Desculpa pela Culpa
Lendo alguns textos, pego-me em reflexão profunda... A poesia necessita tanto das belezas da Natureza para falar de um indivíduo... Mas ultimamente a Natureza tem mostrado com mais freqüência sua faceta obscura e impiedosa...
Eu que sempre me considerei amiga do vento, tenho temido sua presença toda vez que passa urrando estranho... Ele passa forte, tentando erguer o que está a sua frente, e às vezes é como se ele tivesse uma face onde posso ver suas sobrancelhas juntando-se franzindo a testa... A voz do vento não possui mais aquela tranqüilidade sábia que outrora eu ouvia... E isso me causa um nó na garganta...
Eu sempre me considerei 'namorada' das nuvens... Minha família considera incrível como meu arquivo de fotos possuí mais fotos de gatos e nuvens do que de pessoas... Sempre vou em cima de casa registrar em fotos as nuvens... Elas possuem formas e cores que parecem desenhar o céu... Cada uma é única e jamais irá passar por aqui novamente, nem passará em outro lugar: o momento que aquela forma se manifesta é uma fração de segundos e no próximo instante já será outra. Namoro este céu desde minha infância... Levava um colchão e um rádio pra cima da casa de minha mãe onde cresci, quase toda noite... Ficava observando o céu como quem espera por algo... Olhava admirada cada estrela e em perguntava como pode ser possível vê-las estando tão distantes... Como tantas luzinhas nas casas não podem imitar o cintilar de cada luz no céu... Às vezes, eu via passar uma estrela cadente e fazia um desejo: pedia felicidade, condições para ajudar as pessoas e paz no mundo! Em determinada época parei para pensar o quanto as estrelas me consideravam ignorante por fazer sempre o mesmo pedido... Antes, as estrelas me pareciam prateadas... Hoje, elas cintilam azuis...Nas tardes ensolaradas eu me sentava lá e observava as nuvens passando... E aprendi a conhecer bem a rotina deste nosso céu acima de nós... Os tipos de pássaros que passavam... A rota dos aviões... A mudança nas cores das nuvens que anunciavam a noite, a chuva, o calor, o dia... Hoje fico assustada quando namoro as nuvens... Elas estão mais baixas... Elas não passam com tanta serenidade... Estão revoltas parecendo engolir umas as outras... São um misto de cores onde a única coisa que posso discernir é fúria...
Eu sempre precisei de pelo menos uma vez ao ano ir para o mar... Não sei explicar se é mania, ilusão psicológica ou o que... Sei que preciso uma vez por ano pelo menos ir tomar um banho de mar... E ouço no meio da cidade de concreto o seu chamado... Chego a ouvir o canto das baleias repentinamente... E meu corpo e minha alma imploram para pisar no mar... Faz pouco mais de três anos que não vou até lá... A última vez que fui senti medo! Não sei nadar, tenho pavor da água... É algo inconsciente... Vem-me na mente, algumas imagens estranhas como lembranças e sinto uma ardência na garganta igual a água que engasga... Mas nunca tive medo do mar... Sentia profundo respeito por ele, e toda vez que nele entrava eu pedia 'licença'... Na última vez que o vi ele não estava normal... As ondas terminavam além dos limites costumeiros na areia... O nível estava mais além do que de costume... Não conseguia entrar nele... Senti medo porque percebi o quanto ele estava 'mal humorado'... E ele me provou que estava mesmo, quando de repente recuou estranhamente e ao retornar, derrubou e arrastou as mesas e cadeiras, sacolas, esteiras e sandálias... O som que ele fazia não era o mesmo que outras vezes... Ele parecia gritar para que todos nós saíssemos de lá... Ele devolvia com fúria todo o lixo que nele haviam despejado... Ele devolvia com maior volume os restos dos peixes e caranguejos que haviam sido capturados nos barcos pesqueiros... Ele estava escuro, e as ondas visivelmente misturadas a areia que arrancava das margens com violência deixando valas...
As árvores de minha calçada também não estão normais... No período que deveriam florescer apresentam-se secas... Na última vez que secaram, chorei: achei que estavam morrendo. Não havia folhas, muito menos as flores alaranjadas e lilás que criavam um tapete perfumado na minha calçada... Elas que testemunharam as antigas crianças desta casa, hoje adultos, cresceram... Elas que testemunham meus filhos crescerem... Que abrigam os passarinhos e meus gatos que dormem seguros em seus galhos... Passei a ir todos os dias abraçar os largos troncos... Segurava-me para não chorar diante dos que passavam e me via ali abraçada a uma árvore e eu podia ver em seus olhos: '-Louca!'... Em cada abraço, eu pedia perdão se alguém de minha raça tivesse atentado contra a vida delas... Em cada abraço, eu vibrava o quanto sentia por perdê-las... Em cada abraço, eu pedia para que ficassem comigo... Com o tempo, poucas folhas voltaram a brotar... Era como um sinal para me confortar dizendo: '- Ainda não é nossa hora!' Comecei a compreender que algo no tempo foi deslocado... A Terra não está girando como deveria... Algo tirou a Terra bruscamente do seu eixo... Isso mudou as estações, o tempo e fase para cada processo na Natureza... As árvores não estavam morrendo... Estavam tentando se adaptar a isso... Estavam tentando compreender quando seria o momento certo de criar novas folhas, florir, criar sementes... Elas obedecem por eras a mesma ordem dada a elas desde o princípio do mundo... E de repente, elas não podem continuar obedecendo porque algo mudou!
