DERRADEIRA POESIA

I

Escrevo de modo derradeiro.

Cabal. Qual se na vida

último dia a morte chegada

ceifa em punho

aguarde o último verso

decisiva palavra.

Tudo é o que fica pronto

Havendo outro dia

o que foi não conta

outra etapa

outra história.

A sobrevivência esfaimada

devorou o talento

sua fome desvairada

o fez de alimento

Nesse tormento

trabalho todo dia

minha poesia

garimpo, lavro, lapido

apesar do trabalho sofrido

nem sempre tenho gema

não raro o poema

é um belo pedregulho

Sobre aquele entulho

às vezes, choro o espúrio

e me demoro a ver ali augúrio

escreverei o tempo

da visão do outeiro

quando abrir a porta

entrarei primeiro

já não há rota

nada surpreende

a poesia se esgota

mas transcende

II

Uma poesia faminta

devoradora, parasita

aflita, reprimida

um jogo de palavras

desfalque de dicionário

Incômoda da literatura

supérflua para minha classe

e mais, que disseram :

Ignorada que é inédita

inédita que não se conhecerá

um canto maldito

incompreensível. Será ?

Apodrecendo por fora

intacto por dentro

sem motivo para orgulho

sem causa para revolta

III

Todo dia, assim vagueio

volto àquele turbilhão

Escavo um pouco aquela mina

na esperança de veio

Sob um lume que ilumina

Repasso palavra por palavra

ensilo a sieba, mas não descarto

que é para os dias difíceis de lavra

Esse fórceps de alívio de parto

de extrair rima e remorso

o estopim, o explosivo

essa canga no dorso

Um comportamento invasivo

Expressão pueril

Esse alforje de ferramental

sujo de esmeril

E o jeito mineiro de querer:

garimpar quando escreve

minerar quando pensa

É doce herança itabirana