação,todas espécies seguem desinteressadamente, porém o homem pensa, imagina e se auto engana quando ruge, cerra ouvido ante o ecoar da sua própria estupidez. Do jardim do éden dizem, fomos expulsos e, se o fomos foi por arrogância que hoje conhecemos !?O Planeta sobreviverá sem nossa presença, sabemos, mas em condições diversas, nossos rastros deixaremos e serão cobertos por lama ou cinzas quem sabe...larvas lava fervente pedras vulcânicas, escrementos de novas espécies... A mudança é a lei, mas não a apressemos, como diz o oráculo- não é preciso correr em direção ao caos, antecipar os fatos, querer forçar a destruição para nova ordem instalar-se, isto é inevitável.Por que existimos ? Pergunte à Sartre ...Eu não sei !
Pássaros se alimentavam de abundante diversidade. Eco sistemas muito bem sem nós estava e o Planeta azul de verde se revestia...Multiplicamo-nos é a lei da resistência, mas criamos máquinas para não morrer e limitar o tempo , aí reside a diferença queremos perdurar e sobrepujar . Uma vida boa, razoável não nos basta queremos imortalidade sobrevida, tempo para aprender sobre os erros ? Viver mais, comer mais e arar campos de margaridas,ceifar lírios, rasgar sonhos da caatinga, apressar a morte do tigre...À ferro e fogo pelo bel prazer das vaidades e mais vaidades ? Ornar com sangue inocente álbum de fotografias e a Babel se ergue a cada dia, apesar de ideais tão belos haver entre nós... Desilusões coexistem com a esperança ainda...
Não morri eis meu pecado. Ocupo mais espaço que o devido, gasto mais que o merecido. Se devolvo quietude ainda manculo crucial silencio à toda espécie . Não se pode mover um dedo sem bolir com as estrelas , alguém bem o disse... São fios de cobre prata, óleo, gás, titânio e sei lá mais o que se consome e nos consome. Para não romper com os ciclos durmo mais , como menos, gasto o mínimo d´água, tomo menos banho de chuveiro, lavo uma vez só no dia a xícara , toalha poupo e, e o rosto lava-se com suor frio diante as irmãs árvores tosadas, vida ceifadas, perdidas em queimadas.Cultivamos orquídeas e derrubamos florestas inteiras, idiosincráticos, confusos, paradoxais, destruímos o que possímos gratuitamente e ainda para ter acesso à mais e mais devastação. Dispenso uso de móveis de cedro e jacarandá, que produzam suas flores e abriguem outras vidas bem mais úteis que esta minha que pouca beleza tem em versos e, textualizando se de bom tom e boa intenção for escrito, quem tempo e desejo a dar-me ouvidos...Nos lêem ? Não critico ,também prefiro hinos mais sentidos. Como ouvir o soar da escrita dos corpos que com gentil ardor vergam-se sem ameaça, mas em respeito e reverência ao habitat do qual se nutrem sem esgotar.
Espero que os nativos não sejam atropelados pela chamada inclusão, que possam escolher se desejam ser incluídos no desastre que chamamos civilização. Que suas histórias continuem sendo contadas oralmente , que não se perca o contato pessoal como perdemos, que ao pé de algum fogo bom e amigo ainda contem-se os sorrisos e as mãos dadas e as raízes não se percam embora o folclore seja polvilhado com novos olhares e a eles tenhamos ainda ouvidos...Outros modos de convívio são possíveis, há que ouvir, ver do que realmente o bicho homem precisa para viver e desaprender o medo do inevitável, adiado encontro com o fogo ou solo, de qualquer forma a escolher retornaremos todos ao pó e, enquanto o momento de ser apenas nutriente do solo não chega, para cada um de nós, que possamos usar do que nos faz diferentes, uma chamada inteligência que nos permite escolher entre cooperar ou apressar o extermínio e escassez do ar indispensável.Somos os únicos a erguer fogueiras e atar a elas os próprios pés ! Se a uma pulsão de morte em busca de redenção nos pomos, esta não nos autoriza a levar conosco o canto das aves o uivar dos lobos, o nadar dos peixes e, falando em seres aquáticos nem a umidade de nossos corpo levaremos, então porque insistir na insensatez de acumular ?Argumentam alguns dedicados ao amplo consumo, que pela vida confortável tem direito e tudo fazem por si e pelo todo do progresso financeiro.
Mas parem um pouco é o que peço, só um pouco, de fugir, só por alguns instantes, de correr para o fogo e, permitam–se viver sem medo do amanhã sem pressa e, escutem o som de algum riacho, o canto de alguns pássaros, ponham-se à contemplar a verdejante copa de uma árvore, saboreiem uma fruta lentamente...E, então me digam se não é espetacular sermos dotados de tantos sentidos, poder criar, e escolher como e com que desejamos gastar o tempo que temos, antes de perder a cor e virar cinzas nada mais.
A Marcha pela Paz está em andamento Inúmeras lutas pedem adesão...
Se tens pressa, então apressa-te a fazer uma escolha que valha à pena. Como saber? Só sentindo! Só sentindo o que te traz contentamento e te faz sorrir íntimamente , o resto não vale um só instante de teus pensamentos...
Creio que Mercedes Sosa viveu de acordo com seus princípios, melhor experimentou o sentimento de pertencer à espécie humana e exerceu seu dom e, como não ter sido contente ao escolher viver encantando e fazer-se porta voz de algum entendimento. Ao interpretar Gracias à La Vida composição da grande artista, auto didata, ativista, idealista chilena Violeta Parra (que suicidou-se por desilusão amorosa e com sua luta) , Mercedes provocou comoção e despertar de milhares para o valor dos sentidos, como diz a letra com a qual deixo-os ;
- o canto de todos, que é o meu próprio canto !
Obrigado à vida que me tem dado tanto ...-deu-me dois olhos que, quando os abro perfeitamente distingo o preto do branco-e no alto céu, o seu fundo estrelado e nas multidões, o homem que eu amo.-Obrigado à vida que me tem dado tanto deu-me o ouvido que, em toda a amplitude,grava, noite e dia, grilos e canários martelos, turbinas, latidos, chuviscos-e a voz tão terna do meu bem amado..Obrigado à vida que me tem dado tanto-deu-me o som e o abecedário e, com ele, as palavras com que penso e falo-mãe, amigo, irmão e luz iluminando a rota da alma de quem estou amando.-Obrigado à vida que me tem dado tanto deu-me a marcha dos meus pés cansados-com eles andei por cidades e charcos,praias e desertos, montanhas e planícies-pela tua casa, tua rua e teu pátio.-Obrigado à vida que me tem dado tanto -deu-me o coração que todo se agita quando vejo o fruto do cérebro humano, quando vejo o bem tão longe do mal,quando vejo no fundo do teus olhos claros.-Obrigado à vida que me tem dado tanto deu-me o riso e deu-me o pranto-assim eu distingo a felicidade da tristeza, os dois materiais de que é feito o meu canto-e o canto de todos, que é o meu próprio canto -Obrigado à Vida ... !