PALESTRA - O ENCANTADO MUNDO DA LEITURA

Palestra: O Encantado Mundo da Leitura - Maria Eneida Nogueira Guimarães

Ilustre presidente da Academia Feminina Mineira de Letras Maria Laura Cony

Caríssimos convidados, minhas colegas...

Agradeço a nossa presidente a oportunidade de estar aqui conversando com vocês, usufruindo dos benefícios que esta academia nos proporciona. Pediu-me para escolher o tema. Adorei! Assim vou falar de um assunto que ultimamente, tem me fascinado: “O Mundo Encantado da Leitura”. Sempre gostei de ler. Todavia essa nova descoberta levou-me a pesquisar: quis saber o que as outras pessoas pensam sobre isto. Sempre passo os fins de semana no sítio em Itaúna onde tenho uma grande amiga Sislene Machado, professora universitária de Português. Conversando, pedi-lhe que escrevesse sobre o tema. Ali mesmo, no sítio, escreveu o que lhe vinha à cabeça. Guardei com o maior carinho, pois, o conteúdo do que escreveu era muito parecido com o meu. Porém fez uma leitura mais profunda e acadêmica. Pedi a outra amiga, Letícia, que descobre tudo no computador para pesquisar sobre as diversas maneiras de fazer leitura. Ela, carinhosamente, descobriu uma crônica de Rubem Alves, extraída do jornal Folha de São Paulo, publicada em 2004. Uma crônica linda, sábia, onde aborda o tema de maneira leve, interessante, educativa. Vou ler para vocês as três abordagens do tema: por Rubem Alves, Sislene e a minha. São textos pequenos. Peço-lhes ouvir e analisar cada crônica. Cada um tem uma maneira de se expressar, uma linguagem, sobre o mesmo tema. Todavia cada um é um, e deve ser respeitado.

Gostaria ainda, que depois de ouvir as três versões escrevesse algo, bem seu, para enriquecer ainda mais, esse fascinante mundo da leitura. Poucas linhas. Escrevam o nome, pois vou recolher os papéis. Será mais uma contribuição para o Mundo Encantado da Leitura.

Rubem Alves: A complicada arte de ver e ler

Rubem Alves, “Folha de São Paulo, 2004.

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões. É uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal, sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles. Tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de uma catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cunnings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas".

Por isso porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver, eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

O Encantado Mundo da Leitura – Eneida

Quando se descobre o encontro das letras, a leitura, o mundo se modifica, fica mais bonito. Desde criança apaixonei-me pelos livros. Durante o curso primário fui bibliotecária do 1º ao 4º ano. Remendava, encapava, e nenhum livro me escapava. Durante a juventude tive o privilégio de ter uma amiga, cujo avô era dono da melhor biblioteca da cidade. Levava quatro, cinco livros de uma vez e os devorava, à noite, porque meu pai desejava que sua filha fosse uma dona de casa exemplar; nada de ficar deitada num sofá lendo romances. A leitura de livros muito me ensinou; através dela viajei pelo mundo, amei muito, sofri horrores por desamor, atravessei a revolução francesa inteirinha, quase fiquei santa de tanto ler vida de santos, enfim, leituras e leituras de livros ensinaram-me a fazer outras leituras. De repente tomo consciência da imensa diversidade do ato de ler. Constantemente exercitamos esse poder fabuloso sem estarmos atentos. As leituras que fazemos do ser humano com o qual convivemos é muito importante. Estamos sempre lendo o esposo ou esposa, filhos, amigos...

Agora vem o mais importante. A leitura que fazemos é nossa. Cada ser humano tem um potencial, uma maneira só sua de avaliar o livro que leu, a pessoa, o teatro, o filme, a briga, enfim a infinidade de leituras que a vida nos oferece. As vezes penso, mas um quadrado só pode ser quadrado para qualquer leitor. Um círculo também, e algumas outras circunstâncias.

Mesmo assim, há que se cuidar em se fazer leituras. Devemos sempre nos lembrar que cada um traz uma carga diferente de onde nasceu, como viveu, fatores que irão influir na sua leitura. Esta diversidade de avaliação é que enriquece a leitura.

