Fé e razão - Aula inaugural na FACER, 2009
Tema: Conhecer e crer, duas luzes que torna claro o caminho humano sobre a terra.
Por: Dom Adair José Guimarães
Bispo da Diocese de Rubiataba-Mozarlândia
Aula inaugural na FACER (Faculdade de Ciência e Educação de Rubiataba)
11 de fevereiro de 2009
Estimados professores, alunos e funcionários da FACER,
Boa noite!
Inicialmente quero agradecer penhoradamente o convite que a mim foi dirigido para estar aqui nesta noite falando com vocês no início das atividades da FACER. O ambiente universitário sempre foi fascinante pela esperança que representa na vida do alunos, sobretudo dos calouros. É um ambiente marcado pela expectativa e pela apreensão dos novados.
Vivemos um momento impar de nossa civilização, pois passamos por uma mudança profunda na compreensão da pessoa, da natureza e da identidade do nosso existir. Paira sobre nós uma espécie de insegurança, pois os paradigmas anteriormente estabelecidos foram sensivelmente abalados pelas mudanças inauguradas pelo advento da nova civilização em curso.
A modernidade, sobretudo a partir do Sec. XVI, com a filosofia cartesiana de Renê Descartes, abriu os horizontes do pensamento para novas tentativas de compreensão das perguntas instigantes sobre a existência humana e seu fim, sobre a história e o fenômeno social. Ao lado do estabelecimento das novas postulações, tivemos outros grandes incrementos ocidentais, a saber: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial que favoreceram grandes deslocamentos de eixo no pensamento humano e conseguintemente no comportamento dos povos.
O Advento da ciência, sobretudo impulsionado pelo positivismo de Augusto Comte, influenciou sobremaneira a metodologia de compreensão da pessoa e do mundo que a circunda. Não é de se negar que houve um endeusamento dogmatizante da ciência e do próprio homem como a medida de todas as coisas. O resultado não foi o melhor, pois o autoritarismo do cientificismo sem regras éticas ou simplesmente impulsionado pelo interesse econômico acabou por inaugurar um certo desencanto com a existência que a dia cresce entre nós. Com todo o aparato científico e seus desdobramentos vivemos a incerteza da conservação da vida no planeta, pois a própria ciência colaborou para estragar e adoecer a natureza.
Com todo avança técnico e científico não tivemos como evitar duas grandes guerras que ceifaram milhões de pessoas na pior das atrocidades contra a dignidade e a liberdade humanas. Certos teóricos chegaram a prenunciar o banimento da fé e da religião da vida da sociedade. O filósofo alemão Nietsche chegou a anunciar que havia matado Deus. Mas quando morreu, em 1900, um estudante de Nova York fez questão de escrever num viaduto que Nietsche havia morrido e quem estava dando a notícia era o próprio Deus.
Creio ser importante pensar um pouco sobre o ato de crer e o ato de saber, de pesquisar. Há muitos que defendem a oposição cerrada entre fé e ciência. Tal mentalidade chega até a dar a entender que ter fé, professar uma religião é algo tremendamente atrasado e infantil. Esse tipo de postulação nada mais é do que um reducionismo autoritário de um pensamento que diminui a realidade da pessoa humana e subleva a possibilidade do aperfeiçoamento do seu ser.
O homem não é apenas um composto bioquímico de elementos conjugados que lhe confere um comportamento de compreensão do que o circunda. O homem é um ser, uma entidade viva e vivificadora, capaz de transcender e fecundar com sua existência os desdobramentos do pós muro histórico, ou seja, o homem é transcendente, é imortal, é espírito.
Dotado de inteligência e vontade, o homem é o único ser livre por excelência, pois recebe a liberdade do próprio principio incriado que é Deus, o princípio sem princípio, a fonte sem fonte. Obviamente que pela via racional o homem é capaz de ascender de si mesmo e da realidade fenomenológica que o circunda e mergulhar na luz eterna que é o seu Criador.
Mas seria possível sermos pessoas de ciência e ao mesmo tempo ter fé e expressarmos esta fé mediante uma prática religiosa? Claro que sim, perfeitamente é possível ter ciência e ter fé, pois ambas postulações se conjugam na unicidade do único ser que é o homem. Uma das coisas que mais nos entristece, é encontrar um homem da Ciência que seja ao mesmo tempo sem fé.
Isto, pela simples razão de que o pesquisador é aquele que mais de perto pode “tocar” a face de Deus, oculta, mas presente, nas maravilhas da natureza. Muitos pesquisadores não se abriram para a transcendência do mistério de Deus, que sustenta toda a natureza.
O cientista deveria ser o “primeiro” a dobrar os joelhos e curvar a cabeça para adorar e servir “Aquele que É” (Ex. 3,14) e que criou todos os seres, do nada.
Que alegria, Por outro lado, quando, por exemplo, podemos lembrar Max Planck (1858´1947), prêmio Nobel de Física em 1918, pela descoberta do “quantum” de energia, afirmar: “O impulso de nosso conhecimento exige relacionar a ordem do universo com Deus”. “... desde a infância a fé firme e inabalável no Todo Poderoso e Todo Bondoso tem profundas raízes em mim. Decerto Seus caminhos não são nossos caminhos; mas a confiança Nele nos ajuda a vencer as provações mais difíceis.”
A importância da fé foi também reconhecida pelo pintor impressionista Auguste Renoir, que ao comentar certas obras de grandes pintores disse: “Nas obras de antigos mestres jaz uma confiança suave, serena. Ela provém duma conduta despretensiosa, simples, que não existiria sem a fé religiosa como motivo primeiro. O homem moderno, porém, enxotou Deus - e assim perdeu segurança.”