Esta semana assistia na tv um repórter culpar os políticos pelas enchentes constantes nas ruas de São Paulo... Em todos os pontos de alagamento que vi havia ou um córrego ou um rio foi canalizado... Enquanto o jornalista discursava o descaso dos governantes sobre um problema que parece nunca ter solução, eu refletia a culpa dos próprios cidadãos que sofrem nessa época de chuvas... De repente, nem sei se estamos mesmo no período das chuvas, pois estamos no verão... Eu que não tenho o hábito de usar o relógio por me guiar pelo comportamento da Natureza em cada fase do dia, também me sinto perdida... Em horário de verão meu organismo entra em desiquílibrio total... Sempre estou uma hora atrasada, porque quando o céu diz que é uma hora, o relógio diz que é duas...
Quando chove, vejo o vento, as nuvens e as águas do antigo rio que corta o bairro, hoje resumido a um rio de excrementos humanos unindo-se em protesto. Vejo a quantidade absurda de garrafas pet acumulando-se na superfície, brigando por espaço com todo tipo de lixo imaginável: desde sacolas plásticas de lixo à sofás e restos de automóveis.
Lembro-me do real motivo que ceifou tantas vidas em Santa Catarina: o desmatamento das encostas para plantação de bananas... A atitude mesquinha e cheia de ambição de um desencadeou tanta desgraça e matou a tantos...
É muito fácil arrumar um culpado pra tudo! É muito simples se omitir e dizer que não tem responsabilidade sobre a desgraça alheia... É muito simples culpar o governo sobre tudo! E assim, vamos vendo pessoas que se auto-intitulam cidadãos cada vez mais cômodos, hipócritas que querem mamar nas tetas do governo do mesmo modo que os políticos corruptos.
Há um antigo ditado popular que atravessa as gerações e diz: "quando um não quer, dois não brigam". É verdadeiro... Se o governo tem sua parcela de culpa. é porque a sociedade com o povo também tem. E vendo o jornalista com o rosto vermelho de tanto gritar indignado, em pensamento o chamo de hipócrita: é mais simples ficar do lado do povo que é a grande maioria e colocá-lo como injustiçado a dizer que a culpa também é dele! Falar a verdade não dá audiência! E o tal jornalista, exaltado, culpa também a chuva! A chuva que já não sabe mais quando é o tempo certo de cair agora também é culpada pelos rios serem sepultados e todo o lixo que se acumula nos bueiros... E quando a seca baixa o nível das represas, a culpa também é da chuva que não cai! E o injustiçado é o cidadão que lava seu carro na calçada enquanto toma uma cerveja e bate um papo com o vizinho...
Precisamos de um culpado para as desgraças que tomam o mundo? Alguns questionam a existência de Deus usando como argumento que se Ele existe, por que permite as pessoas sofrerem tanto? Outros que acreditam em um Deus dizem que Ele demora em exterminar este mundo de vez...
Eu particularmente creio na existência de um Criador e vejo a maior parte de sua criação indignada com o descaso que os únicos que foram merecedores de usufruir com liberdade este mundo, devastar tudo. Aos seres humanos foi dado tudo o que foi criado para se viver bem. Mas os seres humanos são os únicos seres da criação que ainda não obedecem às ordens dadas desde o princípio da vida. Enquanto o rio, mesmo canalizado, insiste em correr no mesmo lugar onde lhe foi ordenado, o ser humano o contraria e diz: '-Continue sepultado para que eu possa passar!'
Político antes de ser político é um ser humano! Cidadão antes de ser cidadão é um ser humano! A culpa é dos seres humanos que pensam cada um em si mesmo, não percebendo a dimensão que toma a conseqüência dos atos de um só dos indivíduos. A culpa é dessa mania, talvez inconsciente, de acreditar que são superiores a tudo, que têm direitos a tudo e de que podem tudo!
É mais fácil crer que não há um Ser Superior que irá cobrar as conseqüências dos atos de cada um! É mais fácil crer que existirá um Julgamento Final onde todos serão julgados e a freqüência num templo irá livrar alguém de punição! Eu digo que a Lei do Retorno está ativa! E que não há reencarnação com carga kármica para consertar erros passados... Não há julgamentos futuro de erros presentes... O que você planta hoje, bem ou mal, isso colherá! É a Lei da ação e reação: você chuta uma pedra pra cima, e ela vai cair provavelmente na sua cabeça!
Dizem que quando se aponta um dedo para alguém, três estão apontando pra si mesmo. Antes de se procurar em volta de nós um verdadeiro culpado, questionemo-nos a parcela de culpa que cada um de nós possui.
Para quem crê que aqui se nasce e aqui se morre e se transforma meramente em adubo, faça por merecer mesmo assim sua estadia neste planeta. Para quem crê que depois daqui existe um lugar que nos espera, re-avalie-se antes de crer com tanta certeza de que será merecedor do tal lugar.
Eu, conhecendo bem quem sou e sabendo a raça ao qual pertenço, peço perdão ao Deus que acredito todos os dias e aceito a punição a que sou merecedora... "Deus, se existe um inferno, eu o aceito, pois sendo reles mortal contaminada de um mal que tento vencer, sou merecedora a ele. Deus, se não existe céu nem inferno, não permita que minha existência seja pura casualidade!"
Sou culpada! Sou culpada pelos meus atos!
São Paulo, 18 de Janeiro de 2009.