Precisamos ter humildade para ouvir, aceitar, pois leituras diferentes enriquecem o objeto avaliado. Quando descobrimos o encantamento da leitura em toda sua plenitude o mundo fica mais belo e rico. Ler bem requer treinamento. Pessoas há que têm olhos e não enxergam; não fazem nenhum tipo de leitura. Já outras, mesmo cegas, enxergam tudo através do amor, do olfato, paladar, voz, tato...

Outro dia, vi uma flor

Sozinha – ninguém via

Olhei-a com amor.

A flor sorriu! Quem diria!

Agradecimento

Agora, gostaria de presentear as pessoas que aqui compareceram com o meu primeiro livro. É um livro bastante intimista, escrito para lavar a alma. Este livro é a soma de cinco anos de análise. Verdadeira epifania. Estou lhes dizendo isto para que o compreendam melhor. A escrita que sai da alma e do coração é uma catarse, uma benção. Falarei de duas primeiras poesias escritas aos 16 anos. A primeira retrata a mulher da década de 40 e 50. A segunda ao ver um por do sol, numa favela, fui banhada por um senso político, percebendo as desigualdades das classes sociais.

Espero que ao ler meu livro coloquem esse encantamento e sabedoria discutidos, para aproveitá-lo bem.

O Encantado Mundo da Leitura – Sislene Machado

A leitura é uma forma de percepção do mundo físico e metafísico. Existem varias maneiras de perceber as coisas e a leitura é uma dessas formas. A leitura proporciona uma profusão de idéias e interpretações na mente do leitor, conferindo-lhe a habilidade de polissemia: imaginar e materializar realidades metalingüísticas que estão ocultas no texto. Através da interpretação conseguimos desocultar idéias, imagens e pensamentos que estão camuflados sob a linguagem. Ler a verdade é ir além do que está escrito nas linhas. É alcançar o conteúdo inefável das entrelinhas. “Ler é ultrapassar as linhas do dito e chegar até os confins do não dito”.

As palavras em sua realidade gráfica são apenas a materialidade semântica externa do texto: a riqueza conteudista maior esta na estrutura profunda do texto e subfaz latente sob as linhas do que está escrito. A mensagem maior nem sempre esta evidente na textualidade, e sim, subjacente no corpo semântico que não desaparece na visibilidade textual das linhas sobre o papel, mas esta sutilmente sugerida na infinitude polissêmica que se oculta por traz de cada palavra.

Esta subjetividade se amplia ainda mais quando se interfaceia com o âmbito da alteridade. Cada leitor é o outro que irá perceber o texto não só de acordo com o que está cartesianamente escrito, mas de acordo com suas emoções, crenças e ideologias pessoais.

O jogo da alteridade influencia grandemente a maneira de ler e sentir o texto de acordo com o background, experiências passadas e os hábitos de leitura de cada um. É por isso que algumas se emocionam diante de um poema e outras não se sentem tocadas: a história de vida de cada um pode fazer uma interseção com o que está sugerido e levar os leitores a longas viagens mentais, divagações, tecendo um encontro do leitor com sua própria identidade.

O hábito da leitura proporciona um aguçamento da capacidade de perceber e sentir, ou seja, um treinamento da sensibilidade.

Quanto mais lemos, mais sensibilizamos, mais aguçamos nossos sentidos para captar sensações, emoções, atitudes comportamentos e respostas para tudo.

Assim o leitor verdadeiro é alguém que desenvolve em si uma capacidade quase artística de interpretar não só os textos que lê, mas também o que não se lê: interpretar o mundo.

Perceber e inferir pessoas, sentimentos, emoções, coisas, lugares, aromas, sensações. E com isto, surgem vários tipos de leitura que podemos fazer: a leitura sinestésica responsável por ler os sentimentos das pessoas e as sensações. A leitura metafórica que nos permite fazer comparações e chegar a conclusões e suposições. A leitura de lugares, onde percebemos os valores de organização ou desordem, paz ou tumulto, aceitação ou repulsa. A leitura ontológica que é perceber-se no mundo e situar-se nele orquestrando-se com o universo em uma perspectiva cósmica.

Maria Eneida
Enviado por Maria Eneida em 18/06/2009
Reeditado em 28/03/2011
Código do texto: T1655670
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