Ou quando Andrews Millikan (1868´1953), prêmio Nobel de Física, em 1923, pela descoberta da carga elétrica elementar, também dizer que: “A negação de Deus carece de toda base científica”.
Da mesma forma Antoine Henri Becquerel (1852´1908), Nobel de Física em 1903, descobridor da radioatividade, afirmou: “Foram minhas pesquisas que me levaram a Deus”.
Albert Einstein (1879´1955), Nobel de Física em 1921, pela descoberta do efeito foto´elétrico, disse: “Quanto mais acredito na ciência, mais acredito em Deus”. “O universo é inexplicável sem Deus”.
Erwin Schorödinger (1887´1961), prêmio Nobel de Física em 1933, pelo descobrimento de novas fórmulas da energia atômica, afirmou: “A obra mais eficaz, segundo a Mecânica Quântica, é a obra de Deus”.
O próprio Voltaire, racionalista e inimigo sagaz da fé católica, foi obrigado a dizer: “O mundo me perturba e não posso imaginar que este relógio funcione e não tenha tido relojoeiro”.
Eddington, astrofísico falecido em 1944 afirmava convicto que “nenhum inventor do ateísmo foi pesquisador da natureza”. Muitos cientistas, infelizmente, ´obrigam´se´ a atribuir ao “acaso” toda a criação de Deus, como que para não pronunciar o seu nome.
A antiga revista soviética Questões fundamentais de Ateísmo Científico, do Instituto para o Materialismo, que circulava nos tempos do comunismo na União Soviética, chegou a escrever, no passado, que: “os seres vivos formaram´se por si mesmos, desenvolvendo´se por um processo natural de necessidade interna, sem recorrer, para tanto, à intervenção sobrenatural de um algum “deus´criador”, como quer a religião” (É bom lembrar que isto foi antes da queda do comunismo).
Os cientistas que se dizem materialistas, querem substituir Deus pelo acaso, como se este fosse inteligente e capaz de programar e executar algo. Vale a pena lembrar aqui a palavra do Dr. Adolf Butenandt, falecido em 1995 e prêmio Nobel em Bioquímica:
“Com os átomos de um bilhão de estrelas, o acaso cego não conseguiria produzir sequer uma proteína útil para o ser vivo”.
O acaso é cego e não pode criar nada. Tudo que existe fora do nada é “obra” de uma inteligência. O Dr. Edward Cooling, biólogo americano, afirmava aos adeptos do acaso que: “A probabilidade de ter´se a vida originado por acaso é comparável à probabilidade de um dicionário completo resultar da explosão de uma tipografia”.
Na verdade, como disse o Dr. Edward Mitchell, astronauta da Apolo 14, um dos primeiros homens a pisar na Lua: “O Universo é a verdadeira revelação da divindade, uma prova da ordem universal da existência de uma inteligência acima de tudo o que podemos compreender”.
São Paulo, escrevendo aos romanos, lhes dizia: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornaram´se visíveis à inteligência por meio das coisas criadas... Muitos, contudo, conhecendo a Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças” (Rom 1,18).
É o orgulho do coração humano que cega! Como disse Jesus: ´Quem tem olhos veja! Não há oposição entre a ciência e a fé, uma vez que ambas são obras do mesmo Deus. A ciência é o nutriente da inteligência, enquanto a fé é o alimento da alma. A ciência leva o homem ao conhecimento profundo das leis do mundo natural, a fé o transporta à transcendência do sobrenatural. A ciência se desenvolve na investigação sistemática do mundo visível, a fé cresce na confiança e no abandono... A ciência exige provas, a fé requer aceitação. A ciência exige pesquisa, a fé exige contemplação. Onde termina o limite estreito de alcance da ciência, aí começa o horizonte infinito da fé. O cientista acredita porque “entendeu”, o crente acredita porque “confia” em quem faz a revelação. Ambas se completam e se auxiliam mutuamente.
A fé precisa da luz da ciência para não ser cega e não se tornar fanática e doentia; a ciência precisa da fé para não colocar as suas descobertas a serviço do mal.
Não pode haver conflito entre ambas; se este existe, é por nossa culpa, e não por elas em si. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II afirma: ´Se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira verdadeiramente científica e segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam´se do mesmo Deus. Mais ainda: Aquele que tenta perscrutar com humildade e perseverança os segredos das coisas, ainda que disto não tome consciência, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo que elas sejam o que são´ (GS, 36).
Podemos afirmar que Deus se manifesta na linguagem das suas criaturas, e o cientista é o que mais conhece esta linguagem... A fé faz uso da ciência para elucidar-se melhor.
Por outro lado, a ciência não pode caminhar sem a fé. É esta que lhe confere os critérios éticos e morais para a sua conduta e para a aplicação dos seus conhecimentos. A ciência é bela; mas, se for mal usada, é devastadora. As armas que o digam! O que mais tememos hoje, é exatamente aquilo que construímos com as nossas mãos e com a nossa inteligência. E por quê este medo? Porque a fé e a moral não se desenvolveu na mesma proporção da ciência.
“O homem de hoje não está respeitando a primazia da pessoa sobre a coisa, da ética sobre a técnica, do espiritual sobre o material” (Redemptor Hominis, o Papa João Paulo II). É preciso não desprezar nem a ciência e nem a fé; antes, saber enriquecer-se com ambas. Diz o livro da Sabedoria: “São insensatos por natureza os que desconheceram a Deus e, através dos bens visíveis, não souberam reconhecer Aquele que é, nem reconhecer o Artista, considerando as suas obras (Sab. 13,